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16 setembro 2010

REFLEXÕES SOBRE O DANO SOCIAL-2

Parte 2/3


Flávio Tartuce
Doutorando em Direito Civil pela USP e Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC/SP. Coordenador e professor dos cursos de pós-graduação lato sensu da Escola Paulista de Direito (EPD, São Paulo). Professor convidado em outros cursos de pós-graduação, na ESA-OAB/SP e em Escolas da Magistratura. Autor da Editora Método. Advogado e Consultor Jurídico em São Paulo.

 
2. O DANO SOCIAL SEGUNDO ANTONIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO. AS CONDUTAS SOCIALMENTE REPROVÁVEIS

Muito além da simples reparação dos danos materiais e morais, aqui já consolidada, Antonio Junqueira de Azevedo propõe uma nova modalidade: o dano social. Para ele, “os danos sociais, por sua vez, são lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu patrimônio moral – principalmente a respeito da segurança – quanto por diminuição na qualidade de vida”.[21]

O conceito mantém relação direta com a principiologia adotada pelo Código Civil de 2002, que escolheu entre um de seus regramentos básicos a socialidade: a valorização do nós em detrimento do eu, a superação do caráter individualista egoísta da codificação anterior.[22] Justamente por isso, os grandes ícones privados têm importante função social: a propriedade, o contrato, a posse, a família, a empresa e também a responsabilidade civil.

A função social da responsabilidade civil deve ser encarada como uma análise do instituto de acordo com o meio que o cerca, com os objetivos que as indenizações assumem perante o meio social. Mais do que isso, a responsabilidade civil não pode ser desassociada da proteção da pessoa humana, e da sua dignidade como valor fundamental.[23]

A cláusula geral de tutela da pessoa humana, constante do art. 1º, inc. III, da Constituição Federal, possibilita, assim, a idéia da existência de novos danos reparáveis. Ao comentar os arts. 12 e 20 do atual Código Civil, aponta Gustavo Tepedino que “Os preceitos ganham, contudo, algum significado se interpretados com especificação analítica da cláusula geral de tutela da pessoa humana prevista no Texto Constitucional no art. 1º, III (a dignidade como valor fundamental da República). A partir daí, deverá o intérprete afastar-se da ótica tipificadora seguida pelo Código Civil, ampliando a tutela da pessoa humana não apenas no sentido de contemplar novas hipóteses de ressarcimento, mas, em perspectiva inteiramente diversa, no intuito de promover a tutela da personalidade mesmo fora do rol de direitos subjetivos previstos pelo legislador codificado”.[24]

Desse importante entendimento, na IV Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, foi aprovado o Enunciado n. 274, prevendo que “Os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação”. O enunciado, um dos mais importantes aprovados nas Jornadas de Direito Civil, tem duas partes. Na primeira, reconhece a existência de novos direitos da personalidade, além dos constantes da codificação privada, surgindo daí a possibilidade da ocorrência de novos danos reparáveis. Na segunda parte, prevê que os direitos da personalidade podem entrar em conflito entre si e, nesse caso, deve-se socorrer à técnica de ponderação, muito bem desenvolvida por Robert Alexy, o que constitui um dos mecanismos sintonizados com a tendência de constitucionalização do Direito Civil.

Parece-nos que a idéia do dano social mantém relação com o importante papel assumido pela dignidade humana em sede de Direito Privado, e pela tendência de se reconhecer uma amplitude maior aos direitos da personalidade. É no âmbito desses direitos imateriais que surgirão as aplicações práticas dos danos à sociedade.

Como tentativa de dimensionamento prático, Junqueira de Azevedo discorre sobre os comportamentos exemplares negativos. São suas palavras: “Por outro lado, mesmo raciocínio deve ser feito quanto aos atos que levam à conclusão de que não devem ser repetidos, atos negativamente exemplares – no sentido de que sobre eles cabe dizer: ‘Imagine se todas as vezes fosse assim!”. Também esses atos causam um rebaixamento do nível coletivo de vida – mais especificamente na qualidade de vida”.[25] Tratam-se de condutas socialmente reprováveis.

