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15 setembro 2010

REFLEXÕES SOBRE O DANO SOCIAL -1

Parte 1/3


Flávio Tartuce
Doutorando em Direito Civil pela USP e Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC/SP. Coordenador e professor dos cursos de pós-graduação lato sensu da Escola Paulista de Direito (EPD, São Paulo). Professor convidado em outros cursos de pós-graduação, na ESA-OAB/SP e em Escolas da Magistratura. Autor da Editora Método. Advogado e Consultor Jurídico em São Paulo.

 
Sumário: Primeiras palavras. O enquadramento do tema – 1. Alargamentos dos legitimados a pleitear indenização. Tentativas de ampliação dos danos reparáveis – 2. O dano social segundo Antonio Junqueira de Azevedo. O dano social e as condutas sociais reprováveis – 3. O dano moral coletivo. Sua viabilidade. Uma hipótese de dano social? – 4. O dano social e a questão das balas perdidas – 5. Conclusões finais sobre o dano social – Referências bibliográficas. .



PRIMEIRAS PALAVRAS. O ENQUADRAMENTO DO TEMA

O presente estudo pretende trazer algumas reflexões sobre o dano social, com base na tese construída pelo professor Antonio Junqueira de Azevedo, Titular do Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.[1] Como é notório, o tema da responsabilidade civil é um dos mais intrincados do Direito Privado Contemporâneo. Além de enorme aplicação prática, o estudo da responsabilidade civil é complexo como poucos. A suposta facilidade do tema é um ledo engano, seduzida por uma amplitude aprazível do ponto de vista metodológico.

Este artigo seguirá os caminhos trilhados pelo insigne professor das Arcadas, de uma nova proposta de dano reparável, a partir da idéia de ampliação, da existência de novos danos.

Desde a Constituição Federal de 1988, entre nós, há uma tendência desse alargamento, diante do surgimento da reparabilidade do dano moral, como modalidade de dano imaterial.[2] Com a Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça, do ano de 1992, reconheceu-se a possibilidade de duplo pedido de reparação, de danos materiais e morais, decorrentes do mesmo fato. O Código Civil de 2002, em seu art. 186, faz referência expressa à reparação do dano exclusivamente moral, que pode ser denominado dano moral puro, prejuízo imaterial que não guarda qualquer relação com a perda patrimonial.[3]

O que é verdade é que é o próprio Superior Tribunal de Justiça ampliou essa reparabilidade, de dupla para tripla, consolidando o entendimento de que também é reparável e cumulável o dano estético, como terceira modalidade de dano, constituindo uma lesão a mais à pessoa humana.[4]

Pois bem, é preciso seguir adiante. Nesse contexto, deve-se concordar com Junqueira da Azevedo, que vê no dano social uma nova modalidade de dano, o quarto a ser reconhecido como reparável em nosso sistema.[5]

O presente trabalho tem como ponto de partida a análise da tendência de alargamento dos legitimados a pleitear indenização como tentativa de ampliação dos danos reparáveis. Será também exposto e investigado o conceito de dano social segundo Junqueira de Azevedo. Com base na construção do professor da Universidade de São Paulo, será estudado o ponto relativo às condutas socialmente reprováveis.

O dano moral coletivo é o seguinte assunto a ser tratado, com o estudo crítico do julgado do Superior Tribunal de Justiça que afastou a sua reparabilidade. Também será analisada, do ponto de vista da realidade social, a questão das balas perdidas e a sua relação com os danos sociais. As conclusões fecham o presente artigo. Os primeiros passos começam a ser dados.

1. ALARGAMENTOS DOS LEGITIMADOS A PLEITEAR INDENIZAÇÃO. TENTATIVAS DE AMPLIAÇÃO DOS DANOS REPARÁVEIS

A questão relativa aos legitimados a pleitear indenização é fundamental para a compreensão do tema da responsabilidade civil e, mais especialmente, para início de entendimento quanto ao dano social. É notório que sem dano não há responsabilidade civil; e sem que alguém tenha interesse na reparação não há que se falar em indenização: surge daí a figura do prejudicado pelo ilícito civil.[6]

No tocante à responsabilidade civil por danos materiais, os arts. 402 a 404 do atual Código Civil tratam das perdas e danos, prevendo aqueles que são legitimados a pleitear a correspondente indenização.[7] Os dispositivos englobam os danos emergentes ou danos positivos, o que a pessoa efetivamente perdeu; e também os lucros cessantes ou danos negativos, o que a pessoa razoavelmente deixou de lucrar. Os legitimados a pleitear indenização são aqueles que sofreram os danos diretos e imediatos do ato ilícito civil praticado por outrem.

