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18 agosto 2010

COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA - POSSIBILIDADES DE PROTEÇÃO DO PROMITENTE COMPRADOR-1

Parte 1/3



Vinícius Garcia Vieira
Acadêmico do 7º semestre do Curso de Direito da UFSM,RS

 
SUMÁRIO: 1.Introdução. 2. Compromisso de Compra e Venda. Noções Gerais. 3. Adjudicação Compulsória. Características. 4. Ação de Execução de Obrigação de Fazer. Possibilidade ao promitente comprador. 5. Ação Condenatória de Obrigação de Fazer. Tutela Diferenciada. 6. Considerações Finais. 7. Bibliografia


1 – Introdução

De longa data, a doutrina brasileira vem discutindo sobre a possibilidade de adjudicação compulsória, com a finalidade de obter a escritura definitiva, no compromisso de compra e venda de imóveis não averbado no Cartório de Registro de Imóveis. Esse debate envolve questões de direito processual e direito material, revelando, com isso, os seus estreitamentos de laços.

O compromisso de compra e venda tem sua regulamentação legal, atualmente, no Decreto-lei nº 58/37, regulamentado pelo Decreto-lei nº 3.079/38, com as alterações feitas pelas Leis nº 649/49 e 6.014/73. Há, ainda, a Lei nº 6.766/79 que regulamentou o parcelamento do solo urbano, que derroga em parte o Decreto-lei nº 58/37, no que se refere a imóveis urbanos, permanecendo esta norma com sua aplicação integral aos imóveis rurais.

O Decreto-lei nº 58/37 estabeleceu, inicialmente a obrigatoriedade do registro dos loteamentos, atribuindo eficácia real aos imóveis loteados. A Lei nº 649/49 estendeu esse regime aos imóveis não-loteados, se preenchida as condições de não terem cláusula de arrependimento em seus contratos de compromisso de compra e venda, e serem registrados no Cartório de Registro de Imóveis. Pelo art. 5º daquele Decreto-lei, o registro do contrato confere direito real ao compromissário, oponível contra terceiros quanto à alienação ou oneração posterior.

No art. 15 o Decreto-lei nº 58/37, atribuiu ao promissário o direito de exigir a outorga da escritura, quando antecipado ou ultimado o pagamento do preço. E o art. 16 conferiu ao compromissário-comprador a ação de adjudicação compulsória, caso o compromitente-vendedor se recusasse à outorga da escritura. No art. 22 é concedida a ação de adjudicação, se o contrato for sem cláusula de arrependimento.

Porém, há a exigência, por uma interpretação exegética da lei, de que o contrato de compromisso de compra e venda seja registrado para possibilitar a ação de adjudicação. Ocorre que, a doutrina, acompanhada pela jurisprudência, vem se firmando no sentido de ser prescindível o registro do contrato para o ingresso da ação de adjudicação compulsória.

Nesse nível de considerações, cabe ressaltar que se abrem, ainda, mais duas possibilidades de ser obtida a escritura definitiva. Primeiro, através da ação de execução da obrigação de fazer, embasada no art. 639 e ss do CPC. Segundo, pela ação condenatória de obrigação de fazer, fundamentada no art. 461 do CPC, com redação dada pela Lei nº 8.952/94. Assim, há três possibilidades a serem consideradas, quais sejam: a ação de adjudicação compulsória, fundamentada nos arts. 15, 16 e 22 do Decreto-lei nº 58/37; a ação de execução de obrigação de fazer; ou a ação condenatória de obrigação de fazer.

Na tentativa de esclarecer o debate, o presente trabalho irá, inicialmente, fazer uma abordagem do contrato de promessa de compra e venda, em seus aspectos de direito pessoal e real, a fim de estabelecer a necessidade ou não da eficácia real do contrato, como premissa à ação de adjudicação compulsória.

Em seguida, será abordada a ação de adjudicação compulsória em seus aspectos processuais, buscando aclarar a natureza de sua pretensão, ligada ao direito real ou pessoal decorrente do contrato de compra e venda. Por conseguinte, mister abordar a ação especificada no art. 639 e ss. do CPC, apresentando os seus principais aspectos ligados ao contrato de compromisso de compra e venda. Por último, será apresentada a tutela diferenciada para as obrigações de fazer ou não fazer, estabelecida no art. 461 do CPC, restringindo seu foco para o tema deste trabalho.

Cabe ressaltar que este trabalho não tem a pretensão de esgotar a discussão calorosa no âmbito do contrato de promessa de compra e venda, senão enriquecer o debate, tornando-o cada vez mais frutífero e proveitoso para todos os estudiosos do direito, pois a discussão acadêmica mantém viva o direito como verdadeira ciência humana.

2 – Compromisso de compra e venda. Noções Gerais.

