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24 novembro 2010

PRINCÍPIOS INTERNACIONAIS DO DIREITO DO TRABALHO E DO DIREITO PREVIDENCIÁRIO-1

Parte 1/3

Gabriela Neves Delgado
Advogada; Professora Adjunta de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho dos Programas de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Direito da UFMG.


RESUMO: Nas ciências jurídicas os princípios se destacam por contribuir para a compreensão global e integrada de qualquer universo normativo. O Direito do Trabalho e o Direito Previdenciário têm como princípio matriz o princípio da proteção. No Direito Previdenciário, o princípio da solidariedade social também é seu postulado básico. O presente artigo concentra-se na análise do eixo internacional de proteção social, a partir da identificação dos princípios internacionais do Direito do Trabalho e do Direito Previdenciário alçados à condição de Direitos Humanos.
PALAVRAS-CHAVE: Direito do Trabalho. Direito Previdenciário. Princípios Internacionais. Direitos Humanos.
1 Introdução
A palavra "princípio" traduz, na Língua Portuguesa, a ideia de "origem, começo, causa primária, base ou germe" 1.
Para Antônio Houaiss significa, ainda, "proposição elementar e fundamental que serve de base a uma ordem de conhecimentos" e, nesta dimensão, "proposição lógica fundamental sobre a qual se apoia o raciocínio" 2.
Nas ciências, a palavra "princípio" é apreendida com sentido similar. Ou seja, os princípios são compreendidos como proposições ideais construídas a partir de dada realidade e direcionadas à compreensão da realidade examinada 3. São, portanto, proposições básicas e fundamentais de um sistema, que lhe garantem validade e legitimidade 4.
Nas ciências jurídicas, os princípios se destacam por contribuir para a compreensão global e integrada de qualquer universo normativo. São diretrizes centrais que se inferem de um sistema jurídico e que, após inferidas, a eles se reportam, informando-o 5.
No Direito, os princípios cumprem funções diferenciadas.
Na fase pré-jurídica ou política, os princípios despontam como proposições fundamentais que influenciam, enquanto veios iluminadores, à elaboração de regras e institutos jurídicos. Nesse momento, os princípios atuam como verdadeiras fontes materiais do Direito, na medida em que se apresentam como fatores de influência na produção da ordem jurídica 6.
Na fase jurídica, os princípios desempenham funções diferenciadas, a seguir destacadas.
Revelam-se como princípios informativos ou descritivos quando auxiliam no processo de interpretação, contribuindo para a compreensão de regras e institutos jurídicos 7. Podem também cumprir o papel de fonte supletiva ou subsidiária do Direito, no caso da falta de regra jurídica própria utilizada pelo intérprete e aplicador do Direito em face de um caso concreto art. 8º, CLT; art. 4º, LICC, e art. 126, CPC 8.
Além das duas funções tradicionais destacadas, a doutrina contemporânea também identifica a função normativa própria dos princípios, reconhecendo-os por sua natureza de norma jurídica efetiva, e não de simples enunciado meramente programático, não vinculante 9. Essa é uma das razões, inclusive, para a qualificação dos princípios como "normas-chave" 10 ou "super-fonte" 11 do sistema jurídico, "verdadeiros mandamentos de otimização" 12 da ordem jurídica.
Nessa linha de reflexão, sobretudo a partir do destaque dado à função contemporânea dos princípios, é que se passou a concluir que as normas jurídicas revelam em si caráter duplo, ou seja, exteriorizam-se ao mesmo tempo como regras e princípios 13.
2 Princípios de Direitos Humanos
A formulação teórica sobre os Direitos Humanos é tarefa vasta e complexa, que exige do intérprete a sistematização de seus principais aspectos e prismas a partir de perspectivas diferenciadas de ordem filosófica, internacional e constitucional. O que importa, em verdade, é que tais perspectivas se ordenem a partir de um centro comum, que é a concepção de dignidade da pessoa humana, valor-fonte na contemporaneidade do Direito 14.
A existência dos Direitos Humanos foi justificada, originariamente, pelo jusnaturalismo, corrente do pensamento filosófico que considerava os homens dotados de direitos naturais anteriores à formação da sociedade, direitos que lhes pertenciam, pura e simplesmente, pelo fato de serem humanos. Foi com o contratualismo, todavia, que despontou a exigência de reconhecimento e garantia dos direitos do homem pelo Estado, a fim de que se tornassem juridicamente exigíveis 15.
