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25 maio 2010

A PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS APÓS AS REFORMAS CONSTITUCIONAIS -1

Parte 1/4



Zélia Luiza Pierdoná

Procuradora da República em São Paulo. Mestre e Doutora pela PuC/SP. Professora de Direito Previdenciário da Graduação e da pós-graduação da universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo.


Resumo: Com as reformas constitucionais implementadas pelas EC nº 20/98, 41/03 e 47/05, a proteção previdenciária dos servidores públicos sofreu profundas alterações. A aposentadoria deixou de ser integral, para a ser calculada com base na média das remunerações. Os seus reajustes passaram a ser iguais aqueles concedidos ao Regime Geral da Previdência Social e não mais com base na mudança da remuneração dos servidores ativos. Além disso, foi introduzida uma idade mínima para fins de aposentadoria por tempo serviço. A pensão, acima de determinado valor, não é mais integral. As referidas emendas instituíram regras de transição.

Palavras-chaves: Previdência social. Servidores públicos. Reformas constitucionais. Regras de transição

Abstract: With the constitutional reforms implemented by the EC nº 20/98, 41/03 and 47/05, the protection of social security to public servants has gone through substation changes. Retirement shall no longer be a full payout calculated based of the average of the remunerations. His adjustments have to be equal to those granted to the general social security and no longer based on the change of the remuneration of public servants. Furthermore, it introduced a minimum age for service time retirement. Pensions above of determined value are not full anymore. These amendments have instituted transistion rules.

Keywords: Social security. Public servants. Constitutional reforms. Transition rules.


Os direitos sociais estão elencados no Capítulo II, do Título II da Constituição Federal, o qual versa sobre os direitos e garantias fundamentais. Dentre os direitos fundamentais, o nosso ordenamento constitucional inclui os direitos sociais.

No art. 6º da CF estão arrolados referidos direitos, nos quais se incluem a saúde, a previdência e a assistência, que juntas formam o que a Constituição denomina seguridade social.

No entanto, cada uma das subáreas integrantes da seguridade apresenta preceitos específicos, o que nos leva a diferenciar o regime jurídico aplicável a elas.

O art. 196 dispõe que a “saúde é direito de todos e dever do Estado”; por sua vez, o art. 203 estabelece que “a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independente de contribuição à seguridade social”. Assim, tanto os direitos relativos à saúde como os vinculados à assistência independem de contraprestação direta dos beneficiários para terem acesso as suas prestações.

Já no que se refere à previdência social, as disposições do art. 201, bem como do art. 40, ambos da Constituição, exigem contribuição dos segurados para que eles e seus dependentes façam jus às prestações previdenciárias.

Definindo previdência social, assim nos manifestamos (1):

direito fundamental social assegurado a todos os trabalhadores e seus dependentes, que garante recursos nas situações em que não poderão ser obtidos pelos próprios trabalhadores, em virtude de incapacidade laboral. É, no entanto, direito fundamental que depende do cumprimento de um dever fundamental correlato: necessidade de contribuição do segurado (...).

Apresenta proteção obrigatória e facultativa.

Aquela abrange todos os trabalhadores que estarão vinculados ao regime geral ou aos regimes próprios. O regime geral é abrangente e residual e tem por finalidade proteger todos os trabalhadores, excetuando apenas aqueles vinculados aos regimes próprios, os quais são instituídos pelos respectivos entes federativos para dar proteção previdenciária aos seus servidores titulares de cargos efetivos. Assim, a proteção obrigatória se dá pelo regime geral e pelos regimes próprios dos entes federativos, sendo que os citados regimes excluem-se mutuamente. Por meio dos dois regimes o Estado viabiliza a todos o acesso à previdência e, com isso, o trabalhador estará protegido das contingências geradoras de necessidades, uma vez que será garantido recurso quando o trabalhador, em virtude de sua incapacidade laboral, não os obtém com o fruto de seu trabalho.

