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20 setembro 2010

PRINCÍPIO DA LEALDADE PROCESSUAL E A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ



Kathia Mattos
Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES em 1985. Pós-graduada com especialização em Direito Público pela Faculdade Metodista do Espírito Santo.

O direito nasceu para trazer a paz social, mas tornou-se um instrumento tão complicado, tão complexo e tão erudito que o homem comum, que é o seu destinatário final, o vê como um ritual secreto, exercido por sacerdotes togados, a falar um idioma incompreensível e rebuscado e que ficam felizes diante de uma causa complexa, por suas implicações acadêmicas, mesmo que para isso o foco humano necessariamente precise ser desprezado.

O incomum torna-se tão atraente que, não raro, questões singelas tornam-se complexas pela sobreposição de teorias e mais teorias que desprezam a física constatação de que a menor distância entre dois pontos é a linha.

O direito está em crise, porque a ética e a moral também estão.

O Judiciário, como instituição, está em crise porque o próprio Estado também está.

O "vá procurar os seus direitos" tornou-se lugar comum. Perdeu-se a vergonha de se ver reconhecido pelo Judiciário o abuso no pedir ou no resistir, como se fizesse parte de um jogo e como se não estivesse em discussão a própria postura ética das partes. O processo tornou-se um jogo de astúcias, em que o ganhador sentir-se-á mais vitorioso quanto menos razão possuía ao início.

Todos os sujeitos do processo devem manter uma conduta ética adequada, de acordo com os deveres de verdade, moralidade e probidade em todas as fases do procedimento.

Todo o comportamento das pessoas em sociedade deve nortear-se pela boa-fé. Logo, com o processo, não poderia ser diferente.

O processo não é uma arena de duelo, mas um local onde os sujeitos buscam a verdade com respeito e cooperação.

Estamos diante de um princípio de índole indiscutivelmente ética, que, sob o olhar atento do interesse público, é um prolongamento da ética que deve nortear a vida em relação.

O processo não é um jogo de esperteza, mas o instrumento ético da jurisdição para a efetivação dos direitos de cidadania.

Ninguém cria, em sua má-fé, um instrumento processual, e sim abusa de um instrumento existente.

Criou-se um círculo vicioso. As obrigações não são cumpridas porque a prestação jurisdicional tarda; a prestação jurisdicional é tardia porque o volume de processos é desproporcional à capacidade de julgar, volume ocasionado pelos que contam com a morosidade do Judiciário e deixam, por causa dela, de cumprir, voluntariamente, com suas obrigações.

É preciso tornar vantajoso tanto o cumprimento imediato das obrigações quanto a solução rápida dos litígios, ampliando-se a oneração decorrente da demora causada pelo réu ou o abuso do direito de petição pelo autor.

O resistir à pretensão deve se tornar desvantajoso e, para isso, o caminho mais curto é a outorga de uma interpretação menos conservadora aos dispositivos legais que tratam da litigância de má-fé

As manifestações de má-fé, a litigância sem freios e sem obediência aos preceitos da probidade e o abuso do direito de demandas vem preocupando as autoridades e o legislador.

Cabe lembrar que em outros países a litigância de má-fé é tratada com extremo rigor, como convém a manutenção das instituições e sua credibilidade.

Não obstante, o problema persiste e a morosidade nos julgamentos se acentua, sendo certo que uma das razões pelas quais esse fenômeno ocorre é o comportamento das partes em juízo, atuando com má-fé e buscando, deliberadamente, procrastinar o feito.

Temos que evitar que a vitória venha através de malícia, fraudes, espertezas, dolo, improbidade, mentiras ou desonestidades.

De nada adianta termos um arsenal legislativo eficiente nesse aspecto, se ele não for aplicado e colocado em prática.

È certo que o Código de Processo Civil, contém inúmeros mecanismos visando coibir essa prática, certo de que a má-fé tem várias e imprevisíveis modalidades para manifestar-se.

Para reprimir a má-fé, o Código elaborou um sistema minucioso de sanções que abrange todas as violações de caráter moral, atingindo todos que atuem no processo e durante todas as fases do procedimento, por ação ou omissão.

Considerando que a probidade tem em vista proteger a busca da verdade, atinge não só as partes, mas também advogados, juízes, agentes do MP e serventuários.

A boa-fé, em resumo, deve nortear o comportamento de todos.

Quanto á repressão á malícia processual no que diz respeito as partes e seus procuradores, o sistema processual busca evitar a má-fé de forma ampla e a conseqüente responsabilização por dano processual.

Compete as partes e aos seus procuradores, nos termos do artigo 14 e seus incisos do CPC, expor os fatos em juízo conforme a verdade, proceder com lealdade e boa-fé, não formular pretensões nem alegar defesa ciente que são destituídas de fundamento .

A afronta a qualquer desses deveres autoriza o juiz a averbar a parte como litigante de má-fé (art.17), devendo o infrator pagar perdas e danos (art.16) indenização de prejuízo mais honorários e despesas ( art.18)

Contudo há uma forte timidez dos julgadores em reconhecer a atuação de má-fé e aplicar esse instrumento legal inibidor.

No Processo Civil deve ser rompido o conservadorismo que permite toda espécie de chicana, em nome da ampla defesa. A amplitude da defesa está balizada pelo interesse público na solução da lide e pela probidade processual.

Urge que o Juiz seja rigoroso na punição do improbus litigator.

Extraído do site da autora (kathiamattos.com.br)

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