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27 agosto 2010

RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABUSO DE DIREITO-2

Parte 2-Final



Nehemias Domingos de Melo
Advogado militante em São Paulo. Especialista em Direito Civil, pós-graduado pela UniFMU/SP. Professor de Direito Civil na Universidade Paulista - UNIP


III - A QUESTÃO INDENIZATÓRIA

Esta também é uma questão tormentosa. Se de um lado é de difícil caracterização a prática de um ato tido como abusivo do direito, tarefa mais difícil ainda é buscar uma sentença condenatória que reponha as partes a sua situação anterior. Contudo, esta dificuldade não poderá ser obstáculo à busca da verdade e da justiça, de tal sorte que, ancorando-se na doutrina e, agora no novo Código Civil, tais abusos poderão ser melhor coibidos.

"O ato abusivo ensejará responsabilidade civil nas mesmas condições que o ilícito, submetendo-se aos requisitos ou pressupostos do dever de indenizar, quais sejam: dolo ou culpa, dano e nexo causal" é a lição que nos ensina Heloisa Carpena. Ainda segundo a ilustre promotora "tanto o ato ilícito quanto o ato abusivo são fonte do dever de indenizar quando o comportamento do agente seja passível de um juízo de censura. O dever de não abusar traduz-se no dever de atuar segundo a boa-fé, segundo os bons costumes ou segundo a finalidade econômica ou social do mesmo direito, ou seja, dentro dos limites que, para o direito em questão, resultem do seu fundamento axiológico"(13).

O abuso de direito no processo é muito mais visível e, em tese, de mais fácil apenamento, contudo nossos Tribunais tem sido tímido ou pouco ousados na aplicação de penas ao "improbus litigator". A teoria do abuso do direito, que tem suas raízes fincadas na moral, encontra no princípio da lealdade processual o seu grande aliado como nos ensina Adroaldo Leão. Da mesma forma o grande processualista Moacyr do Amaral Santos observa que "ao desrespeito do dever de lealdade processual e dos que o integram, e que se traduz no ilícito processual, abrangente do dolo e fraude processuais, correspondem severas sanções não só processuais como também pecuniárias"(14).

Orlando Gomes lembra que nem sempre se resolve a questão do abuso de direito pela indenização. Em muitas situações a pena poderá ser a nulidade do ato, o desfazimento de coisas, sem prejuízos de eventuais perdas e danos. Segundo o escólio do grande mestre, "se o abuso é praticado no exercício de poder conferido pelo status familiar, como o pátrio poder ou o poder marital, a repressão pelo dever de indenizar não faz sentido. Há de ser de outra espécie, admitindo-se, conforme a gravidade do abuso, a destituição do pátrio poder ou o divórcio"(15).

O saudoso Washington de Barros Monteiro, buscando esclarecer no que consiste o abuso de direito, afirmava que "para uns, seu elemento caracterizador repousa na intenção de prejudicar. Todas as vezes que o titular exercite um direito movido por esse propósito subalterno, configurado estará o abuso de direito. Para outros, o critério identificador reside na ausência de interesse legítimo. Se o titular exerce o direito de modo contrário ao seu destino, sem impulso de um motivo justificável, verificar-se-á o abuso dele"(16).

Em recente monografia sobre responsabilidade civil, Sílvio de Salvo Venosa afirma que "no exercício de um direito, o sujeito deve manter-se nos limites do razoável, sob pena de praticar ato ilícito" e, em assim procedendo, se sujeitar a indenizar(17).

Na mesma linha de pensar, Caio Mario da Silva Pereira vaticina que "não se pode, na atualidade, admitir que o indivíduo conduza a utilização de seu direito até o ponto de transforma-lo em causa de prejuízo alheio". Explicitando melhor o que seja abuso de direito o insigne jurista diz "abusa, pois, de seu direito o titular que dele se utiliza levando um malefício a outrem, inspirado na intenção de fazer mal, e sem proveito próprio. O fundamento ético da teoria pode, pois, assentar em que a lei não deve permitir que alguém se sirva de seu direito exclusivamente par causar dano a outrem"(18).

IV - CONCLUSÃO

Em que pese às dificuldades em se fazer a prova do uso abusivo de um direito bem como das dificuldades para se definir o quantum indenizatório, quando ele não envolva tão somente obrigações de fazer ou não fazer, não se pode deixar de reconhecer que a nossa legislação, apesar de ainda titubeante, começa a dar passos largos na direção daquilo que a doutrina já vinha preconizando.