Atualmente, predomina concepção voltada para a historicidade dos Direitos Humanos. Nessa perspectiva, os Direitos Humanos apresentam-se, no curso histórico, a partir de três momentos distintos do fenômeno jurídico: o da conscientização da existência de direitos naturais, evidentes à razão; o da positivação de direitos; e, finalmente, o da efetivação de direitos, eis que reconhecidos e concretizados no plano social 16.
Quanto à identificação dos Direitos Humanos, foram eles tradicionalmente classificados em gerações de direitos, conforme o momento histórico em que surgiram 17.
Há que se ressaltar, por oportuno, o fortalecimento, na doutrina, do uso da expressão "dimensão de direitos" em contraponto à clássica "geração de direitos", na tentativa de se evitar a compreensão de que os direitos encontram-se, no curso histórico, num processo de necessária alternância 18.
No curso do Estado Liberal de Direito desenvolveram-se os direitos de primeira dimensão ou direitos da liberdade civis e políticos , que valorizam o homem enquanto indivíduo singular, livre e independente do Estado 19.
Os direitos civis, conquistados no século XVIII, fundamentam a concepção liberal clássica de direitos. Os políticos, oriundos do século XIX, referem-se à liberdade de associação e participação política, eleitoral ou sindical 20.
Durante o Estado Social de Direito predominaram os direitos de segunda dimensão ou direitos da igualdade sociais, culturais e econômicos , que valorizam o homem enquanto indivíduo pertencente a uma coletividade institucionalizada por um poder estatal de intervenção 21.
Em meados do século XX, com o Estado Democrático de Direito, exaltam-se os direitos de terceira dimensão ou direitos de fraternidade e solidariedade, eminentemente difusos 22.
Há que se ressaltar que os Direitos Humanos não se revelam de forma estanque na marcha histórica. Por essa razão, inclusive, é que são identificados a partir de seu caráter indivisível, interdependente e inter-relacionado princípio da indivisibilidade dos direitos humanos. Ou seja, há uma interseção permanente do "catálogo de direitos civis e políticos ao catálogo de direitos sociais, econômicos e culturais" 23.
Os princípios de Direitos Humanos, enquanto postulados básicos dos sistemas jurídicos contemporâneos ocidentais, irradiam-se por todos eles, informando-os. Seu valor-fonte é a dignidade do ser humano, pressuposto indispensável para a sua construção normativa.
A dignidade é, pois, valor de referência do pensamento jurídico e político moderno 24, apresentando-se no gênero humano sem fronteiras.
A compreensão de que o ser humano é o centro convergente dos Direitos Humanos é fundamento indispensável para a construção do arcabouço principiológico da Ciência do Direito, ainda mais quando se trata de direitos sociais, como é o caso do Direito do Trabalho e do Direito Previdenciário.
Veja que o Direito do Trabalho e o Direito Previdenciário, respeitadas suas particularidades, têm como princípio matriz, considerada a ordem internacional e a legislação pátria, o princípio da proteção. No Direito Previdenciário, o princípio da solidariedade social também é seu postulado básico.
O princípio da proteção, à luz do Direito do Trabalho, informa a necessidade desse ramo jurídico estruturar, através de seu complexo normativo, uma teia de proteção à parte hipossuficiente da relação de emprego o empregado e, por determinação constitucional, o trabalhador avulso , de modo a atenuar, no plano jurídico, o desequilíbrio fático inerente às partes contratantes, além de promover melhores condições de pactuação da força de trabalho 25.
O princípio da proteção, para o Direito Previdenciário, ressalta o direito de todo trabalhador de ser protegido pelo Estado em face de determinada contingência o designado "risco social" , sob pena de perecimento. Destaca, ainda, o dever do Estado de suportar tais contingências, quando houver eventos impeditivos da aquisição de meios habituais de subsistência pelo próprio trabalhador 26.
