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29 outubro 2010

IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988,as Divergências da Legislação, Jurisprudência, Doutrina e sua Aplicação Prática-3

Parte 3- Final


Rita de Cássia Andrade
Juíza de Direito.



6. Das Alíquotas

O art. 155, IV, § 1º, proclama, de forma explícita, que o imposto de transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos, "terá suas alíquotas máximas fixadas pelo Senado Federal".

O art. 39 do CTN, de seu turno, disciplina que "a alíquota do imposto não excederá os limites fixados em resolução do Senado Federal, que distinguirá, para efeito de aplicação de alíquota mais baixa, as transmissões que atendam à política nacional de habitação".

Esse artigo foi recepcionado, em parte, pela Constituição, no diz respeito à fixação das alíquotas máximas pelo Senado Federal, uma vez que a Constituição não se reporta a indicação de alíquotas mais baixas em se tratando de política nacional de habitação.
Ressalte-se, por oportuno, que a trajetória da política habitacional no País tem sido marcada por muitas mudanças, cujo modelo de intervenção do poder público, no setor, até hoje, não lograram um bom resultado, especialmente no que se refere à solução do problema da moradia para a população de baixa renda.

No Brasil, milhões de famílias estão excluídas do acesso à moradia digna. A maior parcela da necessidade habitacional concentra-se nos estados do Sudeste e Nordeste, regiões que agregam a maioria da população urbana do país. As necessidades habitacionais, quantitativas e qualitativas, se concentram cada vez mais nas áreas urbanas e nas faixas mais baixas de renda da população, localizadas principalmente nas Regiões Metropolitanas, conforme levantamento feito pelo Governo Federal através do Ministério das Cidades. Portanto, não tem muito sentido prático a segunda parte do art. 39 do CTN.

Pela Resolução de nº 9/92 do Senado Federal, as alíquotas máximas do ITCMD são limitadas ao percentual de 8%, e podem ser progressivas, mas essa progressividade excede o controle constitucional, pois o Senado federal só está autorizado a fixar as alíquotas máximas dos impostos, não lhe cabendo informar sobre critério da progressividade de suas alíquotas, seja em razão da capacidade econômica do contribuinte ou qualquer outra motivação de ordem política ou social.

Acrescente-se, ainda, que as alíquotas do imposto sobre transmissão causa mortis e doação, já apresentam critérios diversificados na fixação de suas alíquotas, conforme se depreende da legislação de alguns Estados, como São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais.

O Decreto nº 45.837, que regulamenta a Lei nº 10.705/00 do ITCMD do Estado de São Paulo, fixa as alíquotas do imposto nas seguintes bases:

"Art. 25. O cálculo do imposto é efetuado mediante a aplicação dos percentuais, a seguir especificados, sobre a correspondente parcela do valor da base de cálculo, esta convertida em UFESPs, na seguinte progressão (Lei nº 10.705/00, art. 16):
I - até o montante de 12.000 (doze mil) UFESPs, 2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento);
II - superior a 12.000 (doze mil) UFESPs, 4% (quatro por cento).
§ 1º O imposto devido é resultante da soma total da quantia apurada na respectiva operação de aplicação dos percentuais, sobre cada uma das parcelas em que vier a ser decomposta a base de cálculo.
§ 2º Para fins de aplicação das alíquotas, será deduzido o correspondente valor de isenção previsto nas alíneas a dos incisos I e II do art. 6º, observado o disposto no seu § 1º."

No Rio Grande do Sul, a Lei nº 8.821/89 fixava as alíquotas do ITCM de forma progressiva, com faixas escalonadas entre 5% a 8%, de acordo com o valor do imóvel, traduzido em unidades fiscais daquele Estado.
Com a alteração da Lei nº 13.337, publicada no dia 31.12.09 no Diário Oficial Eletrônico do Estado do Rio Grande do Sul, a alíquota do Imposto de Transmissão Causa Mortis foi fixada em 4% e a alíquota do Imposto de Transmissão por Doação em 3%, acabando com a progressividade do tributo estadual. Com a entrada em vigor da nova lei, todas as transmissões que tiverem como fato gerador o evento morte serão tributadas em 4%, pondo findo ao sistema de progressividade manifestamente inconstitucional nesse tipo de tributo.