Sem prejuízo desses dispositivos, tidos como regras gerais, outros comandos normativos previstos na parte especial do Código Civil de 2002, relativos à responsabilidade civil extracontratual, também prevêem legitimados diretos a pleitear indenização. A título de exemplo, havendo perda de capacidade laborativa, parcial ou total, o art. 950 do atual Código Civil prevê que o prejudicado pode pleitear indenização, consistente em danos emergentes e lucros cessantes, sem prejuízo da indenização imaterial.[8]

O que se observa, nas situações descritas, são danos materiais diretos, que atingem a própria pessoa, pleiteando ela mesma a indenização cabível. Entretanto, a própria legislação traz casos em que se pleiteia danos materiais indiretos, ou seja, há legitimados que não sejam o próprio prejudicado. O dano acaba extrapolando os limites da pessoa lesada, fato que pode ser considerado o ponto de partida para a compreensão do dano social.

Ilustrando, o art. 948 do Código Civil reconhece a possibilidade de se pleitear indenização patrimonial diante de um homicídio de pessoa da família, o que não exclui outras reparações.[9] O inciso I do dispositivo trata de danos emergentes indiretos: despesas com o tratamento da vítima (despesas médico-hospitalares), seu funeral e o luto da família. O inciso II, ao regulamentar os alimentos indenizatórios ou ressarcitórios, consagra lucros cessantes indiretos, pelo pagamento de uma pensão às pessoas que do morto dependiam.

No entanto, as maiores tentativas de ampliação referem-se aos danos imateriais.[10] Sobre a questão do impacto coletivo dos danos não patrimoniais, há muito tempo refletia José de Aguiar Dias: “Ninguém pode contestar que a morte de um filho é causa de amargura e desespêro para o pai. O mesmo se diga da sedução, da difamação, dos crimes contra a honra em geral. Acreditar na presença do dano, nesse caso, é tudo quanto há de mais natural. Estranho seria supor que um pai não sinta a morte do filho. Aliás, muitos casos de dano patrimonial indireto são ressarcidos, com base no princípio de que a prova do dano está no próprio fato, como acontece na injúria ou no descrédito comercial. No tocante à indeterminação das pessoas lesadas, lembrada por Gabba como argumento terminante contra a reparabilidade do dano moral, pelo risco de vir o ofensor a responder, ilògicamente, pelas lesões de quem não seja subjetivamente responsável, não há, ao contrário do que aí se sugere, tamanha dificuldade. Não se pode, no caso, estabelecer critério rígido. O mais prudente é deixar a solução ao critério do juiz. Quando verifique ter ocorrido, realmente, o verdadeiro dano moral, deve mandar ressarcí-lo, embora muitas vêzes não se trate de pessoa que valha a presunção da lesão ao sentimento afetivo, como os parentes mais próximos”.[11] No tocante à morte de pessoa da família, há farta jurisprudência confirmando as sempre atuais palavras de Aguiar Dias, reconhecendo a existência dos danos morais indiretos ou danos morais em ricochete, em tais situações.[12] Mais do que isso, entende-se, no âmbito jurisprudencial, que tais danos são presumidos, ou in re ipsa.[13]

Os arts. 12, parágrafo único e 20, parágrafo único, do atual Código Civil também trazem como conteúdo o alargamento da indenização por danos morais.[14] Os dispositivos tratam dos lesados indiretos, pessoas legitimadas a requerer indenização nos casos de lesão aos direitos da personalidade do morto.[15] Apesar de trazerem como conteúdo interessantes inovações, ao reconhecerem direitos da personalidade ao falecido, os dispositivos apresentam erros técnicos, que devem ser corrigidos.[16] Sem prejuízo dessas falhas, tais comandos legais representam outros passos para o reconhecimento do dano social.

