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24 maio 2010

A MEDIAÇÃO COMO FÓRMULA DE RESOLUÇÃO DE LITÍGIOS




Sebastião José Roque
Bacharel, Mestre e Doutor em direito pela Universidade de São Paulo. Presidente da ARBITRAGIO - Câmara de Mediação de Arbitragem em Relações Negociais. Autor da primeira obra sobre arbitragem no Brasil, logo após a Lei 9.307/96 denominada: Arbitragem - A Solução Viável, publicada pela Ícone Editora.



SUMÁRIO: 1. Aspectos conceituais – 2. RAD – Resolução Alternativa de Disputas - 3. O mediador- 4. Vantagens e benefícios da mediação - 5. Novo campo de trabalho para o advogado  6. Remuneração do mediador



1. Aspectos conceituais

A mediação é um instrumento análogo ao da arbitragem, por ser também uma fórmula de resolução de controvérsias. Trata-se de uma técnica de solução de litígios, escolhida consensualmente pelas partes, em que elas discutem a solução de seus problemas, contando com a moderação do mediador, um terceiro imparcial. O mediador só interfere na discussão dos problemas para impedir o desvirtuamento das questões discutidas, ou para acalmar o ambiente. A missão do mediador é o de levar as partes à solução de seus problemas. Pode-se dizer que a mediação seja uma arte, exercida pelo mediador.

É bem diferente da arbitragem; nesta há o julgamento, como a sentença; naquela não haverá julgamento, razão pela qual não há vencido nem vencedor. O árbitro soluciona a questão, o mediador estimula as partes conflitantes para que elas próprias encontrem a solução.

A origem etimológica do termo “mediação” é latina, de “mediare”, vindo de “meditationis”, com o sentido de intervenção. Há a intervenção do mediador para que as partes busquem um acordo entre elas. A mediação valoriza as pessoas, dando a elas o controle da situação. Elas pedem a intervenção de um moderador, porquanto são incapazes de encontrar a solução por seus próprios meios. A possível ausência de meios próprios é causada pela natural agressividade de quem luta na defesa de seus interesses.

2. RAD – Resolução alternativa de disputas

Entre os vários instrumentos de resolução de litígios, três deles realçam-se graças principalmente à larga aplicação: mediação, conciliação, arbitragem. Para muitos, trata-se de um único sistema, que, a exemplo dos EUA é denominado ADR – Alternative Dispute Resolutions, estruturação essa feita pela “AAA - American Arbitration Association”, referida freqüentemente como “Triple A”. Argentina e Brasil adotaram designação correspondente: RAD – Resolução Alternativa de Disputas. O termo “disputa”, graças à riqueza da língua portuguesa é normalmente substituído por vários outros, como controvérsia, litígio, demanda, lide, divergência, choque, embate. A arbitragem seria um processo único, desdobrado em três fases: mediação, conciliação, arbitragem; o sistema integrado de arbitragem deve seguir as três fases, até chegar à solução final, com a sentença.

O extraordinário desenvolvimento da RAD nos EUA provocou nítida separação entre as três fases e a especificação de cada uma delas, como se vê no próprio desenvolvimento da mediação. As bases dessa especialização revelam-se pouco a pouco, de forma louvável e satisfatória, pois, evoluindo-se uma delas, haverá a evolução de todo o sistema RAD. No Estado de Michigan existe a associação dos árbitros e a dos mediadores, o que vem indicar a existência de dois tipos árbitros, não podendo uma só pessoa exercer as duas funções, vale dizer, quem for árbitro não pode se mediador, ou vice-versa. Na maioria dos estados, porém, é possível o mesmo atuante participar das duas fases, embora nunca no mesmo processo, isto é, de forma alguma o mediador que tiver atuado com duas partes como mediador, não poderá depois ser o árbitro entre elas. As três fases constituem então compartimentos estanques: a arbitragem é uma operação, a mediação é outra, a conciliação é outra, não podendo ser englobadas numa mesma operação.

