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20 julho 2009

MPF-SP E A INVESTIGAÇÃO SECRETA


O juiz federal Ali Mazloum, da 7ª Vara Criminal Federal de São Paulo, determinou o envio de ofício ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgão constitucional de controle do MPF, para que adote medidas legais contra métodos de investigação secretos adotados pelo Ministério Público Federal de São Paulo.
A determinação ocorreu após o juiz analisar um pedido de arquivamento em uma investigação criminal iniciada pelo MPF em novembro de 2003, e mantida em “segredo” (sem o conhecimento da Justiça) até abril de 2009. Segundo a decisão, tratou-se de uma “investigação secreta” iniciada com base numa carta anônima, na qual denunciava um departamento de Polícia Federal – DELESP – que estaria envolvido num “esquema de corrupção”, incluindo um delegado, um despachante e uma empresa de segurança privada.
O procedimento investigatório do MPF teria ficado “parado” por quase quatro anos (até 2007) em poder de um membro da instituição. A decisão relata que, em seguida, outro representante do MPF requisitou “diretamente à Receita Federal” a quebra de sigilo fiscal, dos últimos cinco anos, das pessoas física e jurídica investigadas. De posse das declarações de renda, o procurador acrescentou não ter identificado irregularidades. “Por falta de justa causa”, foi promovido o arquivamento do procedimento, em novembro de 2008, no próprio âmbito do MPF.
Entretanto, segundo a decisão, a cúpula do MPF recusou-se a arquivar o procedimento sob o argumento da “gravidade” dos fatos e da existência de “elementos bastantes” para manutenção das investigações baseadas na aludida carta anônima. Foi então que, em abril de 2009, um terceiro membro do MPF resolveu “judiciar” o procedimento com vistas a obter de algum juiz federal a quebra de sigilo bancário dos investigados e, assim, abrir “outra linha de investigação”.
“Mesmo reconhecida a regularidade fiscal dos investigados, partiu-se para a quebra do sigilo bancário, situação que à evidência confunde-se com ato de devassa da vida alheia. E, somente em razão da necessidade do concurso do Judiciário para a obtenção de dados bancários, o procedimento deixou sua carapaça, perdeu seu secretismo, aportando nesta 7ª Vara Federal Criminal após livre distribuição”, afirma Ali Mazloum. Após ter o pedido de quebra do sigilo bancário negado pelo juiz, o MPF desistiu da pretensão e solicitou o arquivamento do feito por ausência de indícios de materialidade do delito.
Ao fundamentar sua decisão, Mazloum afirma, ainda, que o anonimato é vedado pela Constituição Federal, não sendo elemento idôneo para amparar medidas invasivas da intimidade do cidadão. “Há quem defenda, com acerto, que o anonimato pode dar azo a pesquisas preliminares, mas nunca ensejar a deflagração de medidas constritivas, drásticas, submetidas à reserva de jurisdição, tais como prisões, buscas domiciliares, interceptação telefônica, quebra de sigilo etc”.
Para o juiz, o ordenamento jurídico não autoriza o MPF a realizar investigações secretas nem a agir ex officio em ambiente submetido a reserva de jurisdição com base em carta anônima, e acrescentou que nem mesmo o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) toma conhecimento de denúncias anônimas contra membros do Ministério Público.
“A questão é muito grave, especialmente diante do quadro atual de fragilização do Poder Legislativo, em que o MPF precipita-se a investigar os chamados ‘atos secretos’ do Senado Federal, quando em suas próprias hostes vigoram métodos inconstitucionais de investigações secretas”, diz a decisão.
Por fim, Mazloum determinou que o CNMP tome conhecimento dos fatos para adoção das medidas legais que entender cabíveis, “especialmente eventuais inspeções e correições em sistemas internos de registro de arquivamento de expedientes pelas instâncias do MPF desta capital paulista, de modo a coibirem eventuais práticas e métodos de investigações secretas”.
Na sequência, com base nos motivos apresentados, deferiu o pedido de arquivamento da referida investigação iniciada em 2003, e determinou a intimação dos investigados para tomarem ciência da decisão e do procedimento investigatório ao qual estiveram submetidos durante quase seis anos sem conhecimento. (RAN)