Além do que consta da própria norma jurídica, há outras tendências de alargamentos de danos suportados, o que permite um maior encaminhamento para a visualização técnica dos danos sociais, como aqui se pretende demonstrar. Vejamos duas situações fáticas pontuais, que podem demonstrar esse novo dimensionamento.

Destaca-se, primeiramente, notícia veiculada pela Revista Época em 16 de abril de 2007, intitulada “Remédio o veneno? Uma advogada em Parkinson está processando um laboratório. Ela diz que o medicamento que tomava levou-a a perder R$1 milhão em bingos”.[17] A notícia relata o caso de uma advogada de 61 anos que, acometida pela doença, tomou o remédio Sifrol, o que levou-a, supostamente, a perder todo o patrimônio, pois o medicamento desenvolveu-lhe o vício pelos jogos de azar. A advogada se diz lesada e já promove demanda contra o laboratório que comercializa o medicamento. É interessante frisar que, o próprio laboratório, notificou à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para que conste da bula do medicamento a possibilidade do remédio causar compulsão ao jogo. O que se percebe, portanto, é que o remédio pode estar causando um risco a uma quantidade enorme de pessoas, um dano superdimensionado, a atingir direitos individuais homogêneos.[18]

O segundo caso a ser descrito foi publicado pelo jornal italiano Corriere della Sera, do último dia 13 de abril de 2007, com o título “O convivente da mãe é um outro papai. Do Tribunal de Milão: há direito ao ressarcimento pelo rapaz morto em um acidente”.[19] O caso relatado é de um rapaz de 15 anos que foi atropelado em 13 de dezembro de 2003, vindo a falecer. A seguradora do causador do acidente foi condenada a indenizar os familiares do rapaz em 490 mil euros, por danos suportados. O ponto interessante refere-se à divisão do valor indenizatório: 200 mil euros para a mãe do rapaz, 150 mil euros para o seu pai, 40 mil euros para sua pequena irmã, 80 mil euros para os avós e 20 mil euros para o companheiro da mãe. A decisão, assim, acabou privilegiando os vínculos socioafetivos entre o jovem e o companheiro da mãe, o que é tendência no Direito de Família Brasileiro. Para fins de responsabilidade civil, surge o conceito de família alargada.[20]

O que se percebe, por todos os casos descritos, na lei e fora dela, é que os campos estão limpos para que floreie a idéia do dano social, como algo a ser pensado e reparado no Brasil. Com essa importante conclusão, vejamos os ensinamentos que são expostos pelo Junqueira de Azevedo.

Notas do Autor:

[1] AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social. In: Filomeno, José Geraldo Brito; Wagner Júnior, Luiz Guilherme da Costa; Gonçalves, Renato Afonso (Coord.). O Código Civil e sua interdisciplinaridade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 370-377.

[2] A reparação do dano moral consta do art. 5º, incs. V e X da Constituição Federal de 1988, a saber: “Art. 5º (...), “V – “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” e “X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Antes do Texto Maior, havia grande discussão em sede doutrinária e jurisprudencial sobre a possibilidade de se pleitear indenização por danos extrapatrimoniais. Do ponto de vista histórico, vale consultar a obra clássica de Wilson Melo da Silva (O dano moral e sua reparação. 3. ed. Edição histórica. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 388). Entendemos que o dano moral constitui uma lesão aos direitos da personalidade, consolidados, em rol exemplificativo, tanto pelo Código Civil de 2002 quanto pela Constituição Federal.

