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01 outubro 2008

ASSÉDIO PROCESSUAL

Ao tomar conhecimento do tema, a primeira coisa que me veio à mente é que haviam alterado o Código de Processo Civil e não me avisaram. Depois, vi que nem me avisaram nem mudaram o CPC. Então, pensei, deve ser algo originário da justiça trabalhista. Pesquisando a respeito, não deu outra.

Com efeito, parece que a primeira decisão provém da justiça trabalhista de primeira instância de São Paulo, tratada em trabalho publicado sob o mesmo título deste post, pelo advogado João Batista Chiachio no jus navegandi em 08/2005, cujo início reproduz a seguinte passagem da sentença, que teria sido publicada em 15/07/2005:
"Praticou a ré 'assédio processual', uma das muitas classes em que se pode dividir o assédio moral. Denomino assédio processual a procrastinação por uma das partes no andamento de processo, em qualquer uma de suas fases, negando-se a cumprir decisões judiciais, amparando-se ou não em norma processual, para interpor recursos, agravos, embargos, requerimentos de provas, petições despropositadas, procedendo de modo temerário e provocando incidentes manifestamente infundados, tudo objetivando obstaculizar a entrega da prestação jurisdicional à parte contrária." (Mylene Pereira Ramos, Juíza Federal, da 63ª Vara do Trabalho, da Seção Judiciária da Comarca de São Paulo, in processo nº 02784200406302004).
A revista jurídica Última instância publicou recentemente (20/09) que o TRT do Paraná confirmou uma sentença que havia imposto condenação por assédio processual, nos seguintes termos:

O TRT (Tribunal Regional do Trabalho) da 9ª Região (Paraná) acolheu uma decisão de primeira instância que condenou uma empresa por ter cometido o que foi chamado de “assédio processual”. A 1ª Turma confirmou a sentença proferida pelo juiz Mauro Vasni Paroski, que condenou empresa ao pagamento de R$ 5.000.

Segundo informações do tribunal, a decisão considerou que o assédio configurou-se no ato de interpor sucessivos recursos sem fundamentos coerentes, apenas visando a atrasar o cumprimento de decisão judicial e causando prejuízo à parte contrária. (Sublinhei).
A sentença lavrada pelo juiz está lastreada na seguinte fundamentação:

“O verdadeiro propósito do litigante é dissimulado, pois, sob aparência de exercício regular das faculdades processuais, deseja um resultado ilícito ou reprovável, moral e eticamente, procrastinando a tramitação do feito e causando prejuízos à parte contrária, a quem se destina a tutela jurisdicional, além de colaborar para a morosidade processual, aumentando a carga de trabalho dos órgãos judiciários e consumindo recursos públicos com a prática de atos processuais que, sabidamente, jamais produzirão os efeitos (supostamente lícitos) desejados pelo litigante assediador". (Sublinhei).

Semana passada saiu a primeira confirmação do assédio processual por um tribunal de justiça estadual. Trata-se do Tribunal de Justiça do Mato Grosso que, por intermédio de sua Sexta Câmara Cível manteve decisão de primeira instância que determinou a uma das partes a pagar indenização por assédio processual à outra parte. O argumento é que a parte abusou do direito de defesa ao interpor repetidas vezes medidas processuais destituídas de fundamento, com o objetivo de tornar a marcha processual mais morosa, causando prejuízo moral à outra parte que não consegue ter adimplido seu direito constitucional de receber a tutela jurisdicional de forma célere e precisa. A decisão reduziu o valor da indenização de R$ 55.410,90 para R$ 50 mil. (Ap.Cível nº 89150/2007).
No Juízo da Comarca de Lucas do Rio Verde (354 km ao norte de Cuiabá) os recorrentes foram condenados, solidariamente, ao pagamento da importância de R$ 55.410,90 a título de indenização por danos morais decorrentes de assédio processual e R$ 10 mil a título de honorários advocatícios por terem se utilizado de meios de defesa dispostos pela legislação processual, com intuito meramente protelatório, ocasionando a procrastinação do Processo de Execução nº 508/2004, fazendo surgir o dever de indenizar. (Grifei).
Fonte: TJMT.