Os exemplos podem ser pitorescos: o pedestre que joga papel no chão, o passageiro que atende ao celular no avião, a loja do aeroporto que exagera no preço em dias de apagão aéreo, a pessoa que fuma próximo ao posto de combustíveis, a empresa que diminui a fórmula no medicamento, o pai que solta o balão com o seu filho. Mas os danos podem ser consideráveis: a metrópole que fica inundada em dias de chuva, o avião que tem problema de comunicação o que causa um acidente aéreo de grandes proporções, os passageiros já atormentados que não têm o que comer (já que a empresa aérea não paga o lanche), o posto de combustíveis que explode, os pacientes que vêm a falecer, a casa atingida pelo balão que pega fogo. Diante dessas situações danosas que podem surgir, Junqueira de Azevedo sugere que o dano social merece punição e acréscimo dissuasório, ou didático.[26]

Mas a grande dificuldade do dano social, sem dúvidas, refere-se à questão da legitimidade, ou seja, para quem deve ser destinado o valor da indenização. Junqueira de Azevedo aponta que, além do pagamento de uma indenização, deve ser destinado o valor a um fundo.[27] Cita também o art. 883, parágrafo único, do Código Civil de 2002, que trata do pagamento indevido e do destino de valor para instituição de caridade.[28] Quanto ao último dispositivo, temos dúvida da sua aplicação prática, apesar de ser louvável a inovação.[29]

Mais do que isso, acreditamos que a idéia de dano social, como categoria jurídica, além de ser aplicada às condutas socialmente reprováveis, pode surgir para indenizar situações até então não indenizáveis. Para tanto, serão discutidos os danos morais coletivos e a questão das balas perdidas, sendo a última realidade que, infelizmente, acomete as grandes metrópoles brasileiras na atualidade.

3. O DANO MORAL COLETIVO. SUA VIABILIDADE. UMA HIPÓTESE DE DANO SOCIAL?

O dano moral coletivo também surge como um candidato dentro da idéia de ampliação dos danos reparáveis. O seu conceito é controvertido, mas pode ser denominado como o dano que atinge, ao mesmo tempo, vários direitos da personalidade, de pessoas determinadas, determináveis ou mesmo indeterminadas. Essa nossa conceituação está baseada nas palavras de Carlos Alberto Bittar Filho: “Com supedâneo, assim, em todos os argumentos levantados, chega-se à conclusão de que o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico; quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial. Tal como se dá na seara do dano moral individual, aqui também não há que se cogitar de prova da culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação (damnum in re ipsa)”.[30]

O conceito é muito similar àquele de dano social, outrora exposto. Assim, como se pode perceber, a dificuldade é justamente, diferenciar o dano moral coletivo do dano social. De imediato, surge a indagação: o dano moral coletivo é sinônimo do dano social? A resposta é negativa.

Ora, o dano social também pode ser material, ou seja, também pode repercutir patrimonialmente no âmbito da sociedade. Isso não ocorre no dano moral coletivo, que repercute extrapatrimonialmente. A título de exemplo, uma conduta socialmente reprovável pode trazer danos patrimoniais a determinadas pessoas, ao mesmo tempo em que diminui o nível de desenvolvimento da sociedade, caso do posto que explode por um cigarro.

Da primeira resposta, então, emerge uma outra dúvida. O dano social, se imaterial, confunde-se com o dano moral coletivo? Em certos pontos pode-se dizer que sim. Mas é interessante perceber que, enquanto no dano social a vítima é a sociedade; o dano moral coletivo tem como vítimas titulares de direitos individuais homogêneos, coletivos ou difusos.[31] Se na prática a diferença é tênue, do ponto de vista da categorização jurídica, há diferenças entre as construções.