[3] CC. “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

[4] Vejamos dois julgados, do ano de 2007, que reconhecem essa ampliação, ou seja, a tripla cumulação: “INDENIZAÇÃO. ‘DANOS ESTÉTICOS’ OU ‘DANOS FÍSICOS’. INDENIZABILIDADE EM SEPARADO. 1. A jurisprudência da 3ª Turma admite que sejam indenizados, separadamente, os danos morais e os danos estéticos oriundos do mesmo fato. Ressalva do entendimento do relator. 2. As seqüelas físicas decorrentes do ato ilícito, mesmo que não sejam visíveis de ordinário e, por isso, não causem repercussão negativa na aparência da vítima, certamente provocam intenso sofrimento. Desta forma, as lesões não precisam estar expostas a terceiros para que sejam indenizáveis, pois o que se considera para os danos estéticos é a degradação da integridade física da vítima, decorrente do ato ilícito. 3. Os danos morais fixados pelo Tribunal recorrido devem ser majorados pelo STJ quando se mostrarem irrisórios e, por isso mesmo, incapazes de punir adequadamente o autor do ato ilícito e de indenizar completamente os prejuízos extrapatrimoniais sofridos pela vítima. 4. Provido o recurso especial da parte que pretendia majoração dos danos morais, fica prejudicado o recurso especial da parte que pretendia a redução da indenização. ATO ILÍCITO. VÍTIMA. PERDA DA CAPACIDADE LABORATIVA. PRESUNÇÃO. POSSIBILIDADE. PENSÃO. FIXAÇÃO. CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL. NECESSIDADE. SÚMULA 313. 1. Presume-se a redução da capacidade laborativa da vítima de ato ilícito que sofre graves seqüelas físicas permanentes, evidentemente limitadoras de uma vida plena. 2. O só fato de se presumir que a vítima de ato ilícito portadora de limitações está capacitada para exercer algum trabalho não exclui o pensionamento, pois a experiência mostra que o deficiente mercado de trabalho brasileiro é restrito mesmo quando se trata de pessoa sem qualquer limitação física. 3. Sem provas do exercício de atividade remunerada, tampouco de eventual remuneração recebida antes do ato ilícito, a vítima tem direito a pensão mensal de 1 (um) salário mínimo, desde o evento danoso até o fim de sua vida. 4. A indicação de termo final do pensionamento só é cabível quando se pretende pensão por morte, pois deve-se presumir que a vítima, não fosse o ato ilícito, viveria tempo equivalente à expectativa média de vida do brasileiro. 5. ‘Em ação de indenização, procedente o pedido, é necessária a constituição de capital ou caução fidejussória para a garantia de pagamento da pensão, independentemente da situação financeira do demandado.’ 6. É lícito ao juiz determinar que o réu constitua capital para garantir o adimplemento da pensão a que foi condenado, mesmo sem pedido do autor”. (STJ, REsp 899.869/MG, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma, julgado em 13.02.2007, DJ 26.03.2007, p. 242). “PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, MATERIAIS E ESTÉTICOS. PENSÃO MENSAL VITALÍCIA. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. VIOLAÇÃO DO ART. 1º DO DECRETO 20.910/32. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 85/STJ. PRECEDENTES. PROVIMENTO. 1. ‘As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem’ (Decreto 20.910/32, art. 1º). 2. A prescrição, no caso, não atingiu apenas as prestações anteriores ao qüinqüídio que antecedeu o ajuizamento da ação (Súmula 85/STJ), mas fulminou toda a pretensão condenatória (seja a indenização por danos morais, materiais e estéticos, seja a pensão mensal vitalícia), porque decorreram mais de quinze (15) anos entre a data da ciência da incapacidade laboral absoluta e irreversível – com a concessão do benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez em 3 de janeiro de 1986 – e o ajuizamento da ação condenatória, ocorrido somente em 8 de junho de 2001. 3. Recurso especial provido, para se reconhecer a prescrição e decretar a extinção do processo com resolução de mérito”. (STJ, REsp 652.551/RJ, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 05.12.2006, DJ 18.12.2006, p. 312).