O contrato de promessa de compra e venda se enquadra como um contrato preliminar, decorrendo daí sua diferença com as negociações preliminares, pois possui todos os requisitos de contrato perfeito e acabado. O contrato preliminar ocorre em razão de as partes não pensarem ser oportuno realizar a contratação definitiva, mas também querem algo já deixar contratado, sob pena de perder toda a fase preparatória ao contrato definitivo, prevendo, através do contrato preliminar, um futuro contrato.

Há que se lembrar que o compromisso de compra e venda, caracterizado como contrato preliminar, deve ter seu inadimplemento analisado sob o ângulo contratual, pois torna claro que as partes querem um contrato, mas não querem que seus efeitos operem todos de imediato. Por isso, verifica-se que o compromisso de compra e venda já possui um efeito vinculativo negocial, mais sentida quando a promessa é irretratável. Dessa forma, aplica-se ao compromisso de compra e venda as disposições do Novo Código Civil (Lei nº 10.406/2002) referente ao contrato preliminar.

Destaca-se a importância do art. 463 do novel estatuto, segundo o qual cumpridas as obrigações do contrato preliminar e sendo ele irretratável, portanto sem cláusula de arrependimento, a parte pode exigir sua execução específica. Em seu parágrafo único, apesar de ter o termo deverá, entende-se que o interessado poderá levar ao registro o contrato preliminar.

Complementando tal entendimento, em seu art. 464, o Novo Código Civil dispõe que o juiz poderá suprir a vontade da parte inadimplente, a pedido do interessado, conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar. Aplicando tais regras ao compromisso de compra e venda de imóveis, verifica-se que é possível a busca da prestação jurisdicional para a outorga da escritura definitiva, de acordo com os meios que o estatuto processual oferece.

Pelo já exposto até aqui, destacou-se o direito pessoal existente entre os partícipes do ajuste. Nesse sentido, cabe lembrar a observação de Arnaldo Rizzardo ao dizer que “o contrato de promessa de compra e venda ou compromisso de compra e venda – pactum contrahendi – é um verdadeiro contrato, regulado por leis especiais, que tem por objeto uma prestação de fazer, prestação esta consistente na celebração de outro contrato, o definitivo” [i].

Complementa Arnaldo Rizzardo que: “propondo-se alguém a concluir contrato ou outro negócio está incluída a obrigação de fazer na relação bilateral. Sendo esta a natureza da promessa de compra e venda, tem a finalidade de prestação de um ato, o qual se encontra no corpo dos arts. 16 e 22, do Decreto-lei 58/37, quanto aos imóveis loteados e já pagos e imóveis não loteados e sem cláusula de arrependimento.” [ii]

Feita a exposição do compromisso de compra e venda como direito pessoal, necessário se faz abordar a sua consideração como direito real, do compromitente-comprador, caso haja sido registrado o referido contrato. Nesse sentido, inovou a Lei nº 10.406/2002, que traz previsão expressa em seu art. 1225, inc. VII, do direito do promitente comprador do imóvel como direito real.

O novo estatuto civil exige o registro do contrato de compromisso de compra e venda para a aquisição do direito real, seja ele por instrumento público ou particular. Em seu art. 1.418, refere que pode o titular do direito real exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, de acordo com o pactuado no contrato, e, havendo recusa, poderá requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.

Nesse sentido, destaca Sílvio Venosa que “à obrigação foi conferida eficácia real. O negócio, contudo, não perde suas características contratuais, pois muitas são as relações obrigacionais decorrentes para as partes. A intenção da legislação é colocar a salvo os direitos do comprador que cumpre integralmente suas obrigações contratuais, ficando indene de ameaças de terceiros.” [iii]

O direito real atribuído ao promitente comprador, confere ao contrato eficácia erga omnes, mas esse caráter não afasta a natureza de direito pessoal do contrato de promessa de compra e venda. Assim, pode-se concluir que o registro do contrato preliminar não constitui requisito imprescindível à provocação da tutela jurisdicional, com a finalidade de outorga da escritura definitiva, posição essa predominante na doutrina e jurisprudência. Em julgamento do Resp. nº 9945-SP, o STJ decidiu que a obligatio faciendi, assumida pelo promitente vendedor, pode dar ensejo à adjudicação compulsória, não sendo necessário o registro do contrato, a não ser para a produção de efeitos relativamente a terceiros. [iv]

O compromisso de compra e venda de imóveis coaduna eficácia de direito real, assegurada somente com o registro do contrato no Cartório competente, com a relação de direito pessoal decorrente da celebração do contrato. Esse direito pessoal irá gerar pretensões de direito pessoal, que irão fundamentar a busca pela jurisdição, não estando condicionada, portanto, ao registro daquele contrato.

Notas do Autor:
[i] RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Aide, 1988. p.339.

[ii] Idem. p. 343
[iii] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. São Paulo: Atlas, 2003. p. 574.
[iv] STJ, Resp. 9945-SP 4ª T. rel. Min. Athos Carneiro, j. 21.8.1991, DJU 30.9.1991, p. 13491.

Extraído do site da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul.

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