Foi essa especificação que levou o Brasil a tentar a regulamentação desse primeiro passo, com a possível Lei da Mediação, inspirando-se na experiência Argentina. Vejamos então as diferenças entre as três fórmulas que compõem a RAD, incluindo-se ainda a negociação como a quarta fórmula. Qual desses métodos seria o melhor para a solução de problemas? Não se pode dizer. Depende do tipo de problema e também do interesse das partes. Elas todas apresentam pontos positivos diferenciados e da mesma forma os pontos negativos. A semelhança é visível em todas elas, mesmo na arbitragem. São métodos não adversariais, ou seja, consensuais de solução de litígios.

MEDIAÇÃO

As próprias partes procuram chegar a um consenso, assistidas pelo mediador, que as incita sem participar da discussão. O mediador busca o consenso entre as partes e não um acordo. O consenso, por sua vez, é o fundamento para se chegar a um acordo, pois ele pode não vir. A mediação visa a aproximar as partes para que elas discutam seu problema, esclareçam as idéias e formem a impressão exata do teor de seus problemas, as causas deles, a possibilidade de um acerto, e até peçam desculpas pelos excessos cometidos. Ao contrário da arbitragem, não há vencido nem vencedor. Não há renúncia de direitos. Geralmente nada fica por escrito. É informal, não se adaptando a ela leis, regulamentos e outras formalidades quanto ao seu “modus faciendi”.

CONCILIAÇÃO

É mais avançada do que a mediação, pois as partes já deverão ter chegado a um consenso e agora buscam um acordo, fazendo concessões mútuas. O conciliador apresenta às vezes proposta de um acordo, interferindo na discussão, o que não aconteceria na mediação. O conciliador visa a transformar interesses divergentes em interesses mútuos: as partes vão modulando suas divergências até chegar ao acordo, que atendeu aos interesses da ambas; portanto, elas passaram a ter o mesmo interesse. Como exemplo mais vasto de conciliação podemos citar a ação de um juiz da Justiça do Trabalho. Não há geralmente mediação, pois o juiz começa o método perguntando às partes se há possibilidade de acordo, e, às vezes, nem pergunta e já propõe um acordo. Cada parte renuncia parcialmente, para diminuir os pontos de atrito. Se não houve renúncia parcial de direito, se não houve concessões, não houve conciliação mas capitulação.

Não há impedimento para que o juiz exerça também a mediação, deixando as partes encontrar a solução. É contudo medida tecnicamente muito difícil. Além do mais, na Justiça não há campo próprio para a mediação. Na Justiça do Trabalho, por exemplo, há audiência a cada dez minutos, não deixando tempo para discussão tranquila.

ARBITRAGEM

Neste sistema há um julgamento; há uma sentença. O árbitro exara sua opinião sobre o problema, o que não faria na mediação e na conciliação. Quem encerra a discussão é o árbitro e não as partes, Se houver arbitragem é porque não houve conciliação; houve a aplicação da lei.

NEGOCIAÇÃO

É um método de resolução de litígios, sem assistência de um terceiro imparcial. As próprias partes solucionam um litígio, discutindo-o, conciliando seus interesses e chegando a um acordo por si próprias. Não é instituto jurídico como os demais; apenas um método de discussão de problemas, utilizando porém critérios científicos de debates. O direito pode ser invocado mas é possível que ele seja arredado, negociando apenas o interesse. Não há muita diferença da conciliação, mas sem a presença do conciliador, motivo pelo qual se possa dizer que a mediação seja uma negociação assistida.

3. O mediador

Aspecto importante mas difícil é descrever o perfil do mediador, suas características pessoais e formas de atuação. Quem poderá ser mediador? Toda pessoa capaz, dotada de algumas características e inteligência, bom senso e domine as modernas técnicas de liderança de reuniões. Na regulamentação que se pretende adotar no Brasil, denominada mediação paraprocessual, a função fica reservada ao advogado. Realmente, a RAD é constituída de institutos jurídicos e portanto deveria mesmo ser reservada aos advogados. Como não há ainda lei regulamentadora deste assunto, embora haja projeto de lei aprovado pelas duas casas do Congresso Nacional, e da atividade do mediador, qualquer pessoa juridicamente capaz pode ser mediador, mas se exige dele capacidade técnica para o exercício dessa função.