[5] É de se ressaltar a tentativa de enquadramento, também como nova modalidade de dano, dos danos institucionais. Quanto ao seu conceito, cite-se trecho de obra coletiva coordenada por Gustavo Tepedino, Heloísa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes: “A utilização da técnica de proteção à personalidade no caso de pessoas jurídicas não pode deixar de contemplar as hipóteses em que a vítima configura entidade sem fins lucrativos. Neste caso, como já salientado em outra sede: ‘não se pode considerar (como ocorre na hipótese de empresas com finalidade lucrativa) que os ataques sofridos pela pessoa jurídica acabam por se exprimir na redução de seus lucros, sendo espécie de dano genuinamente material. Cogitando-se, então, de pessoas jurídicas sem fins lucrativos deve ser admitida a possibilidade de configuração de danos institucionais, aqui conceituados como aqueles que, diferentemente dos danos patrimoniais ou morais, atingem a pessoa jurídica em sua credibilidade ou reputação’ (Gustavo Tepedino, Crise de fontes normativas, p. XXIX-XXX). Não há dúvidas de que a maioria das hipóteses de danos indenizáveis pretendidos por pessoas jurídicas pode ser facilmente enquadrada na categoria de danos materiais, traduzidos em uma diminuição de seus resultados econômicos. ‘Situações há, contudo, em que a associação sem fins lucrativos, uma entidade filantrópica, por exemplo, é ofendida em seu renome. Atinge-se a sua credibilidade, chamada de honra objetiva, sem que, neste caso, se pudesse afirmar que o dano fosse mensurável economicamente, considerando-se sua atividade exclusivamente inspirada na filantropia. Aqui não há evidentemente dano material. E tal constatação não pode autorizar a irresponsabilidade, ou, em sentido contrário, a admissão de uma desajeitada noção de dignidade corporativa ou coletiva. A solução, pois, é admitir que a credibilidade da pessoa jurídica, como irradiação de sua subjetividade, responsável pelo sucesso de suas atividades, é objeto de tutela pelo ordenamento e capaz de ser tutelada, especialmente na hipótese de danos institucionais. Tal entendimento mostra-se coerente com o ditado constitucional e não parece destoar do raciocínio que inspirou a mencionada admissibilidade, pelo STJ, dos danos morais à pessoa jurídica’ (Tepedino, Gustavo. Crise de fontes normativas, p. XXIX-XXX)”. (Tepedino, Gustavo; Barboza, Heloísa Helena; Moraes, Maria Celina Bodin de (Coord.). Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, v. I, p. 135).

[6] AGUIAR DIAS, José de. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1944, t. II, p. 282-286.

[7] CC. “Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar. Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual. Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional. Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar”.

[8] CC. “Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu. Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez”.

[9] CC. “Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: I – no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; II – na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima”.

[10] Já no tocante ao homicídio, não se pode afastar o direito de os familiares pleitearem indenização imaterial. O próprio caput do art. 948 do CC prevê que a indenização material ali reconhecida não exclui outras indenizações.

[11] AGUIAR DIAS, José de. Da responsabilidade civil, p. 304.

[12] “RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE EM PLATAFORMA DE EXPLORAÇÃO DE PETRÓLEO. MORTE DE FILHO. DANOS MORAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. NÚMERO DE LESADOS. RAZOABILIDADE. RECURSO NÃO CONHECIDO. 1. Aos parâmetros usualmente considerados à aferição do excesso ou irrisão no arbitramento do quantum indenizatório de danos morais – gravidade e repercussão da lesão, grau de culpa do ofensor, nível socioeconômico das partes –, perfaz-se imprescindível somar a quantidade de integrantes do pólo proponente da lide. A observância da eqüidade, das regras de experiência e bom senso, e dos princípios da isonomia, razoabilidade e proporcionalidade quando da fixação da reparação de danos morais não se coaduna com o desprezo do número de lesados pela morte de parente. 2. Ante as peculiaridades da espécie, a manutenção do quantum indenizatório arbitrado pelo Tribunal a quo, em valor equivalente a 500 salários mínimos para cada um dos autores, pais da vítima do acidente laboral, denota eqüidade e moderação, não implicando em enriquecimento sem causa. 3. Recurso Especial não conhecido”.(STJ, REsp 745.710/RJ, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Rel. p/ Acórdão Ministro Jorge Scartezzini, Quarta Turma, julgado em 05.12.2006, DJ 09.04.2007, p. 254). “RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. INCÊNDIO EM LOCAL DE TRABALHO. MORTE DE FILHO. DANO MORAL. VALOR RAZOÁVEL. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. INOCORRÊNCIA. PENSIONAMENTO. CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL OU CAUÇÃO FIDEJUSSÓRIA. JUROS COMPOSTOS. AFASTAMENTO. O valor arbitrado a título de danos morais pelo Tribunal a quo não se revela exagerado ou desproporcional às peculiaridades da espécie, não justificando a excepcional intervenção desta Corte para revê-lo. ‘Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca’ (verbete n. 326 da Súmula do STJ). ‘Em ação de indenização, procedente o pedido, é necessária a constituição de capital ou caução fidejussória para a garantia de pagamento da pensão, independentemente da situação financeira do demandado’ (verbete n. 313 da Súmula do STJ). ‘Nas indenizações por ato ilícito, os juros compostos somente são devidos por aquele que praticou o crime’ (verbete n. 186 da Súmula do STJ). Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido”. (STJ, REsp 601.993/SP, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Quarta Turma, julgado em 17.10.2006, DJ 19.03.2007, p. 354).