A fixação do valor da condenação em danos morais é sempre uma coisa imprevisível no direito brasileiro, pois os parâmetros são absolutamente subjetivos e se correta a informação de que a redução foi de 5 mil é algo para mim, reles mortal, de difícil compreensão, dada a sua insignificância monetária no contexto examinado. Nesse caso, no meu modo de ver, era melhor manter a integridade da sentença. Os recorrentes tiveram uma vitória de Pilro, mas, de qualquer forma, reduziram a indenização. Então, qual foi o assédio?

Ademais, por utilizar-se de recursos processuais previstos em lei não pode a parte data vênia ser acusada de haver produzido dano moral, sob pena de se instaurar o caos processual. E uma incoerência total: os recursos existem, mas não podem ser utilizados. Se se cuida de abuso de direito de defesa, também o CPC abriga tal hipótese. Enfim.

Na pesquisa realizada, encontrei dois livros em lançamento, que tratam do assédio processual na LACIER Livraria Jurídica On Line, de Campinas, SP. São eles: “O processo como Instrumento de Realização dos Direitos Fundamentais”.1ª. ed. 2007). ANPT (Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho) e “Dano Moral – Múltiplos Aspectos nas Relações de Trabalho”, de Irani Ferrari, 3ª. ed. 2008, ambos da editora LTR, abordando o Assédio Processual como a grande novidade jurisprudencial distinto da litigância de má-fé e do atentado à dignidade da justiça, dada a utilização do processo para causar dano moral a uma das partes.

No site da OAB/Maranhão consta um curso de pós graduação em direito processual do trabalho, com o seguinte módulo:

MODULO IX – Tópicos Emergentes do Direito Processual Brasileiro
CARGA HORÁRIA – 30h
EMENTA
Assédio Processual, ato atentatório à dignidade da Justiça e litigância de má-fé no processo do trabalho. Dano e assédio: moral e sexual. Assédio moral. Configuração e repercussão no mundo do trabalho. Assédio sexual e assédio moral. A responsabilidade do empregador. A responsabilidade solidária do agente causador do dano.

Não sei se se trata de fato de inovação ou invencionice.

Ora, a lei processual civil prevê, nos artigos 14 a 18, os deveres, a ponderação da linguagem, as responsabilidades por dano processual e as respectivas sanções.

Se não são insuficientes ou inadequadas para os fins a que se destinam, então que se exasperem as punições já previstas em lei. Os atuais percentuais de 1% a 5% são ridículos, não tenho dúvida. Majorem, então, pela via legal, qual seja, a legislativa.

De outra ponta, considero máxima vênia estranha e impertinente a expressão “assédio processual”.

Segundo o Dicionário Eletrônico do Houaiss, assédio é a insistência impertinente, perseguição, sugestão ou pretensão constantes em relação a alguém e assediar é perseguir com propostas; sugerir com insistência; ser importuno (inoportuno?) ao tentar obter algo; molestar.

Para o moderno Dicionário da Língua Portuguesa Michaelis assédio é impertinência, importunação, insistência junto de alguém, para conseguir alguma coisa.

Fica difícil aceitar esse assédio, porquanto qualquer manifestação pode ser considerada impertinente ou inoportuna. Se são utilizados recursos previstos em lei enquanto não suprimidos não podem ser considerados impertinentes ou inoportunos, estes últimos podem, por hipótese, serem tidos por inoportunos apenas em caso intempestividade e, nesses casos, sequer são conhecidos.

Já se tem os assédios moral e sexual e agora inventam o assédio processual. E há, repita-se, previsão para abuso do direito de defesa.