Todavia, antes da entrada em vigor da nova lei, o Órgão Especial do TJRS, por ocasião do julgamento do Incidente de Inconstitucionalidade nº 70019099233, em 25.06.07, reconheceu em controle incidental a inconstitucionalidade dos arts. 18 e 19 da Lei Estadual nº 8821/89, que determinavam o cálculo do ITCM por meio de alíquotas progressivas.

Em Minas Gerais, a alíquota do ITCMD obedece a dois critérios: em se tratando de transmissão causa mortis as alíquotas atendem uma ordem de valores previstos na tabela A; e na transmissão por doação as alíquotas atendem o total da soma dos valores apurados em cada faixa, previstas na tabela B, conforme arts. 9º e 10 do Decreto nº 38.639/97, verbis:

"Art. 9º. Na transmissão causa mortis, o cálculo do ITCD será efetuado pela aplicação das alíquotas previstas na Tabela ‘A’, decompondo-se o valor total dos bens da seguinte forma:
I - até 20.000 (vinte mil) UFIR, será aplicada a alíquota de 1% (um por cento);
II - de 20.001 (vinte mil e uma) a 40.000 (quarenta mil) UFIR, será aplicada a alíquota de 1,5% (um vírgula cinco por cento);
III - de 40.001 (quarenta mil e uma) a 80.000 (oitenta mil) UFIR, será aplicada a alíquota de 2% (dois por cento);
IV - de 80.001 (oitenta mil e uma) a 160.000 (cento e sessenta mil) UFIR, será aplicada a alíquota de 3% (três por cento);
V - de 160.001 (cento e sessenta mil e uma) a 350.000 (trezentos e cinquenta mil) UFIR, será aplicada a alíquota de 4% (quatro por cento);
VI - de 350.001 (trezentos e cinquenta mil e uma) a 650.000 (seiscentos e cinquenta mil) UFIR, será aplicada a alíquota de 5% (cinco por cento);
VII - de 650.001 (seiscentos e cinquenta mil e uma) a 1.000.000 (um milhão) de UFIR, será aplicada a alíquota de 6% (seis por cento);
VIII - sobre a quantia que ultrapassar 1.000.000 (um milhão) de UFIR, será aplicada a alíquota de 7% (sete por cento).
Parágrafo único - O imposto devido será o total da soma dos valores apurados na forma dos incisos anteriores."
"Art. 10. Na transmissão por doação, o imposto devido será o total da soma dos valores apurados em cada faixa, resultantes da aplicação das alíquotas constantes da Tabela ‘B’."

7. Do contribuinte do ITCMD

O CTN dispõe em seu art. 42 acerca do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos a eles Relativos que traz a seguinte redação: "Contribuinte do imposto é qualquer das partes na operação tributada, como dispuser a lei". 16
Pela redação do art. 42 do CTN, o contribuinte do imposto na transmissão de bens imóveis a título gratuito pode ser qualquer pessoa que a lei dispuser dentro da relação tributária, isto no caso de doação, por que em se tratando de transmissão de herança, ou legado, o de cujus não pode figurar na condição de sujeito passivo.

A Lei nº 10.705/00 do Estado de São Paulo disciplina sobre a matéria da seguinte forma:
"Art. 7º. São contribuintes do imposto:
I - na transmissão causa mortis: o herdeiro ou o legatário;

II - no fideicomisso: o fiduciário;
III - na doação: o donatário;
IV - na cessão de herança ou de bem ou direito a título não oneroso: o cessionário.
Parágrafo único - No caso do inciso III, se o donatário não residir nem for domiciliado no Estado, o contribuinte será o doador."

