Translate

10 outubro 2008

CNJ DETERMINA RESERVA DE VAGAS PARA DEFICIENTES EM CONCURSOS DE INGRESSO NA MAGISTRATURA

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai determinar a todos os Tribunais do país que, nos próximos editais de concurso público para provimento de cargo de juiz, reservem de 5% a 20% de vagas para ingresso de portadores de deficiência. A decisão foi tomada na sessão plenária realizada nesta terça-feira (07/10). A questão será estabelecida em Enunciado Administrativo a ser publicado no Diário da Justiça.
Eis o teor do ato a ser publicado:

ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº

"Em todos os concursos públicos para provimento de cargos do Poder Judiciário, inclusive para ingresso na atividade notarial e de registro, será assegurada reserva de vagas a candidatos com deficiência, em percentual não inferior a 5% (cinco por cento), nem superior a 20% (vinte por cento) do total de vagas oferecidas no concurso, arredondando-se para o número inteiro superior, caso fracionário o resultado da aplicação do percentual, vedada a incidência de ‘nota de corte' decorrente da limitação numérica de aprovados e observando-se a compatibilidade entre as funções a serem desempenhadas e a deficiência do candidato. As listas de classificação, em todas as etapas, devem ser separadas, mantendo-se uma com classificação geral, incluídos os candidatos com deficiência e outra exclusivamente compostas por estes".
Fonte:
Agência CNJ de Notícias

É oportuno lembrar que a Constituição Federal em seu art. 37, inciso VIII, dispõe que “a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”. E o inciso XXXI do mesmo artigo proíbe qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência.

De outra ponta, regulamentando os aludidos dispositivos vieram ao mundo jurídico a Lei nº 7853, de 24 de outubro de 1989, que dispõe sobre a política nacional de integração da pessoa portadora de deficiência, e o Decreto nº3298, de 20 de dezembro de 1999, dispondo sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência e consolidando as normas de proteção, e dando outras providências.

Vejam as claras disposições contidas no sobredito decreto:

Art. 37. Fica assegurado à pessoa portadora de deficiência o direito de se inscrever em concurso público, em igualdade de condições com os demais candidatos, para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que é portador.
§ 1o O candidato portador de deficiência, em razão da necessária igualdade de condições, concorrerá a todas as vagas, sendo reservado no mínimo o percentual de cinco por cento em face da classificação obtida.
§ 2o Caso a aplicação do percentual de que trata o parágrafo anterior resulte em número fracionado, este deverá ser elevado até o primeiro número inteiro subseqüente.
Art. 38. Não se aplica o disposto no artigo anterior nos casos de provimento de:
I - cargo em comissão ou função de confiança, de livre nomeação e exoneração; e
II - cargo ou emprego público integrante de carreira que exija aptidão plena do candidato.
Art. 39. Os editais de concursos públicos deverão conter:
I - o número de vagas existentes, bem como o total correspondente à reserva destinada à pessoa portadora de deficiência;
II - as atribuições e tarefas essenciais dos cargos;
III - previsão de adaptação das provas, do curso de formação e do estágio probatório, conforme a deficiência do candidato; e
IV - exigência de apresentação, pelo candidato portador de deficiência, no ato da inscrição, de laudo médico atestando a espécie e o grau ou nível da deficiência, com expressa referência ao código correspondente da Classificação Internacional de Doença - CID, bem como a provável causa da deficiência.
Art. 40. É vedado à autoridade competente obstar a inscrição de pessoa portadora de deficiência em concurso público para ingresso em carreira da Administração Pública Federal direta e indireta.

Todo esse instrumental jurídico, por mais incrível que possa parecer, não foi suficiente nem capaz de sensibilizar o Poder Judiciário.

O reconhecido jurista Hugo Nigro Mazzilli registra algumas resistências ao reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência no artigo intitulado “A pessoa portadora de deficiência e o mercado de trabalho”. Vejam as peculiares situações por ele relatadas:
"Um acórdão do STF afirmou inexistir discriminação quando se eliminou do concurso um candidato com cegueira bilateral, porque isso geraria impossibilidade de desempenho pleno da função de juiz federal (RE 100.001-DF, j. 29/3/84). O acórdão por certo não seria proferido se os juízes tivessem considerado que é muito diferente a situação de quem conseguiu tornar-se habilitado para exercer os ofícios do Direito já quando portador da deficiência, e a daquele que, tendo visão normal, supervenientemente, se torna cego bilateral. Enquanto este último será aposentado por invalidez, já o primeiro fez seu curso jurídico iluminado apenas pela luz interna de sua força e sua vontade, que, não raro, é a bastante para ver muito além dos limites estreitos de quem não lhe reconhece aptidão para levar vida operosa e produtiva na sociedade.”Conheço Promotor de Justiça, no Estado de São Paulo, que, por falta de ambos os membros superiores, longe de inválido, exerce com zelo as atribuições de seu cargo; conheço Procurador do Trabalho com cegueira bilateral, que, apesar de discriminado em anterior concurso de ingresso à Magistratura, não só entrou no Ministério Público sem dever favor algum aos demais candidatos, como ainda, mercê de sua maturidade e cultura jurídica invulgares, tornou-se líder entre seus próprios colegas de visão normal…Como ele exerce suas funções se não enxerga? Da mesma maneira que um juiz, que tem dois olhos sadios, que, para ler e entender algo em língua estrangeira, deve valer-se de um intérprete, tradutor ou ledor - ou seja, um intermediário, compromissado e autorizado a tanto.” (Disponível em Entreamigos).

Na mesma linha, Nilson de Oliveira Nascimento, advogado trabalhista e professor da Faculdade de Direito Mackenzie e CPC Marcato, no artigo “A proteção ao trabalho das pessoas portadores de deficiência” publicado no
ParanáOnline, apresenta a seguinte conclusão:

“O estudo do assunto nos remete à conclusão de que o grande problema enfrentado pelos deficientes não é a falta de leis. Os dispositivos que regulam a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência são notáveis instrumentos de proteção legislativa. O grande problema é o da eficácia das leis existentes, pois a positividade de uma norma infelizmente nem sempre está relacionada com sua eficácia.
É preciso romper com esse triste paradigma de preconceito e discriminação que infelizmente ainda assola nossa cultura e irradia exclusão social, para o fim de ser implantadas políticas firmes e decididas, fazendo valer as normas que garantem o acesso ao trabalho das pessoas portadoras de deficiência para que sejam concebidas como cidadãos plenos no que diz respeito à dignidade de respeito dos seus direitos.”

Não perguntem ao blog, por favor, porque somente agora, 20 anos após a Constituição e dezenove anos depois do decreto presidencial essa questão vai ser regulamentada no poder judiciário brasileiro. Façam essa indagação aos egrégios integrantes de seus respectivos e respeitáveis sodalícios.

O que se pode dizer apenas é que o órgão judicial, que deveria ser o primeiro a implementar a lei de proteção à pessoa portadora de deficiência, é um dos últimos, senão o último, a fazê-lo.

E o pior, faz isso, não por iniciativa própria, mas por provocação do órgão do Ministério Público.

Viva o Brasil! Ou, como diz João Ubaldo Ribeiro, Viva o povo brasileiro!

Nenhum comentário: