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08 julho 2009

SUPREMO ARQUIVA PEDIDO DE ASSOCIAÇÃO CAPIXABA DOS DEFENSORES PÚBLICOS

A ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha negou seguimento (arquivou) à Reclamação (RCL) 8376, ajuizada com pedido de liminar no Supremo Tribunal Federal (STF) pela Associação Capixaba dos Defensores Públicos (Acadef) contra dispositivo de acordo firmado pela Defensoria Pública Geral do estado do Espírito Santo com a seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/ES) e o Tribunal de Justiça capixaba (TJ-ES).

Mencionado acordo admite a remuneração de advogado dativo fornecido pela OAB com recursos do orçamento estadual, via Defensoria Pública, em valores fixados em tabela elaborada de comum acordo entre as partes.



Alegações

A Acadef sustenta que esta já é “a terceira tentativa do Poder Executivo estadual de promover a contratação ‘temporária’ de defensores públicos por via oblíqua”.

A entidade alega que o dispositivo impugnado afronta as decisões proferidas pelo STF no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 2229, relatada pelo ministro Carlos Velloso (aposentado), e 3700, relatada pelo ministro Carlos Britto. Nelas, o STF declarou a inconstitucionalidade da contratação temporária de defensores públicos pelos estados do Espírito Santo e do Rio Grande do Norte.

Ao negar seguimento à ação, no entanto, a ministra Cármen Lúcia louvou-se em precedentes do STF segundo os quais as associações, conforme previsto na CF, têm papel de representação, e não da substituição processual, que é reservada aos sindicatos. Assim, para propor a medida, a entidade precisaria, antes de mais nada, de expressa autorização dos filiados à categoria para atuar em juízo, em defesa de interesse específico (RCL 5215).

A ministra observou que “não há razão jurídica a fundamentar a postulação feita pela reclamante”. Além disso, segundo ela, a RCL não é a ação adequada para pleitear a declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade do convênio impugnado.

Fonte: STFRcl 8376


Veja abaixo a decisão monocrática:

DECISÃO

RECLAMAÇÃO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.229 E 3.700. CONVÊNIO. ADVOGADO PRESTADOR DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. PREVISÃO DE PAGAMENTO DE HONORÁRIOS. ILEGITIMIDADE ATIVA DA ASSOCIAÇÃO RECLAMANTE. RECLAMAÇÃO À QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.

Relatório

1. Reclamação, com pedido de medida liminar, ajuizada pela Associação Capixaba dos Defensores Públicos – Acadep, em 5.6.2009, contra ato da Defensora Pública Geral do Estado do Espírito Santo, do Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Estado do Espírito Santo, e do Presidente do Tribunal de Justiça capixaba consubstanciado no convênio por eles celebrado em 28.5.2009 (fls. 59-67).

O caso

2. A Reclamante relata que, em 28.5.2009, ocorreu a “celebração de um convênio pelas autoridades Reclamadas, tendo por objeto ‘a prestação de assistência judiciária e jurídica, nos limites deste Convênio, à população carente, no Estado do Espírito Santo, de forma suplementar às atribuições institucionais da Defensoria’ (Cláusula 1ª)” (fl. 4).

Entre outras cláusulas aquele Convênio estabelece:

“Cláusula Terceira – da Prestação da Assistência Judiciária.
O Advogado dativo deve atentar para os princípios da isonomia e celeridade processual, sendo vedada recusa às indicações e, em hipótese alguma, poderá postular, pactuar ou receber qualquer valor, bem ou vantagem da parte assistida, seja a que título for, ensejando a violação de tal dispositivo sua imediata exclusão do cadastro, sem prejuízo de sanções disciplinares previstas na Lei n. 8.906/94 e no Código de Ética e Disciplina da OAB.
(...)
Cláusula Quinta – dos Honorários.
Os honorários devidos aos Advogados dativos serão suportados com os recursos do orçamento estadual pela Defensoria Pública nos valores estabelecidos na tabela que integra o presente convênio, elaborada pelas partes convenentes. Os honorários serão fixados nos casos previstos na cláusula terceira, conforme os valores constantes da tabela que integra o presente Convênio (anexo IV)” (fls. 61 e 64).

Contra a cláusula quinta daquele Convênio é que a Reclamante ajuíza a presente Reclamação.

Sustenta ser “manifestamente ilegal o pagamento de honorários advocatícios a advogados particulares para a prestação de assistência judiciária remunerada, na forma como prevista no convênio” mencionado (fl. 5).