7.1. Do Herdeiro ou Legatário

A lei define como herdeiros necessários os descendentes, incluindo-se filhos, netos, bisnetos, e os demais sucessores nessa linha; os ascendentes constituídos pelos pais, avós, bisavós etc., e o cônjuge sobrevivente. A estes pertence de pleno direito a metade dos bens da herança denominada de "legítima". A qual é preservada contra disposições testamentárias. "O valor da legítima é calculado sobre o valor dos bens existentes na abertura da sucessão, abatidas as dívidas e as despesas do funeral, adicionando-se, em seguida, o valor dos bens sujeitos a colação" (art. 1.847 do CC) 17.
Além dos herdeiros necessários, os legatários também são contribuintes do imposto, ou seja, quem recebeu legado, através de testamento por qualquer de suas formas previstas em lei.

7.2. Do Fiduciário

O CC/02, em seu livro V, que trata do Direito das Sucessões, em seu Título II, Capitulo IX, Seção II, inseriu a Substituição Fideicomissária, disciplinando em seu do art. 1.951 da seguinte forma:

"Art. 1.951. Pode o testador instituir herdeiros ou legatários, estabelecendo que, por ocasião de sua morte, a herança ou o legado se transmita ao fiduciário, resolvendo-se o direito deste, por sua morte, a certo tempo ou sob certa condição, em favor de outrem, que se qualifica de fideicomissário."

A substituição fideicomissária ou fideicomisso é uma forma excepcional de nomeação sucessiva de herdeiros ou legatários. É regulada no Código Civil do art. 1.951 ao 1.960, e pressupõe a existência de três partes envolvidas no processo de transmissão, ou seja: o fideicomitente, o fiduciário e o fideicomissário.

O fideicomitente é o próprio testador, aquele que através da manifestação de sua vontade, institui o fideicomisso (herança ou legado). O fiduciário é aquele que ficará na defesa e guarda do bem da herança ou legado de forma restrita e resolúvel, até que ocorra a sua morte, decorra determinado tempo ou aconteça certa condição mencionada pelo testador fideicomitente. Fideicomissário é a pessoa que, por último, receberá os bens fideicometidos, caso não venha renunciar a herança ou legado, "e neste caso o fideicomisso caduca, deixando de ser resolúvel a propriedade do fiduciário, se não houver disposição contrária do testador" 18.

Já o art. 1.959 do CC, disciplina que "são nulos os fideicomissos além do segundo grau" 19. Pelo teor deste artigo, entendemos que o legislador, tentando evitar que se estabeleça uma sequência muito grande de fideicomissários sucessivos, limita a validade do fideicomisso até o segundo grau. O fideicomisso se contém dentro dos limites da segunda transferência, sendo a primeira para o fiduciário e a segunda para o fideicomissário designado. Mas, nessa segunda transferência podem ser contemplados mais de um fideicomissário, sem qualquer transgressão ao texto da lei.

Vê-se, portanto, que o fideicomisso implica dupla transmissão hereditária: primeiro, ao fiduciário, contribuinte do imposto, e depois ao fideicomissário. Todavia, se ao tempo da morte do testador, já houver nascido o fideicomissário, adquirirá este propriedade dos bens fideicometidos, convertendo-se em usufruto o direito do fiduciário.

Fabrício Zamprogna Matiello, em sua obra Código Civil Comentado, em suas considerações sobre o art. 1.959, ressalta que: "Não se pode confundir a vedação contida neste artigo com a nomeação de diversos fideicomissários simultâneos. O legislador proíbe a indicação de beneficiários simultâneos além do segundo grau, mas não obsta o apontamento de dois ou mais fideicomissários a um só tempo, para que recebam a herança ou o legado quando da verificação do evento e estipulado pelo testador na cédula. Trata-se, esta última de operação perfeitamente legal, sendo exemplo disso o caso em que o autor da herança faz a deixa em proveito de Henrique, estabelecendo que por sua morte os bens serão transmitidos aos fideicomissários Joel e Sávio" 20.

