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20 outubro 2010

CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO HUMANO DE ACESSO À JUSTIÇA: Imperativo Ético do Estado Democrático de Direito-3

Parte 3/6

MARCELO MALIZIA CABRAL
Juiz de Direito/TJRS


3 CONCEITUAÇÃO DE ACESSO À JUSTIÇA

A significação da expressão acesso à justiça tem sido objeto de estudos de diversas áreas do conhecimento e sua extensão sistematicamente ampliada, de modo a abranger o sentido de universalidade material.
Em um dos escritos mais clássicos sobre o tema, resume essa evolução,com precisão, Mauro Cappelletti:

O conceito de acesso à justiça tem sofrido uma transformaçãoimportante, correspondente a uma mudança equivalente ao estudo eensino do processo civil. Nos estados liberais “burgueses” dos séculos dezoito e dezenove, os procedimentos adotados para a solução dos litígios civis refletiam a filosofia essencialmente individualista dos direitos, então vigorante. Direito ao acesso à proteção judicial significava essencialmente o direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação.(34)

O Estado e a sociedade contentavam-se, assim, com a possibilidade meramente formal de que todos os cidadãos pudessem recorrer ao sistema de justiça para a salvaguarda de seus direitos.
A cada um incumbia a obtenção dos recursos necessários ao efetivo exercício desse direito, mecanismo próprio do sistema laissez-faire.(35)
O desenvolvimento das sociedades, entretanto, deu origem ao reconhecimento de direitos sociais de parte dos Estados, reclamando sua atuação positiva para a asseguração a todos, efetivamente, do gozo desses novos direitos.
Não é surpreendente, portanto, que o direito ao acesso à justiça tenha ganho particular atenção na medida em que as reformas do welfare state têm procurado armar os indivíduos de novos direitos substantivos em sua qualidade de consumidores, locatários, empregados e, ao mesmo tempo, cidadãos. De fato, o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação.(36)

As reflexões iniciais sobre o acesso à justiça passam, assim, fundamentalmente, por sua asseguração material a toda a população.(37)
Esta, com efeito, constitui a primeira temática com que se defrontam  todos os povos na atualidade: como se assegurar a todos, em condições de igualdade material, o acesso à justiça?
A centralidade e a atualidade dessa preocupação em todo o mundo foram  sintetizadas por Cappelletti, em conferência proferida na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, ocasião em que problematizou:
Estou aqui para falar de algo que tomou anos de minha vida profissional: o estudo e a investigação de um problema que acredito fundamental para todas as sociedades contemporâneas. Observo que entre os problemas mais importantes, que exigem solução, em todos os países, está o problema da efetividade, da igualdade de todos perante o direito e a justiça. Trata-se do problema da pobreza legal. A dificuldade de acesso de muitos indivíduos e grupos aos benefícios que derivam da lei e das instituições jurídicas, em particular as instituições de proteção legal, sobretudo os tribunais. [...] O movimento para acesso à justiça é um movimento para a efetividade dos direitos sociais, ou seja, para a efetividade da igualdade.(38)

Em seqüência, após pontuar a existência de três ordens de fatores a dificultar o acesso à justiça – econômicos, organizacionais e processuais –, sobre os primeiros, complementou:

“O tema da pobreza, o tema da representação legal dos pobres, coloca os seguintes problemas: antes do Juízo, informação, assistência extrajudicial; e dentro do Juízo, assistência judiciária. É preciso enfatizar que não basta a assistência, através de advogados, em Juízo. Pode ocorrer que a assistência extra e pré-judicial seja mais necessária, porque pobreza significa, normalmente, não apenas pobreza econômica, mas, também, pobreza jurídica. Isto é, pobreza de informação. Os pobres não conhecem seus direitos e assim não dispõem de informação suficiente para saber o que podem fazer para se protegerem, para obterem os benefícios que o direito substancial poderia lhes garantir. Esta primeira onda é, fundamentalmente, uma tentativa de assegurar aos pobres a assistência de experts, de juristas, antes e dentro do Juízo. É um tema muito antigo. Nos tempos de Roma antiga, e depois no Medievo, falava-se em representantes dos pobres. Todo esse fenômeno tornou-se diferente, mais significativo em nosso século.” (39)