Percebe-se de outro lado, pelos exemplos trazidos à colação, que o legislador pátrio está cada vez mais, sensível à necessidade de se dosar de um mínimo ético o exercício regular de um direito. Os exemplos podem ser encontrados no novo Código Civil, assim como no Código de Defesa do Consumidor e, noutras leis esparsas.

De toda sorte há uma louvável inovação no novo Código Civil que servirá como instrumental para frear o ímpeto daqueles que venham a fazer uso anormal de seus direito. Seguindo o que de há muito preconizava a doutrina, o novo diploma legal faz expressa menção ao abuso de direito e o equipara ao ato ilícito (art. 187), de tal sorte que agora a norma civil condena, expressamente, o exercício abusivo de qualquer direito subjetivo. Logo de se concluir que só haverá ato ilícito se houver abuso de direito ou se uso desse direito for irregular ou anormal ou esteja em desconformidade com os fins sociais e a boa-fé.

É preciso considerar também que, segundo o nosso sistema jurídico-processual, aquele que faz uso do seu direito com finalidade divorciada a qual este se destina, responderá pelos danos causados a outrem, pois se configura hipótese de abuso de direito. A ação temerária, emulatória e incomodativa, somente persecutória da contraparte, constitui, em face da legislação pátria, litigância de má-fé, daí infere-se que a natureza da conduta maléfica, aqui analisada, é de abuso de direito, inicialmente previsto na lei material, e posteriormente migrada e adequada para a lei processual, gerando responsabilidade pelos danos causados no exercício da demanda (19).

De tudo quanto foi exposto, chega-se a uma conclusão inevitável: não é tarefa fácil a distinção do uso legítimo dos instrumentos processuais de defesa e a efetiva comprovação do abuso de direito de defesa e do manifesto propósito protelatório, vez que se tratam de expressões vagas, de conceito indeterminado. Da mesma forma que, no campo do direito material, fica também extremamente difícil diferenciar quando um direito legítimo está sendo usado em prejuízo de terceiros ou com abuso pelo seu titular, ou quando tal manejo estará dentro do exercício regular deste mesmo direito.

Como matéria tormentosa que é, esperamos ter contribuído para o debate sem a pretensão de ter esgotado a matéria, mas, simplesmente, ter ofertado alguns tópicos à análise mais acurada dos doutos.

V - BIBLIOGRAFIA

AZEVEDO, Lílian Oliveira de. Litigância de má-fé - Revista da Faculdade de Direito Unifacs, vol. 1, p. 239.
BATALHA, Wilson de Souza Campos. Introdução ao direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, v. 2.
BEVILAQUA, Clovis. Teoria geral do direito civil, 7a. edição. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1955.
CARPENA, Heloisa. Abuso do direito nos contratos de consumo, Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, 16a. edição, São Paulo: Saraiva, 2002, v. 7.
FRANCO, J. Nascimento e GONDO, Nisske. Condomínio em edifícios, 5a. edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988.
GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil, 14a. edição, Rio de Janeiro: Forense, 1999.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Comentários ao Código Civil - do direito das obrigações (Coord: Antônio Junqueira de Azevedo). São Paulo: Saraiva, 2003, vol. 11.
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito, 23a. edição. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil, São Paulo: Saraiva, 1974, v. 1.
MELO, Nehemias Domingos de. Dano moral - problemática: do cabimento à fixação do quantum. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, 4a. edição., São Paulo: Saraiva, 1964, v. I.
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil - introdução e parte geral, 7a. edição. Rio de Janeiro: Forense, 1984, v. I.
RODRIGUES, Silvio. Direito civil - Parte geral, 24a. edição. São Paulo: Saraiva, 1994.
SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O dano moral na dispensa do empregado, 3a. edição. São Paulo: LTr, 2002.
SANTOS, Moacyr do Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, 8a. edição. São Paulo: Saraiva, 1983, v. 2.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo cautelar, 18a. ed. São Paulo: Leud, 1999.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil - Responsabilidade civil, 2a. edição. São Paulo: Atlas, 2002.

Notas do Autor:
(13) Op. cit. p. 65.
(14) Primeiras linhas de direito processual civil, p. 81.
(15) Introdução ao direito civil, p. 134.
(16) Curso de direito civil, v. 1, p. 292.
(17) Direito civil - Responsabilidade civil, v. 4,, p. 43.
(18) Instituições de direito civil, CDRom não paginado.
(19) Cf. Lílian Oliveira de Azevedo in Rev. da Faculdade de Direito Unifacs, vol. 1, p. 239.

Elaborado em novembro de 2002 - revisado em dezembro de 2004 e publicado em 28.02.2005 no site do Boletim Jurídico, de onde foi extraído.

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