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20 março 2009

A VIOLÊNCIA, SUAS CAUSAS E POSSÍVEIS SOLUÇÕES

O jornal O Estado de São Paulo, publicou no último dia 14, um artigo de Dom Odilo P. Scherer é cardeal-arcebispo de São Paulo, a propósito da Campanha da Fraternidade, que este ano tem como tema a questão da Segurança Pública.

Dias atrás, a mídia informava a ocorrência em São Paulo de “arrastões” em prédios, assaltos em instituições oficiais de segurança com subtração de verdadeiras armas de guerra, além de corrupução na polícia, com venda de cargos – sim, venda de altos cargos na polícia e esquema de envolvimento de policiais com jogos e transporte clandestino, funcionando como mini-máfias. Agora, mudaram o Secretário de Segurança e colocaram outro considerado de “linha-dura”. Vamos torcer para que esse quadro institucional melhore.

Tudo isso é apenas uma leve pincelada na situação crítica que alcançou a segurança pública no Brasil, razão pela qual a Igreja Católica, sintonizada com os sentimentos da maioria da população, traz à reflexão na palavra de um de seus mais abalizados interlocutores.

O artigo aborda as raízes da violência considerando a violência praticada à própria pessoa marginilizada (sem educação, saúde e totalmente desprotegida e até mesmo abandonada das ações do Estado), ou seja a perda do valor da pessoa e da sua dignidade e da desmesurada busca da vantagem, ainda que indevida, acima de qualquer coisa. E aponta soluções a partir não apenas dessas condições externas como também comportamentos e atitudes pessoais e morais que devem ser orientados segundo a verdade e o bem.

A sociedade também deve fazer por merecer uma convivência mais harmônica, pacífica e solidária.

Leia o artigo abaixo e reflita.

Violência, a raiz do problema

Fraternidade e Segurança Pública, esse é o tema da Campanha da Fraternidade que a Igreja Católica promove no Brasil durante a Quaresma deste ano. A questão de fundo, de fato, é o problema da violência e não é preciso justificar muito a escolha deste tema. Basta acompanhar um pouco os noticiários, em que os relatos sobre ações e situações de violência estão na ordem do dia: violência contra a pessoa, contra sua integridade física e moral, sua dignidade
e seus direitos fundamentais, seu legítimo patrimônio e mesmo contra sua vida...

A isso acrescentam-se as injustiças sociais não superadas, que pesam como violência diária especialmente sobre as camadas sociais e as pessoas mais indefesas. A violência se tornou corriqueira e só chama a atenção quando vem acompanhada de algum detalhe especialmente repugnante. Ela vai sendo assimilada como se fosse componente inevitável da vida e da cultura. As pessoas se defendem como podem, levantando muros, colocando alarmes, contratando seguranças, comprando armas... E se preparam para mais violência.

É preocupante quando a violência entra na normalidade da vida, deixando as consciências complacentes e insensíveis diante dela. A Campanha da Fraternidade quer ser um grito de alerta para esse fenômeno e deseja suscitar uma reação positiva antes que a violência se torne incontrolável. Mais que a denúncia de fatos, é um convite à reflexão sobre as causas da violência e à busca de vias de solução para o problema.

A segurança pública é um direito do cidadão e sua garantia é um dever do Estado. O seu alastramento, como verdadeira chaga social, e a crescente busca da segurança privada denotam lacunas na ação do Estado. As pessoas se sentem desprotegidas e não confiam nas instituições de segurança pública, talvez por lhes atribuírem ineficiência ou perplexas diante de fatos de corrupção e ação fora-da-lei de pessoas responsáveis pela ordem e pela segurança pública. Talvez haja falhas no método de combate à violência. Vamos continuar a combater a violência com mais violência? Até quando continuaremos a construir cadeias? Os processos vão continuar se amontoando sem definição nas salas dos tribunais, passando a quase certeza da impunidade ou até fazendo cumprir pena quem não merece?

A violência tem causas sociais que precisam ser enfrentadas coletivamente, com políticas públicas e também com esforço solidário da cidadania.

O Estado e suas instituições têm a missão de promover e assegurar, entre outras coisas, a justiça social, o desbaratamento do crime organizado e a eficiência no sistema judiciário. Além disso, espera-se dos órgãos que representam o Estado a promoção da cultura da dignidade da pessoa, dos direitos humanos e o amparo às instituições e organizações da base social, que são capazes de assistir as pessoas na sua situação concreta e de promover os verdadeiros valores na convivência social. Refiro-me à família, à escola e a tantas outras organizações da sociedade civil.

De fato, muita violência decorre da desestruturação e destruição da família, inclusive por leis e políticas contrárias a ela. Os efeitos são desastrosos para a sociedade, pois aquilo que a família, minimamente amparada, poderia fazer pelas pessoas acaba faltando e os problemas sobram para a sociedade e para o próprio Estado. O desmantelamento da família, mediante políticas que atendem a grupos de pressão bem-articulados mais do que ao interesse social e coletivo, é uma grande irresponsabilidade e trará consequências graves para a sociedade e o Estado. A família é um bem para a pessoa e para a sociedade e atende às necessidades sobretudo dos grupos sociais mais vulneráveis e desprotegidos, como as crianças, os idosos e os doentes. Por isso ela precisa ser defendida e amparada por políticas públicas que lhe possibilitem o exercício de suas atribuições naturais e sociais.

A violência decorre também de uma cultura desprovida de valores éticos. A negação das implicações morais e da responsabilidade social nos comportamentos individuais, bem como a banalização do sexo e do casamento podem ser causa de violência. Quem incentiva e explora a prostituição, a promiscuidade e incita à iniciação sexual precoce de crianças e adolescentes deveria se perguntar se não está incentivando a violência sexual contra mulheres e crianças, ou até comportamentos sexuais aberrantes, como os que são tristemente objeto de notícia na imprensa. Alguém já fez uma séria análise das consequências da farta distribuição de preservativos, não só no Sambódromo, por autoridades, mas até em escolas, a crianças e adolescentes?

A paz é fruto da justiça (cf. Is 32,17). Sem a prática da justiça não há paz nas relações entre as pessoas e também nas relações entre os povos. A injustiça é sempre uma violência contra os direitos da pessoa ou dos povos. Por isso a sua superação é condição para que haja verdadeira paz. Mas o mero cumprimento da justiça ainda não é suficiente para cultivar a paz: esta também requer o arrependimento das culpas, o perdão dado e recebido e a reparação das ofensas.

A superação da violência e a promoção da verdadeira cultura da paz, bem como o respeito às leis, também são deveres da cidadania. Porém a lei, por si só, não resolve o problema - há tantas leis boas que não são observadas. A raiz do problema é a perda do valor da pessoa e da sua dignidade, junto com a busca utilitarista da vantagem acima de tudo. A superação da violência não depende apenas de condições externas, mas também de comportamentos e atitudes pessoais e morais que devem ser orientados segundo a verdade e o bem, de acordo com os mandamentos da lei de Deus.

Dom Odilo P. Scherer
Cardeal-arcebispo de São Paulo

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