Importa assinalar, outrossim, que os esforços das sociedades contemporâneas na proposição de ações que garantam o acesso à justiça a todos os seres humanos advêm do princípio da igualdade material, consagrado no mundo moderno.(40)
Essa igualdade “deve ser entendida, antes de tudo, como igualdade de possibilidades desde o nascimento. Cada homem livre é responsável pela preservação da liberdade dos outros homens e não se pode admitir que uns nasçam com a certeza de que terão uma situação de superioridade, dos pontos de vista econômico, político e social, na mesma sociedade em que outros já nascem condenados a uma vida de miséria e submissão.” (41)
A preocupação com a igualdade material é antiga, como bem adverte Humberto Peña de Moraes:

Ecoa imorredoura a advertência de Leão XIII, na Encíclica Rerum  Novarum, acerca da proteção estatal dos excluídos de fortuna, ao assegurar, in expressis: A classe dos ricos se defende por seus próprios meios e necessita menos da tutela pública; mas o pobre do povo, baldo de riquezas que o ampara, está peculiarmente confiado à proteção do Estado.(42)

A questão da garantia do acesso igualitário à justiça torna-se especialmente relevante em um país como o Brasil, que ostenta discriminação histórica(43) e índices importantes de desigualdade social.
Noutras palavras, preocupar-se com o acesso ao sistema de justiça de parte de populações vulneráveis é centrar-se o olhar para uma parcela significativa da população brasileira.(44)
Essa circunstância foi examinada com perspicácia por Joaquim Falcão:

Na maioria dos países desenvolvidos, a questão do acesso à Justiça é focalizada como desafio de implementar, através da prestação jurisdicional, os direitos das minorias. Um desafio democrático, também fundamental para o Brasil. Mas, data vênia, não acredito ser o principal, se é que podemos falar em hierarquia de direitos. Explico melhor. Quem não tem acesso à Justiça no Brasil não são apenas minorias étnicas, religiosas ou sexuais, entre outras. Quem não tem acesso é a maioria do povo brasileiro. O Judiciário, por seus custos financeiros, processos jurídico-formais e conformação cultural é privilégio das elites, concedido, comedidamente, a alguns setores das classes médias urbanas. A maioria da nossa população, as classes populares, quando tem acesso, o tem como vítima ou como réu. Não é deles, um ativo. É um passivo. Não é deles um direito, mas um dever. Nos países desenvolvidos, o problema do acesso surgiu pela conjugação de pelo menos três fatores: a criação de novos direitos, os direitos humanos de terceira geração, diriam alguns, a expansão da cidadania, diriam outros; o acesso a maior renda, isto é, a melhor distribuição de renda nacional, possibilitando novos consumidores de Justiça; e, finalmente, o incremento da complexidade das relações sociais, sobretudo nos grandes centros urbanos, aumentado assim a possibilidade de conflitos. Estes fatores, todos eles, existem sim no Brasil. Mas nossa doença apresenta outro sintoma agudo, que provoca a ausência das classes populares como autor no processo judicial: a pobreza. [...] Em outras palavras, nossa tarefa é dupla. Ao mesmo tempo em que temos que lidar com a implementação dos novos direitos e o aumento dos conflitos nos grandes centros urbanos, temos que assegurar os direitos fundamentais interditados para a pobreza brasileira. Em resumo, o terceiro sintoma a constatar é que o deficiente acesso à Justiça atinge as minorias em ao mesmo tempo, a maioria da população brasileira.(45)

Desse modo, a definição da expressão acesso à justiça principia pela concepção de acesso como sendo a possibilidade material de todos os seres humanos, independentemente de sua situação econômica, cultural, social, ou de outros fatores, estarem em condições de utilizar o sistema acesso à justiça com as
mesmas possibilidades e facilidades de que dispõe qualquer pessoa.
Esta a premissa de qualquer estudo sobre acesso à justiça: o desafio de se conferir igualdade material à humanidade, possibilitando-se a todas as pessoas a utilização do sistema de justiça.
A materialização desse ideal depende da identificação e da superação de uma série de obstáculos, tema que será examinado nos capítulos subseqüentes.
Outra investigação que se faz imperativa quando se realiza esforço de conceituação da expressão acesso à justiça, diz respeito à delimitação de seu conteúdo: implica definir-se o que compreende a expressão justiça nesse particular.
Em outras palavras, acesso à justiça significa apenas o acesso ao Poder Judiciário, ou alberga, também, outras formas de resolução de conflitos, como a mediação, a conciliação e a arbitragem? Mais do que isso: deve haver um distanciamento na relação estado-sociedade na distribuição de justiça ou existe a possibilidade de interação e de realização de práticas complementares?
Outra seara, igualmente, merece investigação: há de se encarar o acesso à justiça unicamente como a disponibilização de ferramentas de pacificação social ou abrangeria, também, a informação da população sobre seus direitos, no mais das vezes, requisito essencial à sua perseguição através das ferramentas de acesso?
Decerto a consciência da comunidade sobre a extensão e o conteúdo dos direitos que lhes são assegurados pelo ordenamento jurídico constitui elemento essencial do acesso que se examina.(46)
A consciência do real significado da cidadania plena, ou seja, a dimensão que os direitos individuais, sociais, culturais e econômicos podem oferecer à vida das pessoas, constitui informação fundamental à sua perseguição.
Até mesmo sobre a dimensão e o significado do acesso à justiça como direito é impositivo que a comunidade tenha pleno conhecimento, para que possa buscá-lo legitimamente.
Refletindo, justamente, sobre essa faceta do acesso à justiça, adverte Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, colacionando experiência de sua atuação profissional:

