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09 setembro 2010

NOTAS SOBRE ALGUNS FATORES EXTRAJURÍDICOS NO JULGAMENTO COLEGIADO-2

Parte 2/3


José Carlos Barbosa Moreira

Desembargador (aposentado) do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

3. O tempo do julgamento




a) O dia e a hora



Neste tópico, entram em linha de conta, antes de mais nada, o dia e a hora da sessão. Quanto ao primeiro aspecto, não é despropositado recordar a distinção, que na Roma antiga se fazia, entre os dias fastos e os nefastos: em certos dias, conquanto não haja impedimento oficial à realização de sessões nos tribunais, manda a prudência que não se conte com resultados muito animadores... A sexta-feira (principalmente à tarde) constitui o exemplo clássico, se assim nos podemos expressar (9). Em regra, a maioria dos juízes estão cansados, ansiosos pelo fim de semana (a bem da verdade, nem sempre aproveitável para repouso ou lazer por quem sobreponha - como é dever do juiz consciencioso - ao seu interesse pessoal o do serviço) e, por conseguinte, menos propensos que noutras ocasiões à tranqüilidade e à concentração. Aumenta de modo considerável a probabilidade de votos pouco meditados.

Recorre-se com maior freqüência, de ordinário, à saída cômoda do puro e simples “de acordo com o relator”. A suscitação de preliminares ou de questões de ordem e o próprio exercício, pelo(s) advogado(s), do direito de sustentar oralmente suas razões costuma provocar reações mal disfarçadas de impaciência, quando não de irritação. A pressa de chegar ao termo da jornada pode impor aos julgamentos ritmo por demais célere, quiçá tumultuá-los, com conseqüências que facilmente se adivinham.

A hora de determinado julgamento depende da que se marca para a abertura da sessão e, em princípio, da posição que o feito ocupa na pauta, a abstrair-se das inversões da respectiva ordem e de outras circunstâncias eventuais - como a ausência momentânea de qualquer juiz (como o relator) que obrigatoriamente haja de votar. Entre nós, os tribunais costumam realizar suas sessões ordinárias de tarde, a partir das 13 ou das 14 horas. Não é horário isento de inconvenientes. Na maior parte do País e do ano, instaura-se a sessão sob condições desfavoráveis de temperatura: o início da tarde é o pique do calor. Nem sempre se conta com o antídoto da refrigeração do recinto: ainda onde exista a aparelhagem, não é incomum que se revele insuficiente, ou funcione mal (tanto para menos, diga-se de passagem, quanto para mais, com o perigo de converter a sala em frigorífico). Não se pode razoavelmente esperar atenção muito constante – nem, pois, voto muito judicioso – de quem esteja sentindo a pele a inundar-se de suor (ou, no caso oposto, o queixo a bater de frio). Mesmo, porém, que se resolva ou se atenue esse problema, sempre subsistirá o fato de que as horas imediatamente posteriores ao almoço não são as mais propícias à concentração: quase todos se tornam, nelas, especialmente vulneráveis ao sono...

Existem razões para crer que o órgão colegiado atinge o máximo de aptidão para julgar bem no período médio da sessão. Depois, à proporção que o tempo passa, a fadiga vai cobrando tributo cada vez mais pesado. Há juízes que resistem com galhardia a cinco, seis, sete horas ou mais de julgamentos contínuos; de modo geral, porém, a dose é excessiva, com o consectário inevitável de declinarem a capacidade de apreensão e a agilidade de raciocínio, quando não – e, ao menos para o relator, o ponto é capital – a facilidade de expressão e as próprias forças vocais. Por outro lado, é duvidoso que se melhore o rendimento do trabalho suspendendo-se a sessão a certa altura: os minutos da pausa – que fatalmente tende a prolongar-se mais do que o previsto -, além de aumentarem a duração global da sessão, às vezes fazem arrefecer de maneira sensível o ânimo dos juízes, à semelhança do que costuma suceder a quem pára durante a corrida para dois dedos de prosa com um amigo, e depois acha difícil voltar à velocidade anterior.



b) Outros aspectos



Em qualquer sessão de órgão colegiado, o comum é que se realize uma pluralidade de julgamentos. Daí a

existência da pauta, onde se indicam, ordenadamente, os processos a cujo respeito se pretende decidir naquela sessão. A ordem estabelecida na pauta deve, em princípio, ser observada, embora, como já se notou, admita inversões. Que a posição do feito na pauta influa no teor da decisão é possível por mais de um aspecto. Fez-se referência a um deles no item precedente: estar o processo colocado no início, no meio ou no fim da pauta é circunstância que normalmente condiciona a hora do respectivo julgamento, com as conseqüências supramencionadas.

Outro aspecto liga-se à contigüidade na pauta. Há julgamentos que, pela complexidade, pela divisão do

colégio em correntes antagônicas, ou por outros motivos, exigem muito da atenção e da acuidade mental dos juízes.