A proteção previdenciária obrigatória apresenta limites de proteção, os quais, ainda, são diversos no regime geral e nos regimes próprios: o limite aplicável ao regime geral é de dez salários-de-contribuição (2); e, o limite do regime dos servidores públicos está previsto no art. 40, § 11, da Constituição, o qual determina que aos proventos de inatividade deverá ser aplicado o limite fixado no art. 37, XI (teto remuneratório dos servidores públicos). Dessa forma, ainda há limites diferenciados para os dois regimes obrigatórios.

No entanto, a Constituição preceitua que os entes federativos poderão adotar o mesmo limite aplicado ao regime geral, devendo, para isso, criar previdência complementar aos seus servidores, nos termos dos §§ 14 a 16 do art. 40.

Além da proteção previdenciária obrigatória acima referida, a CF prevê proteção complementar, prevista no art. 202. O regime de previdência complementar, de forma diversa dos regimes obrigatórios, é facultativo e tem como objetivo garantir a manutenção do mesmo padrão de vida do trabalhador, complementando a aposentadoria dos regimes obrigatórios. Citado regime é estruturado pelas Leis Complementares 108 e 109, de 2001.

Assim, feitas as considerações gerais em relação à previdência, passaremos a abordar o regime previdenciário dos servidores públicos previsto, conforme já referido, no art. 40 da CF, o qual foi profundamente alterado pelas ECs nº 20/98; 41/03 e 47/05.

O regime próprio de previdência abrange os servidores públicos titulares de cargos efetivos, excluindo, nos termos do § 13 do art. 40, os servidores ocupantes, exclusivamente, de cargo em comissão, bem como os ocupantes de cargo temporário ou de emprego público, aos quais se aplica o regime geral de previdência social.

As normas gerais sobre os regimes próprios estão preceituadas no art. 40 da Constituição e na Lei 9.717/98. Além disso, conforme dispõe o § 12 do art. 40, o regime de previdência dos servidores públicos deve observar, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social, o qual é considerado regime básico.

O § 20 do art. 40 da CF veda a existência de mais de um regime próprio para os servidores titulares de cargos efetivos, bem como de mais de uma unidade gestora do respectivo regime em cada ente estatal.

As ECs nº 20/98 e 41/03 introduziram profundas mudanças na previdência dos servidores públicos. A EC nº 47/05 amenizou as mudanças da EC nº 41/03.

A EC nº 20/98 impôs a contributividade e a observância de critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial. Além disso, proibiu a contagem de tempo fictício; introduziu um limite mínimo de idade para a aposentadoria por tempo de serviço/contribuição; e determinou a permanência mínima de 10 anos de serviço público e 5 anos de cargo para as aposentadorias por tempo de serviço/contribuição e por idade.

Também vedou a concessão do auxílio-reclusão aos dependentes dos servidores que recebiam, antes da prisão, proventos superiores a determinado limite (3).

A EC nº 41/03, por sua vez, terminou com a integralidade (última remuneração como base de cálculo das aposentadorias e pensões, tendo mantido apenas nas regras de transição) e com a paridade (reajuste dos benefícios de acordo com o reajuste da remuneração dos servidores em atividade); extinguiu definitivamente a aposentadoria proporcional (4), ao revogar o art. 8º da EC nº 20/98; permitiu a cobrança de contribuição dos aposentados e pensionistas, para os benefícios acima de determinado valor (5); e criou um redutor de 30% para as pensões, nos valores que superarem o limite do regime geral de previdência social.

A EC nº 41/03 tinha garantido o reajuste paritário (mesmo reajuste concedido aos servidores em atividade) apenas aos servidores que já estavam aposentados quando da publicação da referida emenda (31-12-03) e àqueles que já tinham direito adquirido à aposentadoria (tinham preenchidos todos os requisitos para sua concessão).

A EC nº 47/05 garantiu a paridade para a aposentadoria por tempo de serviço/contribuição a todos os servidores que ingressaram no serviço público antes da publicação da EC nº 41/03 (31-12-03). Além disso, criou uma regra de transição para os servidores que ingressaram no serviço público antes da EC nº 20/98 (16-12-98), permitindo que se aposentem antes de atingir a idade mínima.