É evidente que o primeiro componente a tornar algo acessível, próximo, capaz de ser utilizado, é o conhecimento dos direitos que temos e como utilizá-los. O direito a tais informações é ponto de partida e ao mesmo tempo de chegada para que o acesso à justiça, tal como preconizamos, seja real, alcance a todos. É ponto de partida porque, sem ele, uma série de direitos, notadamente no campo individual, não seriam reclamados, e ponto de chegada, na medida em que, agora no campo coletivo, eventuais direitos reclamados e obtidos fossem realidade para poucos. Exemplo marcante dessa situação ocorreu recentemente com a drástica desvalorização do real perante o
dólar, no mercado de câmbio: milhares de pessoas não reclamaram, não pleitearam a renegociação de seus respectivos contratos individualmente considerados, indexados pelo dólar, perdendo seus respectivos bens, por absoluto desconhecimento de seus direitos. Muitos não sabiam onde e como buscar informações sobre se teriam algum direito (ponto de partida); outras tantas não se valeram do êxito obtido pelo Ministério Público, através de medida liminar em ação civil pública destinada a substituir a indexação originária, por absoluto desconhecimento do significado do resultado obtido ou de como deveriam agir para torná-lo efetivo – ponto de chegada. [...] Trata-se de pessoas que não têm condições sequer de ser partes – os “nãopartes” são pessoas absolutamente marginalizadas da sociedade, porque não sabem nem mesmo os direitos de que dispõem ou de como exercê-los; constituem o grande contingente de nosso país.(47)

Então, a definição do objeto do acesso à justiça inclui não apenas a imprescindibilidade da garantia de acesso igualitário, mas também o necessário conhecimento do grupo social sobre o conteúdo e a amplitude dos direitos que lhe são assegurados pela ordem jurídica.
Noutro ângulo, importa frisar que o direito humano de acesso à justiça possui dimensão bem mais ampla do que o simples acesso ao Poder Judiciário.
Para se assegurar acesso à justiça a uma comunidade, necessita-se de cidadania plena, possibilitando-se a cada ser humano o conhecimento sobre seus direitos e sobre as ferramentas disponíveis à sua materialização, ofertando-se à sociedade modalidades alternativas de resolução pacífica de conflitos.
Concretizar-se o direito fundamental de acesso à justiça significa assegurar-se a toda a sociedade a possibilidade de realização da paz, e o alcance desse valor pode ser obtido por diversas outras formas, não somente por meio da jurisdição formal prestada pelo Poder Judiciário.
Dito de outra forma, o acesso à justiça compreende uma série de ferramentas disponíveis à realização da justiça, complementares à prestação ofertada pelo Poder Judiciário e, em diversas situações, mais céleres, mais eficazes e com menor custo.
Alguns exemplos dessas possibilidades são os centros de cidadania, as práticas de mediação, conciliação e arbitragem, assim como as experiências de justiça restaurativa e de justiça comunitária realizadas em diversos países do mundo. Registram-se, também, com êxito, no Brasil, algumas dessas experiências, ainda que escassas.
Na percepção de Jasson Ayres Torres,