Apesar de manifestações doutrinárias interessantes quanto à existência do dano moral coletivo, particularmente nas searas ambientalista e trabalhista, poucas são as decisões jurisprudenciais quanto ao assunto.[32] No âmbito da Justiça do Trabalho, destacam-se alguns julgados que tratam do dano moral coletivo, em casos bem interessantes.[33]

Quanto ao Superior Tribunal de Justiça, merece comentário um importante precedente. Esse Tribunal entendeu não ser indenizável o dano moral coletivo em situação envolvendo danos ao meio ambiente. A ementa do julgado, proferida em sede de ação civil pública, merece transcrição destacada para maiores aprofundamentos:

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. DANO MORAL COLETIVO. NECESSÁRIA VINCULAÇÃO DO DANO MORAL À NOÇÃO DE DOR, DE SOFRIMENTO PSÍQUICO, DE CARÁTER INDIVIDUAL. INCOMPATIBILIDADE COM A NOÇÃO DE TRANSINDIVIDUALIDADE (INDETERMINABILIDADE DO SUJEITO PASSIVO E INDIVISIBILIDADE DA OFENSA E DA REPARAÇÃO). RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO”. (STJ, REsp 598281/MG, Rel. Ministro LUIZ FUX, Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02.05.2006, DJ 01.06.2006, p. 147)

A decisão do Superior Tribunal de Justiça, por maioria de votos, consubstancia o entendimento de não ser indenizável o dano moral coletivo pela impossibilidade de sua aferição perfeita e de determinação do quantum indenizatório. A lide tem origem no Estado de Minas Gerais, diante de danos ambientais causados pela Municipalidade de Uberlândia e por uma empresa de empreendimentos imobiliários, diante de um loteamento irregular. A ação foi proposta pelo Ministério Público daquele Estado, havendo condenação em primeira instância, por danos morais coletivos, em cinqüenta mil reais. A decisão foi reformada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no sentido de não ser possível tal reparação, o que foi confirmado em máxima instância.

Apesar de esse ter sido o entendimento majoritário, é pertinente ressaltar que, no Superior Tribunal de Justiça, houve o voto divergente do Ministro Luiz Fux, que entendeu ser reparável o dano moral coletivo em casos de lesões ambientais, pois “o meio ambiente integra inegavelmente a categoria de interesse difuso, posto inapropriável uti singuli. Consectariamente, a sua lesão, caracterizada pela diminuição da qualidade de vida da população, pelo desequilíbrio ecológico, pela lesão a um determinado espaço protegido, acarreta incômodos físicos ou lesões à saúde da coletividade, revelando lesão ao patrimônio ambiental, constitucionalmente protegido. Deveras, os fenômenos, analisados sob o aspecto da repercussão física ao ser humano e aos demais elementos do meio ambiente constituem dano patrimonial ambiental. O dano moral ambiental caracterizar-se-á quando, além dessa repercussão física no patrimônio ambiental, sucede ofensa ao sentimento difuso ou coletivo - v.g.: o dano causado a uma paisagem causa impacto no sentimento da comunidade de determinada região, quer como v.g; a supressão de certas árvores na zona urbana ou localizadas na mata próxima ao perímetro urbano. Consectariamente, o reconhecimento do dano moral ambiental não está umbilicalmente ligado à repercussão física no meio ambiente, mas, ao revés, relacionado à transgressão do sentimento coletivo, consubstanciado no sofrimento da comunidade, ou do grupo social, diante de determinada lesão ambiental. Deveras, o dano moral individual difere do dano moral difuso e in re ipsa decorrente do sofrimento e emoção negativas. Destarte, não se pode olvidar que o meio ambiente pertence a todos, porquanto a Carta Magna de 1988 universalizou este direito, erigindo-o como um bem de uso comum do povo. Desta sorte, em se tratando de proteção ao meio ambiente, podem co-existir o dano patrimonial e o dano moral, interpretação que prestigia a real exegese da Constituição em favor de um ambiente sadio e equilibrado”.

