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23 julho 2009

O MINISTÉRIO PÚBLICO E A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DIRETA - Parte 2


Carlos Eduardo Cabral Beloti
Especialista em Direito Processual; Pós-graduando em Gestão Jurídica da Empresa; Advogado

3. O MINISTÉRIO PÚBLICO

A Constituição Federal situa o Ministério Público em capítulo especial, fora da estrutura dos demais poderes da República, consagrando sua total autonomia e independência (Moraes, 2006, p.1675).

As regras constitucionais referentes ao Ministério Público estão prescritas no artigo 127 ao artigo 130-A da Carta Magna.

3.1. HISTÓRIA

3.1.1. O Ministério Público antes da Constituição Federal de 1988

Para deixar este trabalho completo, ainda que resumidamente, devem-se fornecer noções acerca da evolução do Ministério Público.

O primeiro texto legislativo que se refere ao Ministério Público é o diploma de 09 de janeiro de 1609, que disciplinava a composição do Tribunal da Relação do Brasil, sediado na Bahia (PONTES, 2006). No referido tribunal, o papel do Procurador da Coroa e Promotor de Justiça era exercido por um dos dez desembargadores que compunham aquela corte.

A Carta Imperial de 1824, por assim dizer, nossa primeira constituição, não tratou do Ministério Público, limitando-se a dizer que a acusação dos crimes em juízo seria feita pelo Procurador da Coroa.

No Código de Processo Criminal do Império de 1832, estabeleceu-se que aqueles que podiam ser jurados e tivessem conhecimento das leis do país, também poderiam ser promotores de justiça.
A Constituição promulgada em 1891 apenas tratou do Ministério Público no tocante à nomeação do Procurador Geral da República, escolhido pelo Presidente dentre os Ministros do Supremo Tribunal Federal.

Em 14 de julho de 1934, foi promulgada a terceira Constituição Brasileira. A nova Carta política do país institucionalizou o Ministério Público, dando-lhe um capítulo à parte. Merece destaque que a nova Carta estabeleceu a estabilidade dos membros do Ministério Público, a regulamentação de ingresso na carreira e a paridade de vencimentos do Procurador Geral da República com os dos Ministros da Suprema Corte.

Na Constituição do Estado Novo, outorgada em 1937, o Ministério Público sofreu a perda da estabilidade e da paridade de vencimentos. Limitou-se apenas em estabelecer que o cargo de Procurador Geral da República era de livre nomeação e demissão pelo Presidente, devendo a escolha recair em pessoa que possuísse os requisitos exigidos para o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Restabelecida a democracia em 18 de setembro de 1946, é promulgada a quinta Constituição Brasileira, dando novos contornos ao Ministério Público. Os artigos 125 a 128 da nova Carta davam título próprio à instituição, disciplinando sua organização, a escolha do Procurador Geral da República, o ingresso na carreira mediante concurso público e as garantias de estabilidade e inamovibilidade de seus membros. O Procurador Geral da República foi legitimado a representar pela inconstitucionalidade de leis e atos normativos.

O golpe militar de 1964 criou uma ruptura na Constituição de 1946, pois, embora vigente, passou a conviver com uma norma paralela: os Atos Institucionais.

Foi em 24 de janeiro de 1967 que surgiu a sexta Constituição. Nesta Carta, o Ministério Público foi deslocado para dentro do Poder Judiciário, em posição de subordinação.

Com o Ato Institucional nº 5 (AI-nº. 5), de 13 de dezembro de 1968, suspendeu-se a vigência da Constituição de 1967, dando poderes totalitários ao Presidente da República.

Em 17 de outubro de 1969, entrou em vigor a Emenda Constitucional nº. 1, considerada materialmente como a sétima Constituição, na qual o Ministério Público fora colocado em capítulo referente ao Poder Executivo.

É esta a breve evolução do Ministério Público antes da Constituição Federal de 1988. O próximo tema a ser tratado neste trabalho será o Ministério Público após a Constituição Federal de 1988.

3.1.2. O Ministério Público depois da Constituição Federal de 1988

Após o movimento das "Diretas Já", o regime militar chegou ao seu fim com a promulgação da Constituição Cidadã de 1988, em 05 de outubro daquele ano. A nova carta política consagrou o Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado.

Com a nova Constituição, alguns quiseram discutir se o Ministério Público estaria vinculado ao Poder Judiciário ou ao Poder Executivo, ou ainda, se seria um quarto poder. De nada vale essa discussão, já que o órgão em análise não deve subordinação a nenhum outro poder ou órgão, sendo-lhe assegurada autonomia funcional e administrativa, bem como iniciativa orçamentária, conforme preconizado no artigo 127, §§ 2º e 3º, da Constituição Federal de 1988.

Passaram então os membros do Ministério Público a gozar de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios.