o Brasil vai assimilando paulatinamente esses modelos alternativos de  justiça informal e adotando instrumentos viabilizadores à solução dos conflitos. É preciso acreditar em idéias que projetem um futuro melhor, mais equânime e mais justo. O Brasil não pode descartar o valor da aproximação das partes e a solução das causas através de escritórios e agências, para viabilizar um acordo. Num segundo momento é que poderá ocorrer a homologação da autoridade judiciária, se houver interesse na obtenção de um título executivo judicial. Caso contrário, a validade é de natureza extrajudicial. [...] Pensamos numa justiça de consenso, em que o direito seja dirigido para uma solução pacífica do problema existente. [...] A participação de juízes leigos, conciliadores, mediadores, juízes de paz e de colaboradores espontâneos representa o desejo de paz. Uma nova realidade é o que se constata num mundo permanentemente em transformação, com problemas crescendo desmedidamente, e as dificuldades se apresentando cada vez mais complexas a exigir soluções através de novas alternativas na aplicação imediata do direito, procedimentos simplificados, com custo compatível ao acesso pleno a uma justiça eficaz, atendendo, enfim, aos interesses e às expectativas da sociedade. Uma nova concepção de justiça, realmente, marca uma Coleção Administração Judiciária linha divisória na afirmação e no desenvolvimento do princípio constitucional do mais amplo acesso à Justiça.(48)

Essas são algumas das possibilidades existentes e disponíveis à sociedade à  concretização da promessa constitucional de acesso à justiça. Todas complementares à jurisdição formal, prestada pelo Poder Judiciário que, ainda assim, há de prosseguir em sua missão de distribuir justiça por meio dessa ferramenta quando seu uso se revele adequado ou se mostre necessário.
A esse mesmo horizonte apontou a Ministra Eliana Calmon Alves, por ocasião de sua posse no Superior Tribunal de Justiça:

Tenho a convicção de que o mundo está caminhando no sentido de ter um Judiciário minimizado.(49) Tenho essa opinião a partir da observação que faço de países da common low, de origem inglesa. As partes em conflito podem eleger um árbitro de confiança, que solucione o impasse. Se, por acaso, não houver satisfação quanto à solução, aí sim, recorre-se ao Estado. Isto está sendo muito comum, as chamadas soluções alternativas de conflito. Há diversos mecanismos, como o Juízo Arbitral, que você citou, a Mediação e a Conciliação. É o que há de mais moderno em termos de Direito. O Juízo Arbitral é uma parte dessas soluções dadas a grandes conflitos na área econômica. A mobilidade do capital cresceu graças à agilidade dos meios de comunicação. Como pode esse capital ficar atrelado a um Poder Judiciário demorado, paquidérmico e ultrapassado? Nos Estados Unidos, por exemplo, em grande parte dos casos, os conflitos são solucionados fora do Judiciário, mas este fica na retaguarda, pois, se não houver solução, as pessoas podem recorrer a ele. Em quase todos os estados dos EUA estão sendo imputadas pesadas multas àqueles que tiverem recorrido ao Judiciário e este tiver apresentado a mesma decisão que o juiz arbitral, mediador ou conciliador. Na visão deles, significa que a Justiça foi acionada desnecessariamente. Eu acho que no Brasil deveríamos proceder assim, mas agimos exatamente ao contrário.(50)

O que importa grifar no esforço de conceituação que se exercita são as diversas formas de realização de justiça passíveis de disponibilização ao grupo social, assim como a circunstância de que o acesso à justiça pode e deve ser garantido não apenas pelo Poder Judiciário, mas pelo Estado e pela sociedade, em regime de parceria.
A esse respeito, após denominar algumas práticas alternativas de resolução de conflitos com forte participação comunitária de “micro-justiça”, Catherine Slakmon e Philip Oxhorn ponderam:

É importante frisar que, embora a micro-justiça se baseie em processos horizontais de atuação e participação direta do cidadão, o impulso original de mobilização, a operação e a sustentabilidade dos projetos dependem, em significativa medida, de atores externos à comunidade.
[...] Os modelos cidadãos de justiça e segurança jamais devem tentar competir com o Estado, e sim complementá-lo. Se os programas forem projetados para competir, ou interpretados como concorrentes do Estado, então estarão de fato e implicitamente procurando substituí-lo, o que não é desejável, já que efetivamente legitimaria o estabelecimento de um segundo sistema de classes de justiça para as populações carentes (a menos que o sistema judiciário estatal formal tenha sido completamente desacreditado e não seja considerado uma opção viável).(51)

O acesso à justiça, compreende, então, o conjunto de ferramentas e de práticas ofertadas pelo Estado e pela sociedade à humanidade, de modo universal e materialmente igual, para a realização da justiça.