O advogado seria o mais indicado, pois a mediação procura solucionar problemas na ordem jurídica. Entretanto, o advogado sofre algumas restrições já levantadas para o exercício da arbitragem. Nossas faculdades de direito preparam o advogado para a luta, para o debate, para satisfazer á agressividade de seu cliente. Se alguém procura advogado, normalmente é para brigar e o advogado deixa-se influenciar por esse estado de ânimo. Nota-se esse espírito belicoso pelas próprias petições judiciais. É a “cultura do litígio”. Muitos clientes proíbem seu advogado de entender-se com a outra parte para procurar acordo e tentar a moderação do conflito. Não aceitariam a RAD ou qualquer outra forma de solução que não os choques.

Nossos advogados sentem-se inibidos em propor formas mais suassórias de composição da lide. Identificam-se com seu cliente, como se fossem parte do litígio. Não assimilamos ainda a evolução da advocacia e a sofisticação da atividade advocatícia. O advogado brasileiro não recebe informações sobre as fórmulas da RAD ou as técnicas de negociação. Há tempos atrás a televisão exibia uma série de filmes sobre o advogado Perry Mason, uma figura emblemática, considerada um protótipo do advogado norte-americano e os filmes americanos demonstram a atividade advocatícia nos EUA com características bem diferentes da nossa.

O advogado habituou-se a defender o interesse das partes, enquanto o mediador é um terceiro imparcial. O advogado apega-se ao direito e à lei, desviando-se dos aspectos psicológicos e sociais. Por isso, ao que parece, a mediação seria também apropriada a um psicólogo, um sociólogo ou a um comunicólogo.

4. Vantagens e benefícios da mediação

A mediação vem-se impondo no mundo inteiro, como nos EUA, onde foi criada nos moldes atuais, e instalada na Argentina com amplo sucesso. Se a mediação atingiu sucesso em todo o mundo, com maior realce nos EUA, na Argentina e no Japão, é porque deve apresentar sensíveis vantagens e benefícios às partes envolvidas num litígio.

Como vantagem primordial podemos citar a redução dos frutos da “cultura do litígio”, que domina a formação jurídica de todos os países e naturalmente do Brasil. É um método não adversarial, ou seja, coloca as partes em posição de equidade na discussão de seus interesses; elas não estão lutando por seus interesses ou seus direitos, mas debatendo idéias, esclarecendo-as, para ver se elas estão claras na consciência de cada um, se elas estão interpretando corretamente as idéias de cada uma. Diminui a tensão das partes e o espírito de litígio entre elas. Leva em consideração este raciocínio:

“Eu sei que você acha que entendeu tudo aquilo que eu disse mas eu não tenho certeza de que aquilo que você entendeu é exatamente aquilo que eu disse”.

A segunda vantagem é a de ser rápida. As próprias partes podem marcar o local e a hora da mediação para discutir seus problemas. Se elas marcarem a reunião para o mês seguinte é porque é do interesse delas retardar a discussão. É a mesma vantagem que o julgamento arbitral apresenta em face do julgamento judicial.

A mediação representa a valorização da pessoa humana; é a humanização da justiça e da cidadania. A parte envolvida vê-se na condição de ser sincera, de expor seus sentimentos e pensamentos, o que faz com que a pessoa seja mais autêntica. No julgamento judicial ou mesmo na arbitragem, as partes podem dizer a verdade mas só a verdade que interessa a elas, e não raras vezes, mentiras, nas quais acabam acreditando. Na mediação ninguém ganha, ninguém perde.

Outro aspecto favorável da mediação é a confidencialidade; é um método secreto de resolução de controvérsias, não exigindo que problemas particulares das partes venham à tona. A única pessoa a saber da reunião é o mediador. Não há documentos sobre a reunião; não havendo acordo, não haverá documentos sobre os assuntos tratados; não há testemunhas e por isso não haverá depoimentos.

