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10 maio 2010

ACESSO À JUSTIÇA. NOVÍSSIMA REFLEXÃO

Parte 1/3



Társis Silva de Cerqueira
Especialista em Direito Processual Civil. Mestrando em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia. Advogado.


Resumo: O Direito assiste a progressiva massificação dos conflitos dentro de uma sociedade cada dia mais massificada e fragmentada. O judiciário, não podendo passar ao largo dessa realidade, tenta assumir o papel de solucionar a série de conflitos antes inexistentes ou represados na sociedade. Paulatinamente, ocorrem as chamadas ondas de acesso à justiça, as quais, contudo, deságuam numa contradição: permitem cada dia mais o acesso aos tribunais, estes são transformados em pesadas estruturas, incapazes de resolver os conflitos de forma célere, adequada e efetiva. Nessa senda, surgem certos mecanismos de solução dos conflitos de massa, trazendo consigo uma nova leitura do principio da inafastabilidade da jurisdição e do acesso à justiça.

Palavras-Chave: Direito Processual. Acesso à Justiça. Conflitos de Massa. Nova Leitura do Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição.

Abstract: The Law watches a continual conflicts’ standardization in an even more standardized and fragmented society. The Judiciary, from which act is claimed, is trying to be able to solve these (inexistent or unacceptable before) conflicts. Step by step, Access to Justice as a guarantee shows up, nonetheless it’s sounds contradictory: less-restricted access besides unadjusted administrative structure. In such case, the new ideas about standardized conflicts solutions are changing the Access to Justice’s profile.

Keywords: Procedural Law. Access to Justice. Conflicts of Mass. New Reading of Access to Justice’s profile.

1 INTRODUÇÃO

Muito já se falou acerca da temática do acesso à justiça. Contudo, nada faz duvidar que ainda se trate de tema bastante recorrente na doutrina, dada principalmente à sua peculiar importância dentro da Teoria do Direito e do Processo.

As especificidades, os problemas a serem resolvidos, os obstáculos a serem superados e a necessidade de conferir ao judiciário um instrumental teórico que lhe auxilie na condução de uma atividade célere, adequada e efetiva em vista da solução dos conflitos sociais 1 (individuais ou metaindividuais) fazem do "Acesso à Justiça", ao lado do "devido processo legal", um dos temas mais caros dentro dos estudos jurídicos na contemporaneidade. Isso não poderia ser de outra forma, dada sua eminente importância seja na efetividade dos direitos materiais seja na resolução de sérias questões do direito processual.

Mais uma vez o tema volta ao centro das discursões, e desta vez com uma nova roupagem, principalmente, com a introdução de novos mecanismos de solução dos conflitos de massas. Poderiam sem grandes problemas questionar a existência de uma "nova onda" de acesso à justiça. Ao menos, e isso merece destaque, é preciso distinguir uma nova realidade seja no aspecto teórico, seja no aspecto prático, no que concerne à temática do acesso a justiça – no mínimo, as preocupações e os problemas a serem solucionados são outros.

Como é cediço, a sociedade contemporânea conviveu, ou melhor, convive com a progressiva massificação das relações sociais e econômicas 2, e este cenário repercutiu diretamente sobre o Direito Processual na medida em que a conseqüência da massificação das relações é a massificação dos conflitos. O apogeu do Estado Social ou Providência, o reconhecimento dos direitos sociais, a integração de grupos antes marginalizados à esfera da cidadania, o reconhecimento dos direitos fundamentais de terceira dimensão 3-4, bem como o generalizado e intenso controle do poder judiciário sobre grande parte dos atos do poder público, a constante ampliação das portas do acesso à justiça através de mecanismos como a assistência judiciária, as defensorias públicas, os juizados especiais, por fim, as novas formas e técnicas de tutela jurisdicional adequadas ("adaptáveis") aos casos concretos (tutelas jurisdicionais diferenciadas) e os novos modelos de organização econômica e do poder decorrentes da globalização (que puseram e põem constantemente em choque as estruturas sócio-econômicas tradicionais), dentre outras transformações, modificaram radicalmente tanto o volume quanto a estrutura dos litígios 5.

Em razão disso, pensou-se e engendrou-se uma série de novos instrumentos legais processuais capazes (em princípio) de miniminar os efeitos do excessivo número de processo, principalmente causas repetitivas, existentes no judiciário nacional aos quais correspondem a relevante elemento dificultador do exercício da função jurisdicional.

É no âmbito dessa nova conformação social e diante dos novos mecanismos de solução dos conflitos de massa que a reabertura do debate acerca do acesso à justiça torna-se indispensável. Diante dos conflitos de massa, o acesso à justiça não é visto (ou não deve ser visto) da mesma maneira, muito menos o princípio da inafastabilidade da jurisdição pode ser interpretado da mesma forma. A realidade é outra e os novos intrumentos legislativos de solução dos conflitos de massa mostram isso.


Notas do Autor:

1 - Cabe alertar que as considerações realizadas neste trabalho dizem respeito à chamada jurisdição contenciosa.
2 - Já diria Cappelletti: "Não é necessário ser sociólogo de profissão para reconhecer que a sociedade (podemos usar a ambiciosa palavra: civilização?) na qual vivemos é uma sociedade ou civilização de produção em massa, bem como de conflitos ou conflituosidades de massa (em matéria de trabalho, de relação de classes sociais, entre religiões, etc.)", (CAPPELLETTI, Mauro. Formações Sociais e Interesses Coletivos diante da Justiça Civil. In: Revista de Processo. V. 2, n. 5, p. 128-159. São Paulo: Revista dos Tribunais, jan-mar 1977, p. 130).
3 - Paulo Bonavides explica que os direitos de terceira geração ou dimensão não se destinam especificamente à proteção dos interesses dos indivíduos. Todavia, são direitos ligados a solidariedade humana, dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade. Tem primeiro por destinatário o gênero humano em si mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como um valor supremo em termos de existencialidade concreta. Engendraram-se da reflexão sobre temas vinculados ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum a humanidade. (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003).
4 - Segundo Ingo Wolfang Sarlet, o vocábulo "dimensão" substitui o termo "geração" com certa vantagem lógica e qualitativa, haja vista que essa última expressão induz a ideia de sucessão cronológica e suposta caducidade dos direitos de gerações antecedentes, o que não se observa em verdade. (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2005).
5 - ABBUD, André de Albuquerque Cavalcanti. O Anteprojeto de Lei Sobre a Repercussão Geral dos Recursos Extraordinários. In: Revista de Processo. Ano 30, n. 129, p. 108-131. SP: RT, nov. 2005.

Extraído de Editora Magister/doutrina

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