Explica que “a previsão de pagamento de honorários advocatícios aos advogados cadastrados no malsinado convênio, com recursos públicos do Estado do Espírito Santo, nada mais é do que a terceira tentativa do Poder Executivo Estadual de promover a contratação ‘temporária’ e precária de Defensores Públicos, por via oblíqua” (fl. 21).

Argumenta que teria sido afrontado o que decidido no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade ns. 2.229/ES, Relator o Ministro Carlos Velloso, e 3.700, Relator o Ministro Carlos Britto.

As ementas das decisões tidas como afrontadas são as seguintes:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: DEFENSOR PÚBLICO: CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. C.F., art. 37, II e IX. Lei 6.094, de 2000, do Estado do Espírito Santo: inconstitucionalidade. I. - A regra é a admissão de servidor público mediante concurso público: C.F., art. 37, II. As duas exceções à regra são para os cargos em comissão referidos no inciso II do art. 37, e a contratação de pessoal por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. CF, art. 37, IX. Nessa hipótese, deverão ser atendidas as seguintes condições: a) previsão em lei dos cargos; b) tempo determinado; c) necessidade temporária de interesse público; d) interesse público excepcional. II. - Lei 6.094/2000, do Estado do Espírito Santo, que autoriza o Poder Executivo a contratar, temporariamente, defensores públicos: inconstitucionalidade. III. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.229, DJ 25.6.2004).

E:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 8.742, DE 30 DE NOVEMBRO DE 2005, DO ESTADO DO RIO GRANDE NORTE, QUE "DISPÕE SOBRE A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE ADVOGADOS PARA O EXERCÍCIO DA FUNÇÃO DE DEFENSOR PÚBLICO, NO ÂMBITO DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO". 1. A Defensoria Pública se revela como instrumento de democratização do acesso às instâncias judiciárias, de modo a efetivar o valor constitucional da universalização da justiça (inciso XXXV do art. 5º da CF/88). 2. Por desempenhar, com exclusividade, um mister estatal genuíno e essencial à jurisdição, a Defensoria Pública não convive com a possibilidade de que seus agentes sejam recrutados em caráter precário. Urge estruturá-la em cargos de provimento efetivo e, mais que isso, cargos de carreira. 3. A estruturação da Defensoria Pública em cargos de carreira, providos mediante concurso público de provas e títulos, opera como garantia da independência técnica da instituição, a se refletir na boa qualidade da assistência a que fazem jus os estratos mais economicamente débeis da coletividade. 4. Ação direta julgada procedente” (Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.700, DJE 6.3.2009).

Alega a Reclamante que “nosso ordenamento jurídico não admite que o Estado proceda à contratação temporária e precária de advogados particulares para exercerem as atribuições funcionais da Defensoria Pública, seja de forma direta, dentro dos seus quadros de carreira, seja por via oblíqua, como pretendem as autoridades Reclamadas através do ora hostilizado convênio” (fl. 24).

Requer medida liminar para suspender os efeitos da cláusula quinta do mencionado convênio, determinando-se “à primeira autoridade Reclamada que se abstenha do pagamento de qualquer verba pecuniária a título de honorários advocatícios decorrentes da prestação de assistência jurídica e judiciária objeto do convênio ‘sub examinem’, até ulterior decisão” do Supremo Tribunal Federal (fls. 34-35).

No mérito, pede seja julgado procedente o pedido, “ratificando-se e consolidando-se os efeitos da medida liminar ora pleiteada” (fl. 36).

Examinados os elementos havidos nos autos, DECIDO.

3. A Reclamante é associação que congrega “defensores públicos do Estado do Espírito Santo aprovados em concurso público de provas e títulos ou abrangidos pelas disposições transitórias dos artigos 19 e 22 da Constituição” da República (art. 1º do Estatuto, fl. 39) e foi fundada em 26.10.2007.

Relata ter “ciência que a legitimação ativa ordinária para a defesa dos direitos e prerrogativas da Defensoria Pública é do ocupante do cargo de Defensor Público Geral”, porém, segundo ela, a atual “Defensora Pública Geral não pertence ao quadro permanente da Defensoria Pública, uma vez que o seu ingresso se deu sem o indispensável concurso público, não tendo direito nem mesmo aos benefícios dos arts. 19 e 22 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias” (fl. 5).

4. Quanto às associações, dispõe a Constituição da República, em seu art. 5º, inc. XXI:

“as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente.”