Assédio sexual é um tipo de coerção de caráter sexual praticada por uma pessoa em posição hierárquica superior em relação a um subordinado, normalmente em local de trabalho ou ambiente acadêmico. O assédio sexual caracteriza-se por alguma ameaça, insinuação de ameaça ou hostilidade contra o subordinado, com fundamento em sexismo. (Wickipédia).
Assédio moral é a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções. (Idem).
Bem, se é assim, acariciar ou beijar o processo seria então um assédio processual sexual?
Esbravejar ou espinafrar o processo seria também um assédio moral processual?
Ora, o assédio sexual ou moral derivam de uma hierarquia, de alguém em situação de vantagem ou chefia sobre outrem, seu subordinado.

Um dos princípios que norteiam o processo é o da paridade de armas, que decorre da igualdade assegurada constitucionalmente. Aliás, o inciso I, do art. 125 do CPC, impõe ao juiz o dever de assegurar às partes igualdade de tratamento.

Ensina ANTONIO CARLOS MARCATO que: “O princípio constitucional da igualdade reflete-se no contraditório instaurado perante o juiz. A dialética processual implica assegurar às partes, com a maior amplitude possível, a participação em todas as fases do processo, a fim de que sua atividade possa influir na formação do convencimento do julgador. Daí os princípios da ampla defesa e do contraditório, inerentes ao devido processo legal. Para que se cumpram tais postulados é imprescindível que ambos os sujeitos parciais tenham assegurada absoluta igualdade de tratamento, não apenas formal, mas também real, competindo ao juiz zelar para que tal ocorra. Aliás, eventual tratamento desigual importa violação ao próprio modelo processual constitucional.” (Código de Processo Civil Interpretado.São Paulo:Atlas, 2004, p. 348).

De outra parte, o dano processual está expresso no CPC, especialmente no que toca à litigância de má-fé, cujos elementos estão descritos criteriosamente no art. 17 do CPC, uma vez que é dever das partes proceder com lealdade e boa-fé.

Assim, prevendo a legislação processual as condutas reprováveis, não há que se falar em assédio processual, algo inexistente na legislação.

O manejo dos recursos postos à disposição dos litigantes não pode constituir, salvo melhor juízo, ilícito algum, quer civil, muito menos penal, se utilizados corretamente. Veja-se que em matéria constitucional, penal e tributário o direito de defesa é o mais amplo possível. Seria diferente no processo civil?

Falar nisso, o que dizer dos entes públicos, os que mais utilizam os serviços da justiça, quer como demandantes, quer como demandados, os quais recorrem “ad infinitum” e quando o feito vira coisa julgada, transformam a dívida em precatório, enviando o credor para uma fila interminável, quando não argúem “relativização da coisa julgada” ou ingressam com ação ordinária de constituição do título e medida liminar para suspensão da execução da dívida, obtendo na maioria das vezes, provimento para procrastinar o pagamento???

A coisa vai tomando rumos tortuosos. Já há na Câmara dos Deputados um projeto de lei de 2006 em tramitação, de autoria do deputado Carlos Souza, que pretende criminalizar a litigância de má fé. O referido projeto altera o Código Penal para incluir o art. 359-A, com a seguinte redação:

Art. 359-A. Praticar ou determinar a prática de ato processual que caracterize litigância de má-fé.
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.”
Art. 3.º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

A justificativa é de que “as punições hoje previstas em lei (artigos 16 a 18 do CPC) não têm impedido que as partes ajam para procrastinar os feitos dos quais participam, seja pelo descumprimento de decisões judiciais, seja pela interposição de recursos protelatórios ou pela provocação de incidentes infundados, ou seja, pela prática de atos que podem ser tidos como “assédio processual”.
E, para tal, com o fito de prestigiar o novel direito fundamental (inciso LXXVIII ao art. 5.º da Magna Carta, introduzido pela Emenda Constitucional nº 55/2004, que instituiu a razoável duração do processo) é de se criar outro mecanismo legal que coíba a litigância de má-fé e que assegure a racionalidade e celeridade na tramitação processual.
E o mecanismo é a responsabilização penal do litigante de má-fé, com a imposição de sanção penal àquele que pratique ou determine a prática de ato processual que caracterize litigância de má-fé, ressaltando que a tipificação dessa conduta não excluirá a possibilidade de fixação de multa e indenização no curso do processo e de responsabilização pelas perdas e danos sofridos com a sua prática.