Apesar de considerar um instituto arcaico para uma legislação atual, assim como outras figuras jurídicas impressas no Código Civil, o fideicomisso somente pode ser instituído por testamento, adotada qualquer de suas formas legais, respeitada a legítima dos herdeiros necessários, sob pena de nulidade, podendo recair sobre bens imóveis ou móveis, tendo como responsável pelo pagamento do imposto o fiduciário, que recebe a herança ou legado para conservar e, posteriormente, transmiti-los a quem de direito.

7.3. Do Donatário

A doação é tratada no CC no art. 538, o qual estabelece que: "Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra" 21.
Vimos, portanto, que a doação é um contrato unilateral, gratuito e consensual, o que, aliás, já era assim definido desde o CC/16, em seu art. 1.165. Mas mesmo assim a doutrina não é unânime quanto à natureza da doação, uma grande parte admite o instituto como um contrato, a exemplo de Orlando Gomes, Maria Helena Diniz e tantos outros.

Para outra corrente, a doação não tem natureza contratual, pois, em algumas situações, o consentimento do donatário não se verifica. Afirma-se que a doação é unilateral porque envolve apenas a obrigação de uma das partes, opondo-se aos contratos bilaterais, em que as prestações são comutativas, ambos se sujeitando a obrigações recíprocas.

Mas essa discussão fica por conta dos civilistas, nosso interesse aqui é tão somente identificar a figura do donatário como contribuinte do imposto, em razão do acréscimo patrimonial que lhe fora transferido, seja através da doação pura e simples, doação remuneratória, doação modal, e a doação gravada. Sendo que se o donatário não residir e nem tiver domicílio no Estado, quem será o contribuinte será o doador.

7.4. Do Cessionário

O art. 1.793 do CC, no que diz respeito ao contrato de cessão hereditária, traz a seguinte redação: "O Direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública" 22.

Há, pois, que se considerar, de início, que somente após a abertura da sucessão, ou seja, após a morte do autor da herança, é possível se falar em cessão dos respectivos direitos, posto que a herança de pessoa viva não possa ser objeto de contrato (art. 426 do CC). A cessão deverá revestir-se de forma pública, em cartório de registro de imóveis. E tanto na cessão a título universal ou singular, o contribuinte do imposto é o cessionário que recebeu o bem a título não oneroso.

8. Do Princípio da Situação do Imóvel para Definição da Competência Tributária

O art. 155, § 1º, da CF, disciplina que o imposto o ITCMD:
"I - relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, compete ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal;
II - relativamente a bens móveis, títulos e créditos, compete ao Estado onde se processar o inventário ou arrolamento, ou tiver domicílio o doador, ou ao Distrito Federal;
III - terá competência para sua instituição regulada por lei complementar:
a) se o doador tiver domicílio ou residência no exterior;
b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior;"

O art. 41 do CTN, de seu turno, disciplina que:
"O imposto compete ao Estado da situação do imóvel transmitido, ou sobre quer versarem os direitos cedidos, mesmo que a mutação patrimonial decorra de sucessão aberta no estrangeiro."

A CF/88, nesse contexto, define a base da competência do Estado da situação do imóvel para a arrecadação do imposto, ela também estabelece que em relação aos bens móveis, títulos e créditos, tanto pode ser competente o Estado onde se processar o inventário ou arrolamento, ou tiver domicílio o doador, ou ao Distrito Federal.

Assim sendo, nota-se que a CF/88, recepcionou o art. 41 do CTN, pois não obstante este contenha em sua segunda parte uma redação diferenciada, encerra o mesmo pensamento do legislador constituinte.

Com a disposição constitucional relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, "se os imóveis estiverem localizados em zonas fronteiriças, abrangendo dois ou mais Estados-membros, o imposto deverá ser calculado proporcionalmente a área localizada dentro de cada Estado" 23.

O saudoso mestre Aliomar Baleeiro que se dedicou ao estudo do tema leciona que, "nesses casos, inexistindo norma regulamentadora, o critério mais razoável é o da tributação proporcional à área e acessões no Brasil, seja ou não a sede da fazenda sita em nosso país. O mesmo critério atender-se-á quando parte do imóvel situar-se num Estado e parte noutro" 24.

