Translate

29 setembro 2010

UM RÁPIDO OLHAR CONSTITUCIONAL SOBRE O PROJETO DO NOVO CPC


Gerivaldo Alves Neiva
Juiz de Direito



Meu conhecimento em processo civil não passa do "senso comum teórico dos juristas" (Warat) e, por isso mesmo, não me atrevo a grandes comentários e análises gerais sobre o projeto do novo CPC. De outro lado, sendo mais curioso e já tendo realizado algumas pesquisas e cursos acadêmicos na área do Direito Constitucional, meus olhos não resistiram à tentação de buscar referências à Constituição e seus princípios no projeto elaborado pela Comissão presidida pelo eminente Ministro Luiz Fux.

A adequação do novo CPC à Constituição, aliás, é o tema do primeiro parágrafo da Exposição de Motivos: "Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito."

Adiante, ao fazer referência aos objetivos da Comissão, a Exposição de Motivos deixa novamente evidente a necessidade de "sintonizar" o CPC com a Constituição: "... poder-se-ia dizer que os trabalhos da Comissão se orientaram precipuamente por cinco objetivos: 1) estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal..."

No texto, os olhos do constitucionalista buscam, quase automaticamente, na análise de qualquer lei geral (Código, Estatuto etc), o capítulo que trata dos princípios. O projeto, acertadamente, aborda este assunto no Primeiro Capítulo e o artigo 1º é de encher os olhos: "O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código." Assim, para o novo CPC, a fonte primordial de sua interpretação é a Constituição. Como se vê, portanto, no momento da interpretação, nada de lei, de costumes, de analogia, de Súmulas e jurisprudência dos Tribunais.

Quanto à sua aplicação, o artigo 6° também enche os olhos do constitucionalista: "Ao aplicar a lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, observando sempre os princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência".

A primeira parte desse artigo, como se sabe, foi tomada emprestada da Lei de Introdução do Código Civil (art. 5º), que na verdade é o Decreto-Lei 4.657/42, mas a parte final do artigo remete o aplicador da lei, mais uma vez, à observação dos princípios, colocando a dignidade da pessoa humana em primeiro lugar e um princípio não explícito na Constituição – a razoabilidade – logo em seguida.

O artigo 7º assegura a presença do princípio da igualdade formal e isonomia entre as partes, impondo ao Juiz, ainda, a aplicação do princípio do contraditório em caso de hipossuficiência técnica: "É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz velar pelo efetivo contraditório em casos de hipossuficiência técnica".

Saindo do capítulo principiológico e adentrando ao capítulo dos poderes, deveres e responsabilidades do Juiz, o artigo 108 mais uma vez erige o princípio constitucional como fonte primeira de interpretação, devendo recorrer às demais fontes apenas em caso de lacuna ou obscuridade: "O juiz não se exime de decidir alegando lacuna ou obscuridade da lei, cabendo-lhe, no julgamento da lide, aplicar os princípios constitucionais e as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito".

Mesmo no capítulo que trata das Provas, resolvendo a discussão acerca da prova obtida por meio ilícito, o projeto não descuidou de apontar a ponderação dos princípios e dos direitos fundamentais envolvidos na causa: "A inadmissibilidade das provas obtidas por meio ilícito será apreciada pelo juiz à luz da ponderação dos princípios e dos direitos fundamentais envolvidos". (art. 257, parágrafo único).

Com relação à sentença, é importante destacar que o projeto admite expressamente que o juiz pode fundamentar a sentença em "cláusulas gerais ou princípios jurídicos", devendo ponderar os valores e princípios colidentes: "Fundamentando-se a sentença em regras que contiverem conceitos juridicamente indeterminados, cláusulas gerais ou princípios jurídicos, o juiz deve expor, analiticamente, o sentido em que as normas foram compreendidas, demonstrando as razões pelas quais, ponderando os valores em questão e à luz das peculiaridades do caso concreto, não aplicou princípios colidentes". (Art. 472, parágrafo único).

Sei que alguém está pronto para me alertar que o projeto também valorizou sobremaneira a jurisprudência do STF e Tribunais Superiores como norteadores das decisões de todos os demais tribunais e juízes singulares do país. É verdade. Assim está disposto, por exemplo, no artigo 847, IV. E daí? Deixe-se claro, no entanto, que a jurisprudência deve "nortear", ou seja, apontar um rumo, mas a fonte principal da interpretação do processo civil, conforme disposto no artigo 1º, é a Constituição.

Para concluir, quero mais uma vez deixar claro que não tive a intenção de abordar os aspectos essencialmente processuais do projeto, mas ater-me apenas às referências constitucionais. Da mesma forma, não tenho a ilusão de que o problema do acesso à justiça, da morosidade, da burocracia e do formalismo será resolvido apenas com a implantação de um novo Código de Processo Civil, mas ter uma lei processual que estabelece a Constituição como sua fonte principal de interpretação e que permite ao juiz a "operabilidade", conforme defendeu Miguel Reale com relação ao Código Civil de 2002, de decidir com base na ponderação de princípios, talvez já seja um bom sinal da força dos princípios no projeto elaborado pela Comissão presidida pelo eminente Ministro Luiz Fux.

Extraído de Editora Magister/doutrina

Nenhum comentário: