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27 julho 2009

O MINISTÉRIO PÚBLICO E A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DIRETA - Parte 4-Final



Carlos Eduardo Cabral Beloti
Especialista em Direito Processual; Pós-graduando em Gestão Jurídica da Empresa; Advogado

6. A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO E O (DES)EQUILÍBRIO DO SISTEMA PROCESSUAL PENAL

Ao se permitir que o Ministério Público faça por conta própria investigações criminais, estar-se-ia concentrando poderes maiores que o estabelecido constitucionalmente.
Conforme já estudado, no sistema acusatório, a polícia está incumbida de realizar a investigação criminal. Ao Ministério Público cabe denunciar e, ao Poder Judiciário cumpre dizer o direito, ficando o sistema processual penal em equilíbrio.

No caso em tela, passando o Ministério Público a acumular os poderes de investigar e denunciar, o sistema processual penal estaria em desequilíbrio, haja vista que um mesmo órgão realizaria duas atividades que, no plano legal, deveriam ser realizadas por entes diferentes, evitando a impessoalidade daquele que investiga e daquele que denuncia.

O Estado tomou para si a exclusividade do jus puniendi, instituindo dois organismos, dedicados a essa atividade: a Polícia e o Ministério Público. O persecutio criminis se desenvolve em dois instantes. No primeiro, o Estado representado pela Polícia investiga o fato, apurando quem o cometeu. No segundo instante, ou seja, após o encerramento da atividade policial, as diligências que buscaram descobrir o autor de um fato delituoso são encaminhadas ao Estado, representado pelo Ministério Público, a quem cabe promover a ação penal, isto é, levar ao conhecimento do juiz a notícia de um crime, juntamente com o autor do fato e pedindo-lhe o julgamento.

Ao se respeitar esta lógica, que é mais do que uma regra processual, é pura vontade do legislador constituinte, tanto a Polícia Judiciária quanto o Ministério Público, ao desempenharem suas atividades definidas constitucionalmente, contribuirão para a concretização do regime democrático e assegurarão o equilíbrio ao sistema processual penal.

É por esta razão, além de outras, que o constituinte estabeleceu implicitamente um sistema de freio e contrapeso, para evitar que um órgão, um ente ou um poder se tornasse infinitamente maior que os outros.

7. CONCLUSÕES

Concluímos que o inquérito policial é o conjunto de diligências realizadas pela polícia visando investigar um fato típico e a apurar sua respectiva autoria, sendo o inquérito regulamentado pelo Código de Processo Penal, e que existem outras formas de investigações constitucionalmente ou infraconstitucionalmente estabelecidas, não sendo, portanto, ato privativo ou exclusivo da polícia investigar.

As funções do Ministério Público ao longo dos anos foram acrescidas, principalmente após a promulgação da Constituição Federal de 1988, sendo-lhe incumbida a tarefa da defesa da ordem jurídica, do regime democrático de direito e dos interesses individuais indisponíveis, passando a ter o Ministério Público funções constitucionalmente ligadas ao processo penal.

A Constituição Federal de 1988 adotou, de forma implícita, o sistema acusatório, onde existe nítida separação entre o órgão acusador e o julgador, advindo daí, o sistema de freio e contrapeso entre as diversas instituições e poderes existentes no ordenamento pátrio, de forma que cada uma tivesse sobre si uma forma de controle externo, típico de qualquer estado democrático.

Sobre a possibilidade de o Ministério Público conduzir investigação criminal, existe ampla discussão doutrinária e jurisprudencial a respeito, sendo a ineficácia/ineficiência das instituições policiais, a independência funcional, a inamovibilidade e a vitaliciedade do membro do Ministério Público argumentos a favor, entre outros. De outro lado, a ausência de previsão constitucional e infraconstitucional expressa e o monopólio da investigação criminal pela polícia são argumentos contra a possibilidade de o Ministério Público conduzir investigação criminal, o que acarretaria desvio de função.

O Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil não vê com bons olhos a investigação criminal realizada autonomamente pelo Ministério Público, por não haver suporte jurídico na Constituição Federal.

Que o Supremo Tribunal Federal não firmou posicionamento sobre o tema, havendo apenas decisões das turmas e não do pleno daquela corte.

E por fim, ao se permitir que o Ministério Público faça por conta própria investigações criminais, estar-se-ia concentrando poderes maiores que o estabelecido constitucionalmente, pois, ao se permitir que um mesmo órgão realize duas atividades que, no plano legal devem ser realizadas por entes diferentes (sistema acusatório), acarretaria o desequilibrando do sistema processual penal brasileiro.

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Extraído de Newsletter Magister Edição n. 931 - 21.jul.2009

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