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23 junho 2009

CERTIDÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS DEVE SER GRATUITA


O promotor de Justiça André Luis Alves de Melo ingressou com pedido no CNJ contra o Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais, que exigia o pagamento de taxa no valor de R$ 4,88 para emitir certidão de antecedentes criminais.


O membro do MP, em sua postulação, assentou que a maioria dos tribunais brasileiros não cobra taxa para expedir tal certidão e que essa exigência dificulta o exercício de ampla defesa, de vez que não há como pagar a taxa durante a noite ou em finais de semana e feriados. Pleiteou também que fosse permitida a consulta do processo pelo nome da parte no site do tribunal.


Acompanhando o voto do Ministro-relator, conselheiro Oreste Delazen, o CNJ, acolheu parcialmente o pedido, vencido o conselheiro Rui Stocco, para determinar que o tribunal forneça gratuitamente a certidão de antecedentes e negar a publicação do nome da parte, porquanto o tribunal já disponibiliza outras informações como o número do processo, o número do militar e o número de inscrição do advogado na OAB.


Embora a decisão tenha sido prolatada em face do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais, ela vale para todos os tribunais sob a jurisdição do CNJ.


Com informações do Conjur.


Leia abaixo, o voto do ilustre relator.


Conselho Nacional de Justiça

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO Nº 200910000008379

RELATOR : CONSELHEIRO MINISTRO JOÃO ORESTE DALAZEN

REQUERENTE : ANDRÉ LUÍS ALVES DE MELO

REQUERIDO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA MILITAR DE MINAS GERAIS

ASSUNTO : TJM/MG - CERTIDÃO – ANTECEDENTES CRIMINAIS – GRATUIDADE - LEI 9265/96 – ARTIGO 5º - INCISO LXXVII - CONSTITUIÇÃO FEDERAL - EMISSÃO - INTERNET – ACOMPANHAMENTO - PROCESSUAL - NOME – PARTE

CERTIDÃO. ANTECEDENTES CRIMINAIS. COBRANÇA DE TAXA. INCONSTITUCIONALIDADE. CONSULTA PROCESSUAL EM PÁGINA ELETRÔNICA DE TRIBUNAL. NOME DA PARTE. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE.

1. A cobrança de taxa judiciária por Tribunal para expedição de certidão de antecedentes criminais, ainda que excluídos os beneficiários de justiça gratuita, ofende o art. 5º, inciso XXXIV, “b”, da Constituição Federal. A norma constitucional concede isenção, indistintamente a todos, para obtenção de certidão que vise à defesa de direitos ou esclarecimento de situação de interesse pessoal.

2. Não compromete o princípio da publicidade a circunstância de o Tribunal não permitir consulta processual em sua página eletrônica pelo nome da parte, se tal consulta está disponibilizada por outros meios, como o número do processo, o número do militar ou o número de inscrição na OAB de advogado constituído pela parte.

3. Pedidos formulados em Procedimento de Controle Administrativo que se julgam parcialmente procedentes para determinar ao Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais que se abstenha de cobrar taxa judiciária para emissão de certidão quando requerida para defesa de direitos ou esclarecimento de situação de interesse pessoal do respectivo requerente.

Cuida-se de Procedimento de Controle Administrativo em que o Exmo. Sr. André Luís Alves de Melo, Promotor de Justiça em Minas Gerais, questiona a cobrança de taxa para emissão de certidão de antecedentes criminais pelo eg. Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais.

O Requerente alega que a maioria dos Tribunais brasileiros não cobra a mencionada taxa e que o respectivo pagamento dificultaria “até mesmo pedido de liberdade provisória, afinal não há como pagar a mesma durante a noite e finais de semana”.

Afirma, ainda, que o eg. TJM/MG, em sua página eletrônica, não possibilita o acompanhamento processual pelo nome da parte, dificultando a análise da situação de militares, em especial no interior do Estado.