[13] “RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR MORTE. LEGITIMIDADE PARA PROPOR AÇÃO. NÚCLEO FAMILIAR. DANO MORAL CABÍVEL. Os danos morais causados ao núcleo familiar da vítima, dispensam provas. São presumíveis os prejuízos sofridos com a morte do parente”. (STJ, REsp 437.316/MG, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma, julgado em 19.04.2007, DJ 21.05.2007, p. 567). “CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ACIDENTE COM COLETIVO. MORTE DE PASSAGEIROS. NULIDADE DO ACÓRDÃO NÃO CONFIGURADA. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. FUNDAMENTAÇÃO. SUFICIÊNCIA. PROVA. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. DANO MORAL DEVIDO AOS FILHOS E IRMÃOS. TARIFAÇÃO PELO CÓDIGO BRASILEIRO DE TELECOMUNICAÇÕES INADEQUADA. VALOR FIXADO. RAZOABILIDADE. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA. ININCIDÊNCIA DO ART. 27 DO CDC. TRANSAÇÃO CELEBRADA COM A 1ª AUTORA. NÃO PREJUDICIALIDADE DO DIREITO DOS DEMAIS AUTORES. INEXISTÊNCIA DE SOLIDARIEDADE. I. Não se configura nulidade no acórdão quando a matéria controvertida foi suficientemente enfrentada, apenas que de modo desfavorável à pretensão da parte. II. Concluindo as instâncias ordinárias sobre a dependência econômica do autor que, embora menor de idade, exercia modesta atividade profissional, a controvérsia recai no reexame da prova, incidindo no óbice da Súmula n. 7 do STJ. III. Dano moral presumido dos autores, pela perda das vidas do pai e irmão acidentados, desimportando a circunstância de que duas delas já se achavam casadas, porquanto os laços afetivos na linha direta e colateral, por óbvio, não desaparecem em face do matrimônio daqueles que perderam seus entes queridos. IV. Por defeito de serviço, na previsão do art. 14, parágrafo 1º, incisos I a III, do CDC, há que se entender, no caso do transporte de passageiros, aquele inerente ao curso comum da atividade comercial, em tal situação não se compreendendo acidente que vitima fatalmente passageiros de coletivo, uma vez que constitui circunstância extraordinária, alheia à expectativa dos contratantes, inserindo-se no campo da responsabilidade civil e, assim, sujeita à prescrição vintenária do art. 177 do Código Substantivo, e não à qüinqüenal do art. 27 da Lei n. 8.078/90. V. Não há solidariedade entre os parentes, de sorte que a transação feita pela esposa e mãe das vítimas com a ré não faz desaparecer o direito à indenização dos demais autores, filhos e irmãos dos extintos, em face da independência da relação de parentesco. VI. Recurso especial conhecido em parte e improvido”. (STJ, REsp 330.288/SP, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 27.06.2002, DJ 26.08.2002, p. 230). “CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ATROPELAMENTO FATAL. DANO MORAL. FILHO IMIGRANTE. MÃE (AUTORA) QUE RESIDE NO JAPÃO. SITUAÇÃO DE AFASTAMENTO FÍSICO IRRELEVANTE. SOFRIMENTO E DOR PRESUMIDOS EM FACE DO ESTREITO VÍNCULO DE PARENTESCO. CONDENAÇÃO. I. O estreito vínculo existente entre genitora e filho, aos olhos do senso comum, faz presumir, independentemente da distância física então existente entre os domicílios de ambos (Japão e Brasil), que o falecimento do segundo tenha causado dor, angústia e sofrimento à mãe autora, suscetíveis de amparar a condenação dos réus, a título de dano moral, pela morte decorrente de atropelamento em rodovia. II. Possível, excepcionalmente, o desaparecimento dos laços afetivos, por desavenças familiares, inveja, ciúme, interesses materiais, falhas de caráter e de solidariedade, e outros mais, situações, porém, que exigem, elas sim, comprovação concreta e específica, não o oposto, como sufraga a tese divergente com base em mero afastamento físico da autora e o de cujus. III. Recurso especial conhecido e improvido”. (STJ, REsp 297.888/RJ, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 25.09.2001, DJ 04.02.2002, p. 380).

