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23 setembro 2010

O PENSAMENTO DE ALF ROSS SOBRE A CONEXÃO ENTRE O DIREITO E A JUSTIÇA



Oriana Piske de Azevedo Magalhães Pinto
Juíza da 8ª Vara do Juizado Especial Cível de Brasília
Para Alf Ross*, há uma conexão entre o direito vigente e a idéia de justiça. Dentro  ste pensamento pode-se distinguir dois pontos: primeiro, a exigência de que haja uma norma como fundamento de uma decisão; segundo, a exigência de que a decisão seja uma aplicação correta de uma norma. E, por isso, o problema pode ser formulado de duas maneiras, a saber:

a) Podemos nos indagar sobre o papel desempenhado pela idéia de justiça na formação do direito positivo, na medida em que é entendida com uma exigência de racionalidade, isto é, uma exigência de que as normas jurídicas sejam formuladas com a ajuda de critérios objetivos, de tal maneira que a decisão concreta tenha a máxima independência possível diante das reações subjetivas do juiz e seja, por isso, previsível.


b) Pode-se perguntar, então, que papel desempenha a idéia de justiça na administração da Justiça, na medida em que essa idéia é entendida como uma exigência de que a decisão do caso individual aplique corretamente o direito vigente. (ROSS, 2000, p. 326-330).


Respondendo à primeira indagação, Alf Ross destaca que, sem um mínimo de racionalidade (previsibilidade, regularidade), seria impossível a existência de uma ordem jurídica. Por outro lado, sustenta que a regularidade objetiva ou racionalidade formal é uma idéia fundamental em todo direito, mas não é única. Estabelecidas em categorias determinadas por critérios objetivos, as normas se apresentam como valorações formalizadas da tradição cultural. Entretanto, a regra jurídica formalizada nunca pode expressar exaustivamente todas as considerações e circunstâncias relevantes. Inevitavelmente, quando se aplica ao caso individual, é possível que a norma conduza a resultados que não podem ser aprovados pela consciência jurídica como a expressão espontânea, não articulada, daquelas valorações fundamentais. Todo direito e toda administração da Justiça, portanto, estão determinados, em aspectos formais, por um conflito dialético entre duas tendências opostas.


Por um lado, a tendência à generalização e à decisão em conformidade com critérios objetivos e, por outro lado, a tendência à individualização e à decisão à luz das valorações e apreciações subjetivas da consciência jurídica - ou, mais sumariamente - por um lado, a tendência para a justiça formal, e, por outro, a tendência para a eqüidade concreta (ROSS, 2000, p.330).


No que tange à segunda indagação, quanto ao papel que desempenha a idéia de justiça na administração da Justiça, na medida em que essa idéia é entendida como uma exigência de que a decisão do caso individual aplique corretamente o direito vigente, responde Alf Ross que


A justiça, concebida desta maneira como um ideal para o juiz (para todo aquele que tem que aplicar um conjunto determinado de regras ou padrões), é uma idéia poderosa na vida social. Representa o que se espera de um bom juiz e é aceita pelo próprio juiz como padrão profissional supremo. No que toca a isto, a idéia de justiça faz sentido. Refere-se a fatos observáveis. Qualificar uma decisão de injusta quer dizer que não foi realizada de acordo com o direito e que atende a um erro (injusta em sentido objetivo), ou a um desvio consciente da lei (injusta em sentido subjetivo) (ROSS, 2000, p. 330).


Entretanto, é oportuno destacar que é difícil delimitar precisamente a palavra injustiça, mormente tendo em vista que nenhuma situação concreta enseja uma aplicação única da lei. Isto é verdade, inclusive, naqueles casos nos quais existe uma regra definida, expressa em termos fixos; e é verdade, certamente, num grau ainda maior, quando o caso é julgado de acordo com padrões jurídicos. Nesse passo, quais seriam os princípios de interpretação corretos? E que liberdade se deve proporcionar ao juiz? Para Alf Ross, talvez a única maneira de responder a questão seja por meio de uma referência ao típico e normal na aplicação efetiva da lei. Decidir com objetividade é fazê-lo de forma típica normal; decidir subjetivamente é incorrer em desvios excepcionais. A decisão é objetiva (justa em sentido objetivo) quando cabe dentro de princípios de interpretação ou valorações que são correntes na prática. É subjetiva (injusta em sentido objetivo) quando se afasta disso (ROSS, 2000, p. 330-331).


Atualmente a maioria absoluta dos juristas, em vários países, quer libertar da letra da lei o julgador, pelo menos quando da aplicação rigorosa dos textos resulte injusta dureza, ou até mesmo simples antagonismo com os ditames da eqüidade. Carlos Maximiliano destaca a célebre oração proferida por Ballot-Beaupré, primeiro presidente da Corte de Cassação, de França, ao solenizarem o centenário do Código Civil, depois de afirmar o caráter obrigatório do texto legal, ressaltou:


Porém, quando o dispositivo apresenta alguma ambigüidade, quando comporta divergências acerca de sua significação e alcance, entendo que o juiz adquire os poderes mais amplos de interpretação; deve dizer a si mesmo, que em face de todas as mudanças que há um século se têm operado nas idéias, nos costumes, nas instituições, no estado econômico e social da França, a justiça e a razão mandam adaptar liberalmente, humanamente, o texto às realidades e às exigências da vida moderna (MAXIMILIANO, 1995, p. 171).


Julgar com justiça apresenta-se como o desafio constante do juiz moderno, uma vez que ele deve se valer dos princípios jurídicos, como o da razoabilidade e da proporcionalidade, num balanceamento dos interesses em conflito, observando sempre, os fins sociais da lei e as exigências do bem comum, na fundamentação de suas decisões. Também, é necessário que o magistrado tenha prudência, pois ao aplicar a lei em cada caso, ele interpreta o fenômeno jurídico. A interpretação e aplicação possuem um conteúdo eminentemente prático da experiência humana, vez que se espera uma decisão não apenas jurídica mas, também, de conteúdo social.


Referências:


CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito. 2 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.
LARENZ, Karl. Metodologia de la Ciencia del Derecho. Barcelona: Ariel, 1996.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. Rio de Janeiro, 1995.
ROSS, Alf. Direito e Justiça. São Paulo: Edipro, 2000.

Extraído do portal TJDFT/Artigos

*Alf Niels Christian Ross (10 de junho de 1899 — 17 de agosto de 1979) foi um jurista e filósofo dinamarquês, além de professor de Direito Internacional. É conhecido como um dos fundadores do realismo jurídico escandinavo.
Em suas muitas obras "Imperatives and Logic" Theoria (1941), Towards a Realistic Jurisprudence: A Criticism of the Dualism in Law (1946), A Textbook in International Law (1947), Constitution of the United Nations (1951), Why Democracy? (1952), On Law and Justice (1958), The United Nations: Peace and Progress (1966), Directives and Norms (1968), "On Self-Reference and a Puzzle in Constitutional Law" Mind (1969), On Guilt, Responsibility and Punishment (1975), uma de suas idéias centrais foi a de tentar liberar o pensamento dos juristas das idéias místicas e de pressupostos não verificáveis, que não estão embasados na ciência.
O nome de Ross está diretamente ligado ao chamado realismo jurídico escandinavo, movimento que está vinculado no positivismo lógico. Parte da obra de Ross esteve focada em analisar e criticar a doutrina do jusnaturalismo, e por outro lado, a reflexão em torno dos fundamentos epistêmicos e metodológicos da construção teórica de um de seus mais admirados mestres e colegas: Hans Kelsen.(Wikipédia).

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