Ao Ministério Público foi incumbida a tarefa de defesa da ordem jurídica, do regime democrático de direito e dos interesses sociais individuais indisponíveis.

Em última análise, cabe ao Ministério Público zelar pelo fiel cumprimento das leis e promover a justiça.

"... é impossível não notar o crescimento da importância e das atribuições do Ministério Público ao longo do tempo". (PONTES, 2006).

Quis o legislador constituinte com isso, assegurar o estado democrático e de direito.

Destarte, cumpre mencionarmos as funções desempenhadas pelo Ministério Público ante a nova Carta Política.

3.2. FUNÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Os reflexos da majoração das funções do Ministério Público, juntamente com a adoção do sistema acusatório, atingiram a persecução penal, tanto na fase investigativa, como na ação penal.

Passou o Ministério Público, assim, a ter funções constitucionais ligadas ao Processo Penal, conforme preconizado na Constituição Federal de 1988, tais como: promover privativamente a ação penal pública, zelar pelo efetivo respeito aos poderes públicos, exercer o controle externo da atividade policial, defender os interesses sociais e individuais indisponíveis, entre outras funções expressamente consagradas pela Constituição Federal em seu artigo 129, dentre as quais encontramos a possibilidade do Ministério Público expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, bem como requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial.

Analisadas as funções primordiais do Ministério Público, dedicaremos a seguir, ao estudo do sistema processual penal adotado no Brasil.

4. O SISTEMA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO

Para se realizar uma investigação, com o conseqüente processo-crime resultando em uma condenação, podem ser utilizados variados sistemas.

Vale ressaltar que são três, basicamente, os sistemas de processo penal, sendo eles: o sistema inquisitivo; o sistema acusatório, e o sistema misto.

Abordaremos no próximo tópico o mais importante deles, que é o sistema acusatório, utilizado pelo legislador brasileiro, embora haja divergência na doutrina a este respeito (NUCCI, 2006, p. 105).

4.1. SISTEMA ACUSATÓRIO

A Carta magna adotou o sistema acusatório, embora não o tenha feito de forma explícita e direta. Conforme já tivemos a oportunidade de relatar, conferiu o exercício da ação penal pública ao Ministério Público, como função privativa deste.

Neste sistema, existe nítida separação entre o órgão acusador e o julgador, e as seguintes características: há liberdade de acusação; predomina a liberdade de defesa e a isonomia entre as partes no processo; vigora a publicidade do procedimento; o contraditório está presente; existe a possibilidade de recusa do julgador; há livre sistema de produção de provas; predomina maior participação popular na justiça penal e a liberdade do réu é a regra.

Fica clara a nítida intenção de se separar as funções de acusar, defender e julgar, baseada na separação de poderes, na qual um órgão exerce controle sobre o outro, com o objetivo de evitar abusos.

Há quem diga que possibilitar ao Ministério Público conduzir investigações criminais de forma autônoma e direta, ferir-se-ia o princípio da eqüidade, prejudicando a defesa do acusado.

Nesse sentido Aury Lopes Júnior (2003) assevera:

Na prática, o promotor atua de forma parcial e não vê mais uma que uma direção. Ao se transformar a investigação preliminar numa via de mão única, está-se acentuando a desigualdade das futuras partes com graves prejuízos para o sujeito passivo. É convertê-la em uma simples e unilateral preparação para a acusação, uma atividade minimista e reprovável, com inequívocos prejuízos para a defesa.

A preocupação foi tanta que o constituinte consagrou na Constituição Federal de 1988 o sistema de freios e contrapeso, conforme será estudado adiante.

4.1.1. Sistema de freio e contrapeso

A Constituição Federal de 1988 consagrou o sistema de freios e contrapesos entre as diversas instituições e poderes existentes no ordenamento pátrio, de forma que tivessem sobre si uma forma de controle externo.

Nesse sentido, tal sistema de fiscalização é típico de qualquer Estado democrático. Isso se deve ao fato de que todos se sujeitam aos mecanismos de controle recíprocos, de modo a evitar a exorbitância por parte de um, sem que incorra na censura e correção por parte dos demais.

Afrânio Silva Jardim (1999, p. 337) ensina:

Temos asseverado, em outras oportunidades, que o verdadeiro Estado de Direito não pode prescindir de mecanismos de controle de seus órgãos públicos. Este controle deve ser efetivado seja pelas instituições da sociedade civil, de forma difusa, seja pelos próprios órgãos estatais.
Somente existirá um Estado Democrático se houver mecanismos de controle que coíbam abusos por parte daquele que detenha o poder.

No próximo tópico, analisaremos os argumentos pró e contra a possibilidade de o Ministério Público conduzir a investigação criminal diretamente.

Extraído de Newsletter Magister Edição n. 931 - 21.jul.2009

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