Ao encerrar-se um desses julgamentos, é provável que pelo menos determinado número dos participantes da sessão sinta necessidade de “relaxar” por alguns minutos.

Se porventura se segue, imediatamente, outro feito também “difícil”, diminui a perspectiva de que esse venha a ser julgado com tanto cuidado quanto o anterior: a propensão natural é para certo rebaixamento do nível de concentração. O fenômeno tende a reproduzir-se, com crescente intensidade, na hipótese de uma sucessão de feitos “difíceis”.

A maior ou menor distância que os separe na pauta assume realce particular no caso de processos vinculados por questões de direito comuns, sobretudo quando importantes e controvertidas. Se os julgamentos se sucedem sem solução de continuidade, alcançará o grau máximo a probabilidade de que se chegue a resultados homogêneos, coerentes do ponto de vista lógico. À medida que aumente o intervalo entre eles, essa probabilidade vai-se tornando menor: esmaece a lembrança do primeiro julgamento, cresce a possibilidade de alterações na composição do colégio judicante (juízes retiram-se do recinto ou nele ingressam) e até a de mudanças de opinião dos próprios votantes.

Cabe aludir, neste contexto, à duração dos julgamentos.

Salvo hipóteses raras, de matérias excepcionalmente relevantes, suscetíveis de manter presa por muito tempo a atenção dos membros do colegiado, o fato de prolongar-se além do normal pode repercutir na qualidade de um julgamento. A partir de determinado momento, os votos já serão ouvidos (e até proferidos), em regra, com certa impaciência, e correlatamente diminuirá a receptividade a argumentos novos, porventura neles contidos, quando não a disposição mesma para suscitá-los.

Importa aqui, de igual sorte, a duração total da própria sessão. Ao propósito, convém recordar que os regimentos internos dos tribunais soem fixar não apenas a hora de abertura, mas também a do encerramento das sessões, ao menos das ordinárias. Ocorre, no entanto, que nem sempre se comportam dentro dos limites estabelecidos os trabalhos de julgamento de todos os processos constantes da pauta. Duas atitudes básicas pode adotar o colegiado em tal emergência: ater-se de qualquer modo ao horário regimental ou prorrogar a sessão na medida necessária para desincumbir-se (no todo ou em parte) da tarefa remanescente. A primeira atitude, por sua vez, admite duas variantes, a depender do maior ou menor desagrado com que o órgão encare a possibilidade de não cumprir a pauta inteira - o que terá como normal corolário adiar-se para outra sessão o julgamento dos feitos não apreciados no prazo. Se tal possibilidade é vista com indiferença, não haverá razão para alterar o ritmo comum dos trabalhos; se ela repugna ao colegiado, e este se adverte oportunamente do problema, poderá tentar evitá-la mediante um esforço para reduzir o lapso de tempo reservado a cada processo.

Ocioso frisar a influência que essas vicissitudes são capazes de exercer sobre o teor dos julgamentos. Acelerar o ritmo dos trabalhos, na ânsia de conciliar o respeito rigoroso do horário com o esgotamento da pauta, significará por vezes levar os juízes a proporcionar-se de maneira irrefletida, em prejuízo da valoração cuidadosa das teses e argumentos em causa. Adiar o julgamento de determinado feito é sujeitá-lo a realizar-se sob condições diferentes: talvez noutro dia da semana, noutra hora, quem sabe até com diferente composição do colégio judicante. Não ficará excluída “a priori” a eventualidade de que as perspectivas, sob as novas circunstâncias, se tornem mais favoráveis; o que de modo algum sofre dúvida é que não permanecerão idênticas.

Isso torna oportuna breve alusão a outras possíveis causas de adiamento. Algumas se ligam a circunstâncias fortuitas e incontornáveis, como enfermidade súbita que impeça o relator de comparecer à sessão. Mas os regimentos internos costumam ampliar o rol das hipóteses. Às vezes se admite o adiamento por simples indicação do relator (ou, sendo o caso, do revisor), ou então a requerimento de advogado. Pode configurar-se aí manobra tendente a fazer que o processo seja julgado com outra composição do órgão – vista, é claro como razão bastante para esperar-se resultado diferente. Daí a relevância do critério mais ou menos rigoroso que se adote na decisão sobre tais requerimentos.

Nota de Rodapé
9. Não é à toa que nem a Seção Judiciária da Câmara dos Lords, nem a Suprema Corte norte-americana “hears oral argument on a Friday” (informação colhida em, Paterson, The Law Lords, 4ª ed., Londres, 1984, p. 225, nota 6 ao Capítulo 3º).

Artigo escrito em Maio de 1994 e publicado no Caderno de Doutrina e Jurisprudência da Ematra XV, v.1, n.3, mai./jun. 2005 e retirado da Biblioteca Digital Jurídica do STF. (BDJur).

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