Ao final, postula a concessão de liminar para que se determine ao Requerido “a suspensão da cobrança da taxa para emissão” de certidão de antecedentes criminais. No mérito, pede a confirmação da liminar e que o eg. TJM/MG possibilite a emissão de certidão de antecedentes criminais pela internet, bem assim o acompanhamento processual pelo nome da parte.

Indeferi o pedido de liminar, ante a ausência de periculum in mora.

Em suas informações, o eg. Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais argumenta que a cobrança de taxa judiciária para a emissão de certidão encontra previsão expressa na legislação tributária do Estado de Minas Gerais (Lei Estadual nº 6.763/1975, art. 4º, inciso IV) e na Lei de Organização Judiciária local (Lei Complementar Estadual nº 59/2001, art. 235).

Sustenta que a cobrança da taxa em referência limita-se apenas às ações judiciais cíveis que envolvem atos disciplinares, não se estendendo aos processos de natureza criminal. Não se exige a mencionada taxa, igualmente, nas hipóteses em que o militar for beneficiário da justiça gratuita.

Informa, por fim, que “o sítio eletrônico do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais disponibiliza a consulta

pelo número do militar, pelo número do processo e pelo número do advogado constituído pela parte, em relação aos processos judiciais instaurados, não havendo qualquer prejuízo ao militar acusado ou à sociedade”.

É o relatório.

Como visto, no presente procedimento o Requerente insurge-se contra: a) a cobrança de taxa judiciária para

emissão de certidão de antecedentes criminais pelo eg. TJM/MG; b) a não disponibilização da mencionada certidão via internet; e c) a impossibilidade de acompanhamento processual, pelo nome da parte, na página eletrônica do eg. TJM/MG.

Inicialmente, releva ressaltar que, ao contrário do que se afirmou nas informações do eg. TJM/MG, exige-se o pagamento de taxa judiciária para a expedição de certidões tanto em ações judiciais cíveis de natureza disciplinar como nos processos criminais.

Com efeito, na seção da página eletrônica do eg. TJM/MG que dispõe sobre “como obter a certidão criminal na Justiça Militar estadual”, não há distinção entre os processos disciplinares e os de natureza criminal.

Transcrevo, a propósito, excerto do mencionado documento:

“A solicitação de certidão de antecedentes criminais na Justiça Militar de Minas Gerais pode ser feita:

[...]

No momento da solicitação, o interessado deverá:

a) informar o nome e a filiação da pessoa para quem a certidão deve ser fornecida, bem como a finalidade a que se destina (reciclagem em curso de vigilante, instrução processual, promoção na PMMG ou no CBMMG, concurso, obtenção de porte de armas, despachante aduaneiro, BHtrans, etc.);

b) apresentar o comprovante do pagamento do valor da certidão ou a declaração de pobreza.

Serão isentos do pagamento da certidão aqueles que, por escrito, declararem-se pobres, sujeitando-se o declarante às sanções civis, administrativas e criminais previstas na legislação pertinente, caso a declaração seja comprovadamente falsa, nos termos da Lei nº 7.115, de 29 de agosto de 1983.” (Consultado em: www.tjm.mg.gov.br, grifo nosso).

Igualmente, em contato telefônico com servidor do Tribunal Requerido realizado no dia 5/5/2009, confirmou-se a cobrança da taxa judiciária no valor de R$ 4,88 (quatro reais e oitenta e oito centavos) para a expedição de certidão de antencedentes criminais, conforme certificado no documento “CERT13”.

Reza o art. 5º, inciso XXXIV, da Constituição Federal a propósito do direito de certidão:

“XXXIV — são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

[...]

b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;” (grifo nosso)

Como se vê, a Constituição Federal situa na seara dos direitos individuais a garantia do livre acesso às certidões emitidas por órgãos públicos para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal.

Visando ao pleno exercício do direito à obtenção de certidão, a norma constitucional em referência institui nítida imunidade tributária que impossibilita os entes políticos de criarem tributo, na modalidade de taxa, para incidir sobre a emissão de certidões.