Parece ter razão, quanto ao mérito da questão, o Ministro Luiz Fux. Assim, entendemos serem indenizáveis os danos morais coletivos, uma vez que o art. 225 da Constituição Federal protege o meio ambiente, o Bem Ambiental, como um bem difuso e de todos, visando à sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações. Consagra assim, o Texto Maior, direitos intergeracionais ou transgeracionais na preocupação de proteção ambiental.

Entretanto, conforme exposto por Junqueira de Azevedo quanto ao dano social, a grande dificuldade que existe quanto ao dano moral coletivo – e também quanto ao dano ambiental coletivo – é determinar quem são os legitimados a pleitear indenização. Além disso, é preciso também discutir o quantum indenizatório a ser fixado, particularmente os critérios de sua fixação. Pensemos no caso em que os famosos golfinhos rotadores de Fernando de Noronha são mortos por um desastre ecológico. Quem são os legitimados a pleitear indenização? Qual o valor a ser fixado nesse caso? O dano é claro, e atinge toda a coletividade. O grande problema está na sua efetividade prática.

É notório que essas dificuldades existiam, no passado, na questão da quantificação dos danos morais e, com certeza, serão sanadas com o tempo, pela maturidade e pela experiência dos aplicadores do Direito.[34] Acreditamos que o dano ambiental coletivo como precursor de um dano moral coletivo, no futuro, será indenizável amplamente. Mas para tanto, deve amadurecer a civilística nacional. A sua viabilidade repercute também na reparabilidade do dano social, com o qual mantém íntima relação.

Notas do Autor:
 
[21] AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social. In: O Código Civil e sua interdisciplinaridade, cit., p. 376.

[22] Sobre os princípios do atual Código Civil, confira-se: REALE, Miguel. História do novo Código Civil. São Paulo: RT, 2005. v. 1.

[23] Sobre essa associação: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes. Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. A respeito da influência da dignidade humana e da Constituição Federal sobre a responsabilidade civil, escreve Lucas Abreu Barroso: “Essa imprescindível aproximação ético-ideológica da responsabilidade civil com a Constituição acresce de relevância quando facilmente verificamos que a nova codificação civil foi bastante tímida em inovações no campo do direito obrigacional, procurado manter o mais possível a sistemática e disciplinamento constantes do Código Civil de 1916. Nem por isso deixa o novo Código Civil de representar um passo adiante se comparado com o revogado estatuto congênere. Entre retrocessos e avanços, o resultado é satisfatório, mormente porque caberá à jurisprudência o papel primordial de determinar os rumos da responsabilidade civil no direito pátrio do século XXI”. (BARROSO, Lucas Abreu. Novas fronteiras da obrigação de indenizar. In: Questões controvertidas no novo Código Civil. In: Delgado, Mário Luiz; Alves, Jones Figueiredo (Coord.). São Paulo: Método, 2006, v. 5, p. 362).

[24] TEPEDINO, Gustavo. A tutela da personalidade o ordenamento civil-constitucional brasileiro. In: Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 27.

[25] AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social. In: O Código Civil e sua interdisciplinaridade, cit., p. 376.

[26] AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social. In: O Código Civil e sua interdisciplinaridade, cit., p. 376. Cumpre esclarecer, todavia, que a natureza punitiva da indenização não é unânime na doutrina e na jurisprudência brasileira. Isso ficou claro na IV Jornada de Direito Civil, com a aprovação do Enunciado n. 379, prevendo que “O art. 944, caput, do Código Civil não afasta a possibilidade de se reconhecer a função punitiva ou pedagógica da responsabilidade civil”. Ora, parece-nos que função punitiva não é igual à função pedagógica. Se se pretende punir um filho porque ele não fez um dever de casa, coloca-o de castigo. Se se pretende o intuito pedagógico, faz-se o dever de casa com ele.