Assim, feitas as considerações gerais sobre as ECs nº 20/98, 41/03 e 47/05, passaremos, a seguir, a apresentar os preceitos constitucionais relacionados aos benefícios após as três emendas referidas.

Notas da Autora:

1 Zélia Luiza PIERDONá, previdência social in Dimitri DIMOULIS (Coord.), Dicionário brasileiro de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 296-297.
2 A partir de 01-01-2010 o limite corresponde a R$ 3.416,54.
3 Entendemos que o referido preceito não encontra fundamento de validade no ordenamento jurídico, já que veda o acesso ao benefício e, com isso, viola o art. 60, §4º da Constituição, conforme sustentamos no artigo “A proteção previdenciária dos dependentes dos trabalhadores presos: a inconstitucionalidade do limite instituído pela EC nº 20/98 ao auxílio-reclusão” in http://conpedi.org/manaus/arquivos/ anais/brasilia/13_187.
4 A aposentadoria proporcional, antes da EC nº 20/98 era devida aos 25 anos de contribuição, se servidora e 30 anos, se servidor. A referida emenda garantiu a aposentadoria proporcional apenas aos servidores que tivessem ingressado no serviço público até a sua publicação (16-12-98), tendo estabelecido, em seu art. 8º, uma regra de transição, a qual previa uma idade mínima e um período adicional de tempo. Como a aposentadoria proporcional foi extinta definitivamente pela EC nº 41/03, apenas aqueles servidores que na data da publicação da mencionada emenda (31-12-2003) tinham completado o citado tempo, mais o adicional (pedágio) a que se refere a letra “b” do inciso I do § 1º do art. 8º da EC nº 20/98 (40% do tempo que em 16-12-98 faltava para 25 anos de contribuição, se mulher e 30 anos, se homem) e a idade mínima mencionada no inciso I do art. 8º da EC nº 20/98 (53 anos de idade, se homem e 48, se mulher) têm direito à aposentadoria proporcional, a qual poderá ser requerida a qualquer tempo. Sendo-lhes aplicada a legislação vigente quando da publicação da EC nº 41/2003, caso optem pela referida aposentadoria. Ou seja, o valor de sua aposentadoria considerará o tempo de serviço existente no dia 31-12-2003, não sendo acrescido o tempo posterior.
5 A EC nº 41/03 estabeleceu que, para os servidores da união, a contribuição incidiria sobre a parcela que superasse 60% do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social (INSS), o qual, a emenda em discussão fixou em R$ 2.400,00, que atualmente está em R$ 3.416,54. Já para os servidores dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a contribuição incidiria sobre o que superasse 50% do limite retro referido. Entendemos que a diferença entre os valores de contribuição dos servidores da União e dos demais entes federativos não se justificava, uma vez que violava o princípio da isonomia, previsto no art. 150, II, da Constituição Federal. Melhor seria se tivesse sido considerado o limite aplicado aos segurados filiados ao regime geral de previdência social (R$ 3.416,54), haja vista a imunidade prevista no art. 195, II da CF. Em nosso artigo “as questões tributárias da reforma da previdência dos servidores públicos – EC nº 41/03” publicado no Repertório de Jurisprudência IOB – 1ª quinzena de junho de 2004, nº 11, defendemos a constitucionalidade da contribuição dos aposentados e pensionistas sobre os valores que excedam ao limite fixado pelo regime geral.
Essa diferença foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, tanto no que se refere à diferença entre os valores fixados para os servidores da união e dos demais entes federativos, como à diferença entre os mencionados valores e o limite do regime geral de previdência social citado, o qual é aplicado aos servidores que ainda estão em atividade e aqueles que ingressaram no serviço público depois de 31-12-2003.
O STF (na ADIN 3099/DF, Rel. Min. Ellen Gracie) decidiu que a contribuição é constitucional. Entretanto, a incidência é devida apenas nos valores que superem o limite do regime geral de previdência social (atualmente R$ 3.416,54).

Extraído de Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 6, p. 227-236, fevereiro/2010

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