De modo que mesmo a abertura da sucessão ocorrendo em determinado Estado diverso da situação do imóvel, o imposto será da competência da sede da localização do bem, pois, além da determinação constitucional, é no local da situação do imóvel que existem todos os registros cartorários e fiscais sobre o mesmo.

De outro modo, a exigência de lei complementar prevista no inciso III, se o doador tiver domicílio ou residência no exterior e se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior, constitui uma forma de amenizar os conflitos de competência na tributação, ou mesmo evitar a ocorrência do processo de bi-tributação, fechando essa regulamentação através de uma lei mais específica.

Caberá, portanto, à lei complementar a solução de eventuais conflitos de competência internos relacionados com acontecimentos ocorridos no exterior, definindo a competência para a tributação das transmissões de bens e direitos a título gratuito, nas hipóteses que disciplina.

Em linhas gerais, as regras insertas no art. 155, § 1º, I, II, III e IV, da CF/88, constituem a regra matriz condutora da incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação, cujas proposições compõe a essência deste breve exame.

9. Conclusão

Fazendo uma rápida leitura na legislação do ITCMD de alguns Estados, vimos que a legislação de cada um contém suas particularidades e, portanto, uma maneira de definir o valor dos seus imóveis, a fixação da base de cálculo, alíquotas etc. Mas, muitas vezes, em razão da ausência de uma legislação geral definindo esses elementos surgem muitas controvérsias na hora da apuração e pagamento do tributo.

Restam dúvidas por parte dos operadores do Direito naquilo que parece de mais elementar, como o reconhecimento da isenção do herdeiro ou legatário pelo fato de ser beneficiário da justiça gratuita; a não incidência do imposto sobre a meação do cônjuge ou companheiro decorrente do regime de bens do casamento ou da união estável, já que esse monte não se enquadra no conceito legal de herança; prazo para recolhimento do imposto; abatimento ou não de determinadas dívidas para determinação da base de cálculo, momento da avaliação do bem, além dos aspectos mais complexos, como da inconstitucionalidade da alíquota progressiva já adotada por alguns Estados.

No caso do herdeiro pobre na forma da lei, o STJ, seguindo a linha de julgados anteriores, através do julgamento do REsp 238.161/SP, tendo como relatora a Ministra Eliana Calmon, assim decidiu:

"Cabe ao Juiz do inventário, à vista da situação dos herdeiros, miseráveis na forma da lei, isso apanágio da justiça gratuita, de declará-los isentos do pagamento de transmissão causa mortis. 2. Providencia que independe de burocrático requerimento na esfera administrativa para o reconhecimento judicial 25."

Também existe dissensão no caso de abatimento de dívidas deixadas pelo de cujus para que se determine a base de cálculo do imposto sobre a transmissão causa mortis, notadamente sobre a responsabilidade de tais obrigações, ou seja, se pertencem ao espólio, ou se são despesas dos herdeiros ou legatários e se devem ou não ser descontados. Nesse sentido, as leis estaduais vêm contemplando as despesas decorrentes do funeral e honorários advocatícios. Já a Súmula nº 115 do STF se manifestou tão somente sobre custas de contratação de advogado pelo inventariante, nos seguintes termos:

"Súmula nº 115. Sobre os honorários do advogado contratado pelo inventariante, com a homologação do juiz, não incide o imposto de transmissão causa mortis 26."