[14] CC. “Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau”. “Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes”.

[15] Quanto a esses lesados indiretos, ensina Maria Helena Diniz que: “é preciso verificar se houve dano patrimonial ou moral. Se se tratar de lesão a interesses econômicos, o lesado indireto será aquele que sofre o prejuízo em interesse patrimonial próprio, resultante de dano causado a um bem jurídico alheio. A indenização por morte de outrem é reclamada iure proprio, pois ainda que o dano, que recai sobre a mulher e os filhos menores do finado, seja resultante de homicídio ou acidente, quando eles agem contra o responsável, procedem em nome próprio, reclamando contra prejuízo que sofreram e não contra o que foi irrogado ao marido e pai. (...). Como a ação ressarcitória do dano moral funda-se na lesão a bens jurídicos pessoais do lesado, portanto, inerentes à sua personalidade, em regra, só poderia ser intentada pela própria vítima, impossibilitando a intransmissibilidade sucessória, o exercício dessa ação por via sub-rogatória. Todavia, diante de forte tendência doutrinária e jurisprudencial no sentido de admitir que pessoas indiretamente atingidas pelo dano possam reclamar a sua reparação, o art. 12, parágrafo único, do Código Civil veio acatar que, estando morta a vítima, terá legitimação ativa para reclamar perdas e danos por lesão a direito da personalidade, consorte sobrevivente, parente em linha reta e colateral até o 4º grau (irmão, tio, sobrinho e primo). O atual Projeto de Lei n. 276/2007 (antigo 6.960/2002) acrescentará a esse rol o companheiro”. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, v. 1, p. 137).

[16] Isso porque o art. 12 do Código Civil pode ser considerado regra geral, ao prever as tutelas inibitória e reparatória no caso de lesão a direitos da personalidade. Nos casos de morto, o seu parágrafo único prevê a legitimidade para as devidas medidas para o cônjuge, os ascendentes, os descendentes e os colaterais de quarto grau. O art. 20 do Código, regra especial, trata da lesão à imagem. Seu parágrafo único, ao tratar do morto, prevê apenas legitimidade ao cônjuge, ascendentes e descendentes. Injustificadamente, não há menção, nos dois dispositivos, ao companheiros, havendo proposta, pelo PL n. 6.960/2002 (atual PL n. 276/2007), de inclui-lo. Doutrinariamente, na IV Jornada de Direito Civil, foi aprovado o Enunciado n. 275, prevendo que o companheiro deve ser incluído nos dois dispositivos. Também de forma injustificada, não há menção aos colaterais de quarto grau no art. 20 do Código Civil, o que pode gerar confusões do ponto de vista prático, uma vez que o conceito de imagem tem sido ampliado, tanto pela doutrina como pela jurisprudência.

[17] Revista Época, edição n. 465, Editora Globo, p. 98-102.

[18] O art. 81 do Código de Defesa do Consumidor, ao tratar da tutela coletiva dos consumidores, possibilita a defesa de interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. O inc. III do dispositivo prevê que os direitos individuais homogêneos são aqueles entendidos como de origem comum. Anotam Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery que tais direitos são “os direitos individuais cujo titular é perfeitamente identificável e cujo objeto é divisível ou cindível. O que caracteriza um direito individual comum como homogêneo é sua origem comum” (Nery Jr., Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade. Código Civil comentado. 3. ed. São Paulo: RT, 2005, p. 1011). No caso descrito, evidenciado o fato do produto no caso descrito, a origem comum é o medicamento defeituoso.

[19] Tradução livre de “Il convivente della madre é um altro papa. Il tribunale de Milano: há diritto al risarcimento per il ragazzo morto in un acidente’. (Corriere de la Sera. Venerdi, 13 aprile 2007, p. 15).

[20] A notícia utiliza a expressão “famiglia alargata”, que pode ser perfeitamente utilizada no Brasil, desde que traduzida.

Extraído de Evocati Revista n. 47, nov. 2009

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