Notas do Autor
34 CAPPELETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Traduzido por Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988, p. 9.
35 “A justiça, como outros bens, no sistema do laissez-faire, só podia ser obtida por aqueles que pudessem enfrentar seus custos; aqueles que não pudessem fazê-lo eram considerados os únicos responsáveis por sua sorte. O acesso formal, mas não efetivo à justiça, correspondia à igualdade, apenas formal, mas não efetiva.” (Ibidem, p. 9).
36 Ibidem, p. 11-12.
37 “Perante o Judiciário, não parece verdadeiro que todos sejam efetivamente iguais. A partir da exigência de um profissional que a Constituição considera indispensável à administração da justiça – art. 133 – constata-se que o despossuído em regra não consegue se fazer representado por jusperito de talento. E se o Estado é obrigado a prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos – inciso LXXIV do art. 5.º da Constituição da República –, na prática o nomeado se desincumbe formalmente do encargo, longe de ombrear-se com o empenho do advogado constituído.
[...] Vastas camadas populacionais vêm sendo singelamente excluídas da justiça convencional. É raro o
comparecimento do favelado para pleitos típicos de uma cada vez mais reduzida classe média: são as ações edilícias, as concernentes às relações de família, de responsabilidade civil, dos vínculos de consumo. Em Estados desenvolvidos a comunidade dos consumidores é integrada por todos os habitantes.
Diversamente, num país como o Brasil, até a condição de consumidor é subtraída ao marginal – assim entendido o ser humano despossuído e em condições de misarabilidade total –, pois alheio ao processo de
mercado em que se envolvem apenas os fornecedores e a população economicamente ativa.” (NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. 2.ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 30-31).
38 CAPPELLETTI, Mauro. Trad. Tupinambá Pinto de Azevedo. Conferência proferida no Plenário da  Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul. Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre: Nova Fase, 1995, n. 35, p. 47.
39 Ibidem, p. 48-49.
40 “O princípio da isonomia oferece, na sua aplicação à vida, inúmeras e sérias dificuldades. De fato, conduziria a inomináveis injustiças se importasse em tratamento igual para os que se acham em  desigualdade de situações. A justiça que reclama tratamento igual para os iguais pressupõe tratamento desigual aos desiguais. Isso impõe, em determinadas circunstâncias, um tratamento diferenciado entre os
homens, exatamente para estabelecer, no plano fundamental, a igualdade. O imperativo do tratamento desigual dos que estão em situação desigual na medida em que se desigualam impõe, por exemplo, ao legislador o estabelecimento de leis especiais, que protejam determinadas categorias. Para isso, editamse
leis para amparar os economicamente fracos; os trabalhadores; os mal alojados; os inquilinos e assim por diante.” (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 1997, v. 1, p. 27).
41 DALLARI, Dalmo de Abreu. Constituição e Constituinte. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 14.
42 Democratização do acesso à justiça. Assistência Judiciária e Defensoria Publica. In JUSTIÇA: PROMESSA E REALIDADE: o acesso à justiça em países ibero-americanos. Organização Associação dos Magistrados Brasileiros, AMB; tradução Carola Andréa Saavedra Hurtado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996, p. 364.
43 “No Brasil, a falta de acesso à Justiça é um problema histórico. Somos um país politicamente autocrático, centralizador e elitista. Sofremos do mal da ausência de uma classe média significativa nos primeiros quatro séculos de nossa história, como também de um proletariado que se tenha organizado a
partir de suas raízes e por força de sua própria combatividade. Foi no século XIX que se deu a integração
do imigrante, a expansão da classe média nacional e o aparecimento dos primeiros segmentos do  proletariado com alguma significação. [...] Somos, portanto, um povo que fez sua história com escassa participação popular. Acostumamo-nos a aguardar sempre as decisões do Estado, vale dizer das elites dominantes.” (BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da realização do direito. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2001, p. 105-106).
44 “No Brasil, a triste constatação é a de que a pobreza aumenta progressivamente. Em 1988, a pobreza
absoluta atingia 32,5% da população, ou 44 milhões de habitantes. Por pobreza absoluta define-se a situação das pessoas com rendimento inferior a um quarto do salário mínimo, ou que vivem em famílias