Segundo o magistério do Professor Hugo de Brito Machado "a base de cálculo desse imposto há de ser fixada pela lei da entidade competente para instituir o tributo. Deve ser em princípio o valor do bem objeto da transmissão. Pode ser menor. Não pode ser maior, posto que estaria atingindo riqueza outra que não o próprio vem transmitido" 27.
Pela legislação de alguns Estados o valor do bem é identificado na hora da abertura da sucessão, corrigido até o momento de seu efetivo pagamento, tomando como base o valor utilizado para o pagamento do IPTU ou ITR. Em outros o valor do bem é encontrado após avaliação efetuada pela Fazenda Estadual e não o valor da data da abertura da sucessão. A Súmula da Jurisprudência Predominante do STF de nº 113, dispondo sobre o Imposto e sua base de cálculo, traz o seguinte entendimento:
"Súmula nº 113. O imposto de transmissão causa mortis é calculado sobre o valor dos bens na data da sua avaliação" 28.

Em que pese a percepção procedente da mencionada súmula, a jurisprudência mais recente do STJ já reconheceu ser possível o cálculo do valor dos bens na data da transmissão da herança "STJ, 2ª Turma, REsp 15.071/RJ, Rel. Min. José de Jesus Filho, DJ de 10 de outubro de 1994, p. 27.141", e "REsp 2.263/RJ, 1ª T., Rel. Min. Armando Rolemberg, DJ de 18 de junho de 1990, p. 5.681".

Além disso, o NCC – Lei nº 10.406/01, em seu art. 1.784, disciplina que "aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários" 29.
Assim, tendo a CF assegurado no art. 155, I, a tipicidade tributária, cuja hipótese de incidência é a transmissão causa mortis e está ocorrendo com a abertura da sucessão, ou seja, na data falecimento do autor da herança, a base de cálculo deve ser fixada levando em conta o valor dos bens ocorridos no instante dessa transmissão e não em momento posterior da avaliação feita pelo Estado.

O valor dos bens, para efeito de cálculo do imposto, independe de circunstâncias externas ocorridas após a abertura da sucessão, a exemplo de valorização do imóvel em razão de obras públicas, aquecimento do mercado imobiliário, mobiliário, de capitais etc., o que deve ocorrer é a atualização do valor atribuído ao imóvel na abertura da sucessão, segundo o índice aplicado pelo erário.

Vê-se, assim, que algumas mudanças insertas no atual sistema constitucional tributário, em relação a esse imposto, encerra dificuldades de operacionalização, restando, a um só tempo, a interpretação da legislação estadual atinente ao imposto, o CTN, interpretação jurisprudencial, doutrina etc., buscando uma melhor compreensão dos efeitos fiscais dessa cobrança sobre o patrimônio do contribuinte, observando-se os seus aspectos material, temporal, espacial, sujeitos da obrigação tributária, apuração da quantia devida, bens ou direitos a serem alcançados.

Vê-se, portanto, que a linguagem adotada pela CF/88, em relação ao Imposto de Transmissão Causa Mortis, rompeu a fórmula anteriormente proposta, a qual permitia a incidência da exação fiscal apenas sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos, ampliando a sua incidência sobre os bens móveis, títulos e créditos, além de transferir para os municípios a competência na transmissão de bens imóveis de forma onerosa – com a incidência do ITBI – propiciando, ao mesmo tempo, maior arrecadação por parte dos Estados e Municípios, e, de conseguinte, maior divisão das receitas tributárias entre as unidades da federação.
Notas da Autora
16 - CTN, art. 42
17 - Código Civil – Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, art. 1.847.
18 - Idem art. 1.955, 2ª parte.
19 - Idem art. 1. 959.
20 - São Paulo: LTR. 3. ed. p. 1. 259.
21 - Idem, Idem art. 538.
22 - Idem, idem, art, 1.793
23 - FERNANDES, Regina Celi Vespero Pedrottti. Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação. p. 69.
24 - BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. p. 165.
25 - STJ, 2ª. T, REsp 238.161/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 09.10.2000, p. 133.
26 - Súmula de Jurisprudência Predominante do STF de nº 115 de 13.12.1963.
27 - CURSO de Direito Tributário. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 251.
28 - Súmula de Jurisprudência Predominante do STF de nº 113 de 13.12.63.
29 - Código Civil – Lei nº 19.406 de 10.01.02, art. 1.784.
Extraído de Editora Magister/doutrina

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