Procedimento nº 2009.61.81.004404-7
Veja aqui a
íntegra da decisão
Fonte: Justiça Federal de São Paulo

Em razão desse informativo a ANPR divulgou a seguinte Nota Pública de apoio aos membros do MPF de São Paulo:

A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DA REPÚBLICA (ANPR) vem a público demonstrar irrestrito apoio à atuação dos Membros do Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo e esclarecer que toda investigação promovida no âmbito da Instituição está amparada pela lei.
Para a ANPR, causa perplexidade o Juiz Federal Ali Mazloum, da 7.ª Vara Federal Criminal de São Paulo, divulgar nota à imprensa a respeito de investigação sigilosa realizada pelo MPF e associá-la com atos do Senado Federal, em razão de o magistrado ter conhecimento de não haver correlação entre aquela investigação e notícias de possível violação ao princípio da publicidade em atos administrativos do Poder Legislativo. A ligação feita nas declarações do Juiz Federal parece servir apenas a causar comoção e a lançar desconfiança sobre o Ministério Público Federal, não se sabe com quais motivações.Em muitos casos, o sigilo é indispensável a fim de resguardar a intimidade dos investigados e a eficiência da investigação. Ao requisitar dados fiscais, com intuito de apurar eventuais ilícitos, o Ministério Público Federal ampara-se na legislação, conforme reconhecem tanto a Secretaria da Receita Federal quanto a Advocacia-Geral da União. Na investigação citada, não foram realizadas diligências que necessitassem de autorização do Poder Judiciário, tais como interceptações telefônicas, prisões e buscas domiciliares. Como titular da ação penal, é dever do Ministério Público reunir os elementos necessários a formar sua convicção sobre a existência de crime. Desde que não haja necessidade de diligência dependente de ordem judicial, a investigação não precisa tramitar pelo Judiciário, como recentemente reconheceu o próprio Conselho da Justiça Federal.Quanto a investigações com base em carta anônima, há decisões tanto do Supremo Tribunal Federal como do Superior Tribunal de Justiça que as admitem. O anonimato muitas vezes é o único meio de o cidadão provocar os órgãos públicos sem pôr em risco a própria segurança.A ANPR avaliza as declarações da Procuradoria da República em São Paulo, de que os Membros do MPF estão abertos a críticas e buscam, permanentemente, o aprimoramento da missão que lhe foi conferida pela Constituição da República. É direito de todo cidadão dirigir-se ao Conselho Nacional do Ministério Público, embora a apuração de atos dos membros do MPF deva começar, como regra, pela Corregedoria Geral do MPF e não pelo CNMP. Os Procuradores da República não temem tentativas de intimidação à sua atuação funcional nem deixarão de cumprir seu dever diante de notas e declarações que busquem lançar desconfiança sobre seu trabalho, de forma confusa e tecnicamente equivocada e com objetivos pouco claros.
Brasília, 17 de julho de 2009.

Wellington Cabral Saraiva
Procurador Regional da República
Presidente da ANPR em exercício

Fonte: Site ANPR

Nota do blog:

É compreensível a manifestação da ANPR pois é sua função essencial defender os direitos e interesses de seus associados.

Entretanto, no caso relatado, não se pode aceitar uma investigação no período de seis anos, realizada de modo secreto. Voltamos à época da inquisição?
Se há um tempo de razoável duração do processo previsto constitucionalmente deverá haver também para o Ministério Público um prazo hábil para uma investigação. É um absurdo abrir uma investigação e ficar anos e anos sem uma conclusão. Se o processo não pode, muito menos uma investigação. A Polícia para investigar abre um inquérito policial que tem o prazo de 30 dias para sua conclusão. E a investigação do MP é infinita? Ou só se revela quando há necessidade de uma autorização judicial?
Tem que haver mecanismos de controle da atividade ministerial como órgão de investigação, assim como tem do judiciário e dos demais poderes. Nesse ponto o juiz parece estar certo.

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