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22 setembro 2010

ABRANGÊNCIA DA EXPRESSÃO “ENTIDADE FAMILIAR” NA IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA



Aurélio Rezende Silveira
Advogado. Pós Graduado em Direito Público e Direito Tributário



O instituto “bem de família” surgiu em 1.839, em meados do século XIX, através de uma crise política e econômica ocorrida no Estado do Texas, quando se editou uma lei dando origem à figura do “homestead act” (local do lar).

O Código Civil brasileiro de 1.916 incorporou o bem de família, que o regulava a partir do artigo 70.

Em nosso sistema atual o bem de família é regido por dois diplomas: o Código Civil de 2002 a partir do artigo 1.711 e pela lei 8.009/90.

O Código Civil de 2002 institui o bem de família voluntário, é aquele que por ato de terceiro, do casal ou entidade familiar poderá ser constituído de forma voluntária através de registro público.

A lei 8.009 refere-se ao instituto do bem de família legal, onde a lei consagrou a impenhorabilidade do bem de família independentemente de seu registro em cartório.

O bem de família consiste em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e mais, poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.

O artigo 1º da L. 8.009 em seu teor define que imóvel residencial do próprio casal ou da entidade familiar é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta Lei, in verbis:

“Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.”

Resta-nos saber, como interpretar a amplitude da expressão “entidade familiar”. Será que podemos aplicar uma extensão a essa norma, tendo em vista que o texto da lei é expresso na impenhorabilidade do imóvel do próprio do casal ou entidade familiar.

Está pacificado que a impenhorabilidade do bem de família se estende não só a pessoas casadas, mas a própria entidade familiar conforme o teor do artigo 1º da lei 8.009 e artigo 226, §4º da Constituição Federal.

Família não é apenas uma instituição social de pessoas que se agrupam normalmente por laços de casamento, união estável ou descendência. Nesse contexto, devemos incluir os ascendentes, seja de parentesco civil ou natural.

Conservando os fins que buscamos da norma, o solteiro deve receber o mesmo tratamento, não excluindo o celibatário, que também é digno dessa proteção. E mais, o viúvo, ainda que seus descendentes tenham constituído outras famílias.

Neste sentido, é o entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

“PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO. PENHORA. BEM DE FAMÍLIA. SEPARAÇÃO DO CASAL POSTERIOR. PENHORA INCIDENTE SOBRE IMÓVEL QUE O EX-MARIDO VEIO A RESIDIR. EXCLUSÃO. MÁ-FÉ NÃO DEMONSTRADA. RECURSO IMPROVIDO.

1. A impenhorabilidade do bem de família, prevista no art. 1º, da Lei n.º 8.009/90, visa resguardar não somente o casal, mas a própria entidade familiar.
2. A entidade familiar, deduzido dos arts. 1º da Lei 8.009/90 e 226, § 4º da CF/88, agasalha, segundo a aplicação da interpretação teleológica, a pessoa que, como na hipótese, é separada e vive sozinha, devendo o manto da impenhorabilidade, dessarte, proteger os bens móveis guarnecedores de sua residência. Precedente: (REsp 205170/SP, DJ 07.02.2000).
3. Com efeito, no caso de separação dos cônjuges, a entidade familiar, para efeitos de impenhorabilidade de bem, não se extingue, ao revés, surge uma duplicidade da entidade, composta pelos ex-cônjuges varão e virago.
4. Deveras, ainda que já tenha sido beneficiado o devedor, com a exclusão da penhora sobre bem que acabou por incorporar ao patrimônio do ex-cônjuge, não lhe retira o direito de invocar a proteção legal quando um novo lar é constituído.
5. A circunstância de bem de família tem demonstração juris tantum , competindo ao credor a prova em contrário.
6. Conforme restou firmado pelo Tribunal a quo, a Fazenda exeqüente não fez qualquer prova em sentido contrário passível de ensejar a configuração de fraude, conclusões essas insindicáveis nesta via especial ante o óbice da súmula 07/STJ.
7. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.
8. Recurso especial improvido. REsp. Nº 859.937 - SP”

Nessa esteira, o Superior Tribunal de Justiça deixou assentado através da súmula 364, confira:

“O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.”

O conceito de impenhorabilidade do imóvel da entidade familiar comunica a proteção de um direto fundamental da pessoa humana, qual seja o direito a moradia. Destarte que, como podemos estender essa proteção ao indivíduo que vive em grupo e abandonar a pessoa que sofre dos mais dolorosos dos sentimentos, a solidão.

Convém destacar, que apesar de abranger solteiros, viúvas, divorciados e separados judicialmente, quando se tratar de um casal que possua dois imóveis, e a separação for apenas de fato, a situação é diferente, tendo em vista que não houve homologação judicial. A separação de fato não acaba com a sociedade conjugal, já que ela somente se dissolve com a morte, com a decretação da nulidade, com o divórcio ou com a separação judicial.

Nesse sentido, a impenhorabilidade do bem de família visa resguardar não somente o casal, mas a própria entidade familiar que engloba as pessoas solteiras, separadas e viúvas.

Bibliografia:

1) DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, direito de família, 10ª ed. São Paulo, Saraiva, v. 5.
2) Site: www.stj.jus.br
3) AZEVEDO, Álvaro Villaça. Bem de Família: Com Comentários à Lei 8.009/90. 5 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
4) CREDIE, Ricardo Arcoverde. Bem de Família: Teoria e Prática. São Paulo: Malheiros Editores, 2000.

Extraído do site Luiz Flávio Gomes (lfg.com.br)

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