No julgamento da Reclamação n. 5.215, ajuizada pela Associação dos Docentes das Faculdades de Tecnologia do Ceeteps - Adfatec contra atos administrativos que teriam descumprido decisões do Supremo Tribunal Federal no julgamento de ações diretas de inconstitucionalidade, o Relator, o Ministro Carlos Britto, consignou quanto à legitimidade das associações:

“o regime processual instituído pela Carta Magna para as associações é o da representação, que se distingue claramente da substituição processual reservada aos sindicatos (inciso III do artigo 8º da CF/88). Destes não se exige autorização para agir em juízo e, mais, defere-se-lhes a prerrogativa de fazê-lo em favor de toda a categoria. A associação, ao contrário, necessita de expressa autorização para agir em juízo e, ademais, só pode fazê-lo em benefício dos seus filiados” (DJ 1º.8.2007, decisão monocrática, grifos no original).

Em 7.11.2002, ao julgar o Agravo Regimental na Reclamação n. 1.880, o Plenário do Supremo Tribunal reconheceu a legitimidade do Município Reclamante para postular a preservação do efeito vinculante em ação direta de inconstitucionalidade, porque comprovado o prejuízo advindo da decisão reclamada, nos termos seguintes:

“4. Reclamação. Reconhecimento de legitimidade ativa ‘ad causam’ de todos que comprovem prejuízo oriundo de decisões dos órgãos do Poder Judiciário, bem como da Administração Pública de todos os níveis, contrárias ao julgado do Tribunal. Ampliação do conceito de parte interessada (Lei 8038/90, artigo 13). Reflexos processuais da eficácia vinculante do acórdão a ser preservado” (Relator o Ministro Maurício Corrêa, DJ 19.3.2004).

5. Na espécie dos autos, alega a Reclamante que a cláusula quinta do Convênio reclamado, além de afrontar o art. 37, caput e inc. II, da Constituição da República, acarretaria prejuízo à Defensoria Pública ao prever pagamento de honorários a advogados não concursados nas provisões orçamentárias da Defensoria Pública capixaba. A argumentação apresenta-se arrazoada.

No entanto, não há razão jurídica a fundamentar a postulação feita pela Reclamante na via por ela escolhida.

Embora o inc. I do art. 2º do Estatuto da Reclamante preveja, entre suas finalidades, “representar e promover por todos os meios, em âmbito estadual e nacional, nos termos do art. 5º, inc. XXI, da Constituição Federal, independentemente de prévia aprovação a autorização assemblear, a defesa das garantias, prerrogativas, dos direitos e interesses individuais e coletivos dos seus associados efetivos, em juízo ou fora dele” (fl. 39), tanto não é bastante para se afinar com entendimento sobre a matéria firmado por este Supremo Tribunal.

No julgamento do Agravo Regimental na Reclamação n. 5.215, Relator o Ministro Carlos Britto, à unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu pela necessidade de autorização expressa dos filiados na defesa de interesse específico:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECLAMAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO AO PEDIDO. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA A ENTIDADE DE CLASSE, QUANDO POSTULA EM JUÍZO DIREITOS DE SEUS FILIADOS, AGE COMO REPRESENTANTE PROCESSUAL. NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO DE ASSEMBLÉIA GERAL. MÉRITO. ALEGAÇÃO DE AFRONTA ÀS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NAS ADIs 1.721 E 1.770. INEXISTÊNCIA. DESPROVIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL. 1. A associação atua em Juízo, na defesa de direito de seus filiados, como representante processual. Para fazê-lo, necessita de autorização expressa (inciso XXI do art. 5º da CF). Na AO 152, o Supremo Tribunal Federal definiu que essa autorização bem pode ser conferida pela assembléia geral da entidade, não se exigindo procuração de cada um dos filiados. 2. O caso dos autos retrata associação que pretende atuar em Juízo, na defesa de alegado direito de seus filiados. Atuação fundada tão-somente em autorização constante de estatuto. Essa pretendida atuação é inviável, pois o STF, nesses casos, exige, além de autorização genérica do estatuto da entidade, uma autorização específica, dada pela Assembléia Geral dos filiados”. (DJ 22.5.2009, grifos nossos).

Ademais, a Reclamante utiliza-se da via reclamatória com o propósito de obter declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade do mencionado convênio, a que também não se presta a Reclamação constitucional.

6. Pelo exposto, nego seguimento a esta Reclamação (art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).

Publique-se.
Brasília, 15 de junho de 2009.

Ministra CÁRMEN LÚCIA
Relatora

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