com rendimento menor que um salário mínimo. No quesito distribuição de renda, ocupa o Brasil posição
desprivilegiada: “Nos países do Leste europeu e na URSS, os 10% bem aquinhoados são entre três e sete
vezes mais ricos que os 10% mais pobres. Nos países industrializados ocidentais, EUA, Reino Unido, inclusive países que os liberais brasileiros fingem tomar como paradigmas, aquela relação varia entre cinco e pouco mais do que 10. Os tigres asiáticos também não são muito selvagens: Japão, Hong-Kong,
Coréia e Taiwan apresentam distribuições tais que em nenhum deles os 10% mais ricos são mais do que
15 vezes mais ricos que os 10% mais pobres (no Japão essa relação é de cerca de seis vezes). Nos países
subdesenvolvidos da Ásia, essa relação varia entre 10 e 40, o mesmo acontecendo na África, com exceção da África do Sul e de sua região de influência onde esse fator chega a cerca de 60 vezes. Na América do Sul, excluindo o Brasil, é no Peru que a renda se mostra mais concentrada, onde os 10% mais ricos chegam a ser 50 vezes mais ricos: aqui os 10% mais ricos ganham cerca de 90 vezes mais do que os 10% mais pobres.” (MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Assistência Jurídica, Assistência Judiciária e Justiça Gratuita. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003, p. 2).
45 FALCÃO, Joaquim. Acesso à justiça: diagnóstico e tratamento. In JUSTIÇA: PROMESSA E REALIDADE: o acesso à justiça em países ibero-americanos. Organização Associação dos Magistrados Brasileiros, AMB; tradução Carola Andréa Saavedra Hurtado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996, p. 273-274.
46“Os tribunais devem manter serviço de atendimento facilitado, para fornecer informações sobre andamento de processos, sobre o endereço da assistência judiciária, sobre problemas jurídicos concretos
de toda ordem. E isso por meio de telefone, de fac-símile, de guichês com funcionários treinados e conscientes de que o povo é seu patrão. Somente o pobre brasileiro sabe explicar o quão é maltratado nas repartições públicas. O Judiciário poderia reverter esse quadro, desenvolvendo um programa de transparência, dando-se a conhecer ao cidadão através de ações de caráter essencialmente informativo.
Os tribunais e associações têm o dever de manter a população informada, divulgando os endereços dos foros, e dos organismos vinculados à realização da Justiça, os horários de realização das audiências, o funcionamento dos juizados especiais, e outros dados de interesse, inclusive prestando contas da produtividade do Judiciário. Projetos mais ambiciosos poderiam sugerir as Cartilhas da Cidadania, contendo o elenco dos direitos que consubstanciam o direito a ter direitos. Em linguagem acessível, de compreensão por qualquer do povo, com forma atraente e suscetível de operacionalização mediante recurso à prestigiada classe dos publicitários brasileiros. Não é demasia pensar-se em uma série de folhetos, sob a denominação ‘Eu e a Justiça’, subdividindo-se em ‘Eu e a Constituição’, ‘Eu e o Direito de
Família’, ‘Eu e o Direito de Propriedade’, ‘Eu e o meu emprego’, ‘Eu e o Direito Penal’, além de outros títulos. A denominação com ênfase no prenome pessoal da primeira pessoa tem o intuito de prestigiar a consciência da cidadania.” (NALINI, José Renato. Novas perspectivas no acesso à Justiça. Revista CEJ, Brasília, v. 1, n. 3, 1997, p. 63).
47 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro, op. cit., p. 57-58.
48 O acesso à justiça e soluções alternativas. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005, p. 132, 136 e 158.
49 Acreditamos que a valorização de mecanismos alternativos de resolução de conflitos não minimize o
Judiciário; ao contrário, o maximize, seja em razão do prestígio resultante da qualidade de parceiro ou coordenador dessas práticas complementares, sempre mais eficazes e menos dispendiosas, seja porque poderá prestar uma jurisdição formal mais célere e de melhor qualidade quando procurado a esse fim.
50 Entrevista concedida à Revista Consulex, Ano III, n. 32, ago. 1999, p.7, apud TORRES, Jasson Ayres, op. cit., p. 147.
51 SLAKMON, Catherine; MACHADO, Maíra Rocha; BOTTINI, Pierpaolo (Orgs.). Novas Direções na Governança da Justiça e da Segurança. Brasília-DF: Ministério da Justiça, 2006, p. 48-49.


Extraído da Coletânea de trabalhos de conclusão de curso apresentados ao Programa de Capacitação em Poder Judiciário - FGV Direito Rio. – Porto Alegre : Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Departamento de Artes Gráficas, 2009. Coletânea de Administração Judiciária, v. 5


Um comentário:

Anônimo disse...

Dr. Clodoaldo,

o Brasil, certamente, merece um destino melhor.

Não a Dilma!

Att.

Fernanda.