5. Novo campo de trabalho para o advogado

Houve sempre um clima de desconfiança entre os advogados a respeito do desenvolvimento da arbitragem em nosso país. Tinha-se a impressão de que a figura do advogado tornar-se-ia despicienda em vista de diminuir os litígios judiciais e o trabalho do advogado é essencialmente forense. Igual receio surge agora com referência à mediação que está em vias de se institucionalizar no Brasil. A tônica do movimento mediacionista centra-se na idéia de dirimir controvérsias antes que as partes pensem em procurar um advogado e recorrer à Justiça. Visa portanto a desafogar o Poder Judiciário de tantas demandas e, se as demandas diminuem, conclui-se que deva diminuir a atuação dos advogados.

Todavia, tivemos oportunidade de realçar a figura do advogado na instituição da arbitragem e repetimos agora na mediação; esta vai alargar o campo de trabalho do advogado, criando nova função a ser exercida por ele: a de mediador. O advogado terá nova seara, em que brotarão as oportunidades de trabalho. Ele será requisitado sempre que houver um litígio prestes a entrar na justiça, e será lembrado antes do processo e depois do processo, que terá duas figuras assistentes: o mediador e do advogado.

A mediação representa a valorização da advocacia, hoje transformada em atividade rotineira e administrativa, extremamente trabalhosa. A atividade advocatícia está sendo invadida por rábulas recém formados, e milhares deles são lançados anualmente no mercado de trabalho por mais de mil faculdades de direito, existentes em todo o país. Basta um exame da lei, consulta a modelos de petições e domínio das rotinas forenses, para se ver que a profissão está reduzida ao nível de mera mecânica. Nota-se que os advogados de peso estão sendo marginalizados, enquanto rábulas dominam o ambiente. Em consequência é baixíssimo o nível de ensino das faculdades de direito, transformadas em fábricas de doutores.

Vê-se que a mediação eleva o nível da profissão, fazendo do advogado um agente de resolução de problemas, pelo exercício da liderança.

7. A remuneração do mediador

Assim como o árbitro, o mediador deve ser remunerado pelas partes. Ele desenvolve um trabalho delicado e elevado, para a qual são exigidos muitos requisitos e treinamento constante. Urge pois que seu esforço encontre a contrapartida adequada. Se não for assim, não haveria motivação para o engajamento, na atividade, dos profissionais mais qualificados.

Apesar de ser um serviço remunerado, a mediação busca evitar despesas maiores, sendo portanto medida econômica. Será bem mais barato do que empreender uma demanda judicial. Argumentam alguns que iria encarecer o acesso à Justiça, com o aumento de custas judiciais. Por outro lado, afirmam outros que tudo que é gratuito é desvalorizado e só provoca descontentamento e reclamações, como é o caso da assistência médica do INSS. Além do mais, o pagamento valoriza o direito e dá mais seriedade às lides forenses. Veja-se o que acontece na Justiça do Trabalho, que é gratuita e dispensa até gastos com advogado, ensejando golpes e fraudes em proporções funestas. Milhões de processos abarrotam o fórum trabalhista, a maioria sem sentido, sem fundamento, revelando mera aventura.

A gratuidade da Justiça Pública é só balão de ensaio, pois o processo judicial acaba ficando mais caro do que seria o da arbitragem e da mediação. É proverbial o despacho do juiz: “Sim, pagas as custas”. Muitos clientes revoltam-se contra seu advogado pelo alto custo judicial e acabam desistindo do processo por se sentirem lesados. Por outro lado. A demora na tramitação do processo causa desgaste emocional e financeiro e abate o ânimo de todos e no próprio direito reclamado judicialmente Esse desgaste, essas despesas excessivas poderiam ser minimizados ou eliminados ou eliminados pela mediação.

Por essas razões, o projeto de lei que deverá implantar a mediação paraprocessual no Brasil prevê que o mediador seja sempre remunerado. A forma dessa remuneração está em branco no projeto de lei, mas deverá ser regulamentada por provimentos judiciários, incluindo as bases dos valores. Se for concedido o benefício de justiça gratuita, deverá haver dotação orçamentária para cobrir os gastos da remuneração do mediador.

Extraído de Universo Jurídico

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