Evidentemente que no plano do Direito Previdenciário a tutela se estende por além da pessoa do trabalhador, atingindo também sua família, além de abranger outros segurados que não se enquadrem na posição efetiva de trabalhador ilustrativamente, profissionais liberais, empresários, entre outros.
O princípio da solidariedade social conclama pela necessidade de contribuição coparticipada da sociedade para o sustento de seus cidadãos. Corresponde, portanto, à universalização da técnica de proteção social.
Para Wladimir Novaes Martinez, a solidariedade ou solidarismo é "instituição humana profunda e permeia toda a organização social". Eleita como um dos objetivos permanentes da sociedade brasileira, adota como estratégia de proteção "a obrigatoriedade de pessoas com maior capacidade contributiva aportarem recursos a favor de si e de outros seres humanos sem essa força de contribuição" 27. Ou seja, as pessoas mais abastadas contribuem com parcela maior em relação aos mais empobrecidos 28. Nas palavras de Arnaldo Süssekind e Délio Maranhão, "os que possuem rendimentos mais baixos se beneficiam da participação financeira dos que têm maior capacidade econômica" 29.
NOTAS DA AUTORA:
1 - FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio - século XXI: o dicionário da Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 1369.
2 - HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 2299.
3 - DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 171.
4 - CRETELLA Jr., José. Curso de Direito Administrativo. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 3.
5 - DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Op. cit., p. 172.
6 - DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Op. cit., p. 174.
7 - Idem, p. 174-175.
8 - Ibidem.
9 - Sobre a função normativa própria dos princípios, consultar: BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 4. ed. Brasília: UnB, 1994; ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997; CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1992; BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
10 - BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Op. cit., p. 257.
11 - FLÓREZ-VALDEZ, Joaquín Arce y. Los principios generales del Derecho y su formulación constitucional. Madrid: Civitas, 1990. p. 53 e 56.
12 - ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Op. cit., p. 86.
13 - Idem, p. 83.
14 - Sobre o valor da dignidade e o valor da dignidade no trabalho, consultar: DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006.
15 - BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Trad. Carmem C. Varriale et alii. Coord. João Ferreira e Rev. João Ferreira e Luís Guerreiro Pinto Cascais. 5. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 2000. p. 253. v. 1.
16 - SALGADO, Joaquim Carlos. Os direitos fundamentais. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 82, p. 15-69, jan. 1996, p. 16.
17 - MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e "status". Rio de Janeiro: Zahar, 1967; BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Op. cit.
18 - SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 53.
19 - VIEIRA, Listz. Cidadania e globalização. Rio de Janeiro: Record, 1997. p. 22.
20 - Ibidem.
21 - Ibidem.
22 - Idem, p. 23. Sobre o tema dos direitos difusos, consultar também: VERONESE, Josiane Rose Petry. Interesses difusos e direitos das crianças e dos adolescentes. Belo Horizonte: Del Rey, 1997.
23 - PIOVESAN, Flávia. Direitos sociais, econômicos e culturais e direitos civis e políticos. SUR - Revista Internacional de Direitos Humanos, São Paulo, ano 1, n. 1, p. 21-43, 2004, p. 22.
24 - BARZOTTO, Luciane Cardoso. Direitos humanos e trabalhadores. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
25 - DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Op. cit., p. 183; RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1993. p. 28, 42 e 43.
26 - MARTINEZ, Wladimir Novaes. A seguridade social na Constituição Federal. 2. ed. São Paulo: LTr, 1992. p. 49-70.
27 - MARTINEZ, Wladimir Novaes. A seguridade social na Constituição Federal. Op. cit., p. 29.
28 - GONÇALVES, Odonel Urbano. Manual de Direito Previdenciário. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 28.
29 - SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio. Direito do Trabalho e previdência social: pareceres. São Paulo: LTr, s.d.. p. 285.
Extraído de Editora Magister/doutrina.

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