[27] AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social. In: O Código Civil e sua interdisciplinaridade, cit., p. 376.

[28] CC. “Art. 883. Não terá direito à repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim ilícito, imoral, ou proibido por lei. Parágrafo único. No caso deste artigo, o que se deu reverterá em favor de estabelecimento local de beneficência, a critério do juiz”.

[29] Quanto ao dispositivo, comenta Diogo L. Machado de Melo que: “Tentando aperfeiçoar o sistema, o Código Civil de 2002, sem seu art. 883, parágrafo único, procurou remover o enriquecimento do autor do ato ilícito, mas sem nada conceder ao empobrecido. Muitos autores entendem que o fato de não se conceder nada ao empobrecido torna altamente improvável a questão chegar a ser julgada pelo magistrado. Por essa razão, o artigo tenderia a ser inaplicável no próprio âmbito do pagamento indevido. Sem questionar essa ponderação, resumimos nosso comentário ressaltando a grande utilidade do dispositivo o âmbito das indenizações por danos morais, garantindo, em contrapartida, a consolidação do seu aspecto punitivo e a própria aplicabilidade do princípio que coíbe o enriquecimento sem causa em nosso sistema”. (MELO, Diogo L. Machado de. A função punitiva da reparação por danos morais (e a destinação de parte da indenização para entidades de fins sociais – artigo 883, parágrafo único, do Código Civil. In: Delgado, Mário Luiz; Alves, Jones Figueiredo (Coord.). Questões controvertidas no novo Código Civil. São Paulo: Método, 2006, v. 6, p. 119).

[30] BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 559, 17 jan. 2005. Disponível em: . Acesso em: 04 jun. 2007.

[31] Assim, na fixação prática do dano moral coletivo, serve como parâmetro o art. 81 do Código de Defesa do Consumidor, que prevê: “Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum”. O dispositivo, com importante papel conceitual, pode ser aplicado fora da esfera das relações de consumo, para determinação do dano moral coletivo em casos envolvendo o Direito Ambiental, o Direito do Trabalho e mesmo o Direito Civil.

[32] Na ótica ambientalista pode ser citado o trabalho de José Rubens Morato Leite (Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial). Ao concluir sobre os danos ambientais coletivos, escreve esse autor “Não há como negar que a coletividade pode ser afetada em seus valores extrapatrimoniais e que estes devem ser reparados. Trata-se de valores imateriais da coletividade, ligados a um direito fundamental, intergeracional e comunitário. Seria injusto supor que uma lesão à coletividade ficasse sem reparação, enquanto a honra individualizada é indenizável e pacificamente aceita pela doutrina e jurisprudência. De fato, admitir tal assertiva é um contra-senso inadmissível. Em muitas hipóteses será impossível a reparação patrimonial, e a imposição do dano extrapatrimonial funcionará como alternativa válida da certeza da sanção civil do agente, tendo em vista a lesão ao patrimônio ambiental coletivo. Constatou-se que a doutrina brasileira mais atualizada vai se afastando da satisfação exclusivamente subjetiva e já passa a afirmar a perspectiva do dano extrapatrimonial coletivo.” (MORATO LEITE, José Rubens. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2. ed. São Paulo: RT, 2003, p. 315). No Direito do Trabalho pode ser citado o trabalho de Raimundo Simão de Melo (Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006).

