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14 setembro 2010

TUTELA JURISDICIONAL DAS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA-2

Parte 2-Final



José Rogério Cruz e Tucci
Advogado em São Paulo. Ex-Presidente da AASP. Sócio benemérito da AASP. Professor Titular da Faculdade de Direito da USP. Ex-Presidente da Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP. Assessor ad hoc da FAPESP.




4. Aspectos processuais e meios adequados de tutela

Não é preciso salientar que o ordenamento jurídico de nosso país confere aos jurisdicionados inúmeras vertentes processuais em prol da proteção jurisdicional de seus respectivos direitos subjetivos.

Considerada a intempestividade da jurisdição, que lamentavelmente se tornou res cotidiana entre nós, a ciência processual foi inclusive instada a desenvolver técnicas de tutela de urgência visando à minimizar o dano de indução processual, decorrente da excessiva morosidade.

Assim sendo, vale ressaltar, no que ora interessa,que a atual experiência forense dos tribunais pátrios tem demonstrado, de um modo geral, grande sensibilidade no trato das questões jurídicas atinentes aos portadores de deficiência.

No que se refere aos mecanismos de tutela jurisdicional das pessoas deficientes, bem é de ver que a antecipação dos efeitos de futura decisão constitui instrumento de extrema eficácia.

Infere-se de julgado da 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, no Agravo de Instrumento n. 1.0112.06.062388-4/001, a confirmação de ato decisório de primeiro grau, proferido em ação de obrigação de fazer ajuizada, com arrimo, em particular, no art. 8º do Decreto 5.296/04(6), por um deficiente físico contra entidade financeira, na qual pleiteado acesso compatível às dependências de agência bancária.

O tribunal, convencendo-se da coexistência dos pressupostos exigidos pelo art. 273, inc. I, do Código de Processo Civil, manteve o provimento monocrático que deferiu a tutela antecipada, para determinar que a requerida-agravada implementasse as reformas necessárias à adequação do local em que funciona uma de suas agências, mediante a substituição dos degraus por rampa, visando à facilitar o acesso dos portadores de deficiência física; e isso, sob pena de pagar multa diária fixada em R$ 500,00.

Ademais, nessa mesma linha exegética, a ação de mandado de segurança tem sido utilizada com absoluto êxito.

Realmente, buscando coarctar odiosa discriminação, inúmeras seguranças são concedidas, com arrimo no texto constitucional e, também no art. 5º, § 2º, da Lei 8.112/90 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos), que asseguram ao deficiente a destinação de vaga em concurso público para provimento de cargo.(7)

A esse propósito, o 4º Grupo de Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça de Minas Gerais teve oportunidade de julgar procedente o pedido deduzido no Mandado de Segurança n. 301.774-6/00, no qual portadora de deficiência física, classificada em 62º lugar no concurso a que se submeteu para o cargo de Professor Estadual, foi lotada em escola distante do local no qual reside. Em razão de sua condição física,pleiteou vaga existente em outra escola, mais próxima; sendo certo que o pedido foi desconsiderado pelo órgão estadual da educação.

De salientar-se que, nesse julgado, a Corte mineira reputou presente o direito líquido e certo da impetrante deficiente, porque, além dos termos da legislação federal específica, tanto o art. 28 da Constituição do Estado de Minas Gerais, quanto o art. 1º da Lei Estadual 11.867/95,contemplam a reserva de percentual dos cargos e empregos públicos para pessoas dotadas de alguma espécie de deficiência.

Essa mesma orientação sagrou-se vencedora no julgamento do Agravo Regimental na Apelação n. 50.326/98, da 1ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, no qual o voto condutor do Des. Valter Xavier expressou que: “O tratamento diferenciado dispensável ao deficiente físico constitui tema sujeito a interpretação com caráter restrito, sendo lícito considerar como suficiente,para o atendimento do comando constitucional, a reserva de um quantitativo de vagas específico para determinado concurso público, à míngua de legislação no sentido contrário”.

No acórdão proferido no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 20.300-PR, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, após ter asseverado que: “Segundo o Decreto 3.298/99, os concursos públicos devem reservar 5% das vagas aos portadores de necessidades especiais”, determinou que:“Nos termos do art. 42 do mesmo decreto, a Administração, ao promover a classificação dos portadores de necessidades especiais, deve-a realizar segundo a classificação geral e,depois, segundo a classificação apenas dos portadores de deficiência”.