Não fica claro na proposição se o deputado pretende punir o advogado, a parte ou ambos, o que constitui, no meu modo de ver, uma verdadeira ameaça ao exercício profissional da advocacia. Não vejo porque criminalizar isso. Já temos criminalidade demais.
Não sei se há algum risco de tal projeto ser aprovado, mas sua existência já constitui uma temeridade.

Se existem recursos em demasia, por que não se reduzem os recursos?
Não seria mais razoável?
E se é assim, então deve ser estendido a todos os atores do processo.Se levado ao extremo, então que dizer do processos cujos prazos não são cumpridos pelo Ministério Público. E os que ficam anos e anos desafiando as decisões dos juízes de todas as instâncias. Semana passada o STF incluiu na pauta o julgamento de mérito de um Mandado de Segurança que está tramitando desde 1996.
Não ficariam promotores e juízes também sujeitos às mesmas sanções?

Devagar com o andor, gente, que o santo é de barro!

Klod

2 comentários:

Anônimo disse...

A título do nobre propósito de emprestar celeridade e efetidade ao processo, capiteneados pelo Exmª Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, os nomes mais ilustres da magistratura nacional, de alguns do MP e, salvo engano, um único advogado, deflagrou-se o processo de mini-reformas processuais e, em seguida, de direito material. O que se observa, logo de início, é a supressão das prerrogativas dos advogados e o agigantamento do poder do Estado em sua função jurisdicional. Só para este ano estão prometidas 12 reformas...

O curioso é que os reformistas ignoram a regra-matriz e legislam contra garantias pétreas e começaram por relativizar a imprescindibilidade do advogado na admiistração da justiça.

A despeito da garantia constitucional ao acesso a justiça e ao devido processo legal, assegurados TODOS OS MEIOS E RECURSOS inerentes à defesa do interessado, criaram figuras teratológicas como multa por recursos "protelatórios"; "abuso de direito"; multa por embargos declaratórios; "sentenças vinculantes"; e até "sentença meritória sem citação do réu"(art. 285-ACPC); dentre outras pérolas...

Não bastasse a iniciativa oficial de assassinar com requintes de crueldade a dialeticidade processual; sua função social; os tribunais não perderam tempo e, oiciosamente, criam, cotidianamente, regras e mais regras restritivas de direitos daqueles a quem deveriam servir.

Daí não me surpreender com a criação da figura inusitada do "assédio processual", assim como, não me surpreenderei se extiguirem a figura do advogado como ator na relação jurídico-procesual, reduzidos que fomos a office-boys graduados.

O olimpo vem sendo cuidadosamente erigido e o que me envergonha é que a OAB envergonha a sua história com tamanho silência e covardia.

Esperemos pelo fim da crise judiciária que será alcançado por meio dos ordálios solitários,solipsistas e persnalistas que nossos deuses e semi-deuses togados proferirão, longe da incômoda presença de advogados.

A minha indignação quanto as açodadas mini-reformas e odiosas supressões a direitos e garantias fundamentais já manifestei em algumas oportunidades em diferentes mídias.

Hoje, quero registrar o meu repúdio a OAB que envergonha o seu importante papel na consolidação da democracia nesse país, deixando aqueles a quem deveria proteger e representar entregues a própria sorte.

Tivéssemos a frente da OAB, advogados de envergadura moral e intelectual como tivemos no passado, seguramente esse atentado perpetrado contra o Estado Democrático de Direito não teria passado do rascunho e, sendo assim, não seríamos obrigados a engolir "coisas" como "assédio processual".

Enfim, assistamos aos estertores da processualidade democrático e lamentemos a morte dessa instituição que, juntamente com a ABI, um dia foi sinônimo de segurança jurídica e de solidez institucional.

Pêsames!

Anônimo disse...

Ufa, seu comentário agrega valor ao post. obrigado.
Klod