[33] A título de exemplo, do Tribunal Regional do Trabalho de 5ª Região, sediado no Estado da Bahia, é interessante transcrever o seguinte julgado: “TRT da 5ª Região. ACÓRDÃO Nº 25.764/05. 5ª. TURMA. RECURSO ORDINÁRIO Nº 00052-2004-026-05-00-3-RO. Recorrente: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 5ª REGIÃO. Recorrido: ILHA TROPICAL TRANSPORTES LTDA. Redatora: Desembargadora MARIA ADNA AGUIAR DANO MORAL – A prática da empresa Recorrida em realizar filmagem dos seus empregados nos locais de trabalho, de forma sigilosa e sem o conhecimento prévio dos mesmos, com violação do direito à intimidade, configura dano moral coletivo e gera direito à reparação. Assim foram relatados pela Exmª Srª Desembargadora Relatora: ‘MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO - PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 5ª REGIÃO, nos autos da Ação Civil Pública n. 00052-2004-026-05-00-3, proposta contra ILHA TROPICAL TRANSPORTE LTDA, recorre da decisão de fls.263/264, fazendo-o tempestivamente, pelos motivos que expende às fls. 267/279. Não foram oferecidas contra-razões. Manifestação do órgão do Ministério Público do Trabalho às fls. 289’. Tive vista como Desembargadora Revisora e, por ter proferido o voto prevalecente, fui designada Redatora. É O RELATÓRIO. VOTO. Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho contra a empresa recorrente tendo por objeto a defesa do direito à intimidade do empregado com arrimo na Constituição Federal de 1988, que garante o direito individual, de natureza personalíssima. Sustenta o órgão autor que o ato perpetrado pela Recorrida ao filmar de forma sigilosa e sorrateira o dia a dia de seus empregados, objetiva a aplicação de penalidades, com vista à dispensa motivada. Aduz tratar-se de violação de direito de natureza coletiva, eis que atinge o universo de trabalhadores da empresa, pois apurada a indeterminabilidade do emprego, visto que a filmagem é feita de forma indiscriminada e aleatória sem o conhecimento prévio dos empregados. Examinada as peças dos autos, apura-se às fls. 59, 61, 229, 232 que a empresa confirmou a prática irregular. Cumpre ressaltar que a matéria objeto da presente ação já foi apreciada e decidida por esta 5ª Turma, no processo n. 02105-2000-016-05, Acórdão n. 482/02, da lavra da Desembargadora Relatora Maria Lisboa, tendo também como parte Autora o Ministério Público do Trabalho. Vale a pena transcrever a ementa do acórdão ora citado, eis que traduz literalmente o fundamento do voto que ora manifesto: ‘DANO MORAL COLETIVO. A ocorrência de violação ao direito de intimidade dos empregados configura dano moral coletivo e impõe sua correspondente reparação. Ademais, a filmagem dos trabalhadores durante o período de trabalho, efetivou-se de forma sigilosa, sem ciência dos empregados, configurando agressão ao grupo, prática que afeta negativamente o sentimento coletivo, lesão imaterial que atinge parte da categoria. Inteligência do art. 5º, X, da Carta Magna’.

Observe-se que tanto no mencionado julgado como no caso sub judice , discute-se a prática da empresa Recorrida em realizar filmagem dos seus empregados nos locais de trabalho, de forma sigilosa e sem o conhecimento prévio dos mesmos, com violação do direito à intimidade. Tal prática vem sendo constantemente adotada pela empresa Recorrida, conforme noticia a referida ação. Neste contexto, se faz devida a indenização pleiteada em decorrência do demonstrado dano moral coletivo. Ex positis, DOU PROVIMENTO PARCIAL ao recurso para reformando a sentença, acrescer á condenação o pagamento de indenização por dano moral correspondente a cem salários auferidos pela reclamante. Custas pela reclamada no valor de R$ 200,00”.

[34] Pensamos que o mesmo ocorrerá, entre nós, no tocante à reparação dos danos decorrentes da perda de uma chance. Temos resistência na aceitação de sua indenizabilidade no momento, mas acreditamos que a experiência prática e conceitual mudará a nossa opinião no futuro. Sobre o tema da perda da chance, recomenda-se: SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006; PETEFFI DA SILVA, Rafael. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2007.

Extraído de EVOCATI Revista nº 47 (17/11/2009)

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