Enfocando igualmente temática jurídica respeitante aos deficientes, importante interpretação jurisprudencial da 3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, na Apelação 98.012183-3, decidiu que: “A penhora de veículo de devedor deficiente físico, especificamente adaptado para sua locomoção, afronta a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos sobre o qual a ordem constitucional vigente se alicerça, na medida em que lhe retira os mínimos recursos materiais de que dispõe para, como qualquer cidadão, exercer,de modo satisfatório, não só sua atividade econômica, mas, outrossim, garantir sua independência em relação aos que consigo convivem. Tal ofensa se intensifica ainda mais quando o veículo do devedor, diga-se de passagem, antigo e de reduzido valor de mercado, se mostra insuficiente para garantir a pretensão do credor, havendo em nome daquele,ademais, bens muito mais habilitados à satisfação do crédito e que importam em menos gravame ao devedor”.

Nesse particular, observa-se claramente que o direito fundamental da dignidade humana, de matiz constitucional,sobrepõe-se aos bens passíveis de penhora, não excluídos pela legislação processual (art. 649 CPC).

Por fim, dúvida não há – e nem poderia haver – de que os portadores de deficiência infelizmente estão sujeitos a ofensas íntimas e humilhações, que ensejam ressarcimento de cunho indenizatório.

Em recente pronunciamento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Agravo de Instrumento n. 848.439-SP, prestigiou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que impôs condenação, a título de dano moral, ao ofensor que agrediu a honra de deficiente físico.

Lê-se, com efeito, na respectiva ementa: “Ação de indenização por danos morais. Autor deficiente físico impedido de entrar no banco com muletas por terem elas causado o travamento da porta detectora de metais, sendo-lhe sugerido, pelos funcionários do banco, que se arrastasse até o caixa. Dano moral caracterizado. Fixação em 100 salários mínimos que atende aos parâmetros da jurisprudência de não enriquecer nem empobrecer os envolvidos, e com força suficiente para reprimir ofensas futuras. A sucumbência leva em conta não o montante, mas a existência ou não do dano moral”.

5. Aspectos conclusivos

No Brasil existem cerca de 24 milhões de pessoas com alguma espécie de deficiência, o que representa 14% da população. No âmbito de uma sociedade justa, democrática e solidária, o ideal seria que fossem cumpridas, mediante ações afirmativas, as regras de direito material instituídas em favor dos deficientes...

Não obstante, como essa utópica esperança não se efetiva de forma generalizada, verifica-se que, com o passar do tempo, as pessoas portadoras de deficiência, cada vez mais cientes de seus direitos subjetivos, afluem ao Poder Judiciário em busca de proteção jurídica.

Felizmente, como procurei frisar, os tribunais brasileiros, mostrando sensibilidade a tal relevante matéria, têm, na medida do possível, atendido aos anseios das pessoas portadoras de deficiência.

Notas do Autor:

6. Esse dispositivo legal encerra o conceito de “acessibilidade” para deficientes.
7. V., a respeito, Eliana Franco Neme, Dignidade, igualdade e vagas reservadas, Defesa dos direitos das pessoas portadoras de deficiência, obra coletiva coord. por Luiz Alberto David Araújo, São Paulo, Ed. RT, 2006, p. 105 ss.; Maria Magdala Sette de Barros, Portadores de deficiência e o concurso público, Jus Navigandi, p. 1 ss.

Bibliografia:

BARROS, Maria Magdala Sette de. Portadores de deficiência e o concurso público, Jus Navigandi, 2006.
MAZZILLI, Hugo Nigro. O Ministério Público e a pessoa portadora de deficiência, Revista de direitos difusos, v. 4.
NEME, Eliana Franco. Dignidade, igualdade e vagas reservadas, Defesa dos direitos das pessoas portadoras de deficiência, obra coletiva coord. por Luiz Alberto David Araújo, São Paulo, Ed. RT,2006.
RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, São Paulo, Saraiva, 2002.
STEINER, Sylvia Helena F. A proteção internacional das pessoas portadoras de deficiência, Defesa dos direitos das pessoas portadoras de deficiência, obra coletiva coord. por Luiz Alberto David Araújo, São Paulo, Ed. RT, 2006.

Extraído da Revista Eletrônica do Conselho Federal da OAB, Nov/dez/2009, no. 08

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