Cumpre realçar que o direito de se obter gratuitamente certidões de órgãos públicos não está condicionado à situação financeira ou social do beneficiário. De fato, o dispositivo constitucional em referência não limita a gratuidade das certidões apenas aos reconhecidamente pobres ou aos beneficiários da justiça gratuita, como ocorre no âmbito do eg. TJM/MG.

Penso, ademais, que a circunstância de a taxa ora impugnada estar prevista em lei estadual não legitima sua cobrança, uma vez que viola garantia expressamente prevista no texto constitucional. Aliás, é pacífico no Conselho Nacional de Justiça o entendimento de que se deve afastar a incidência de lei estadual quando incompatível com a Constituição Federal.

O Excelso Supremo Tribunal Federal já se pronunciou no sentido de que viola o art. 5º, inciso XXXIV, da CF/1988 a cobrança de taxa para emissão de certidão por órgãos públicos,em decisão do seguinte teor:

“- Ação Direta de Inconstitucionalidade. Artigo 178 da Lei Complementar nº 19, de 29 de dezembro de 1997, do Estado do Amazonas. Extração de certidões, em repartições públicas, condicionada ao recolhimento da ‘taxa de segurança pública’. Violação à alínea ‘b’ do inciso XXXIV do art. 5º da Constituição Federal. - Ação julgada procedente.” (STF, ADIN 2.969-0-AM, Tribunal Pleno, Rel. Ministro Carlos Ayres Britto, j. 29/3/2007, DJ 22/6/2007, pg. 16, grifo nosso)

Registre-se, todavia, que a regra constitucional sob exame limita a gratuidade na emissão de certidões às hipóteses em que o requerente visa à defesa de direitos ou ao esclarecimento de situação de interesse pessoal.

HELY LOPES MEIRELLES leciona, a propósito:

“O fornecimento de certidões, ‘independentemente do pagamento de taxas’, é obrigação constitucional de toda repartição pública, desde que requerido pelo interessado para defesa de direitos ou esclarecimento de situações de interesse pessoal (CF, art. 5º, XXXIV, ‘b’). Por repartição pública entende-se qualquer das entidades estatais, autárquicas, fundacionais ou paraestatais integrantes da Administração direta ou indireta do Estado, em acepção ampla.” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro 35ª edição. São Paulo: Malheiros, 2009, pg. 196, grifo nosso)

No mesmo sentido decidiu o Conselho Nacional de Justiça quando do julgamento conjunto dos Pedidos de Providências nos 415 e 721, ambos de relatoria do ilustre Conselheiro Rui Stoco, em ementa do seguinte teor:

“PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. SERVIÇO DE DISTRIBUIÇÃO DE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DE EXPEDIÇÃO DE CERTIDÕES CÍVEIS E CRIMINAIS. COBRANÇA PELA EXPEDIÇÃO DE CERTIDÕES. CF/88, ART. 5º, XXXIV, ‘B’. GRATUIDADE ESTABELECIDA EM CARÁTER PESSOAL. – Segundo a dicção do art. 5º, XXXIV, ‘b’ da Constituição Federal o direito de obter certidão é geral e universal; todavia o direito de obter certidão gratuitamente é individual e pessoal. A regra do art. 5º, inciso XXXIV da Lei Maior revela que a gratuidade não é regra absoluta. Só se beneficiam dela quando destinada à defesa de direitos ou ao esclarecimento formal de situações peculiares e individualizadas ou, como diz o preceito, a ‘situações de interesse pessoal’” (CNJ, PP 415 e PP 721, Rel. Cons. Rui Stoco, 54ª Sessão, j. 18/12/2007, DJU 8/2/2008, grifo nosso)

Nesse contexto, entendo que o art. 5º, inciso XXXIV, “b”, da CF/1988 assegura a gratuidade na obtenção de certidões de órgãos públicos, desde que se destinem à defesa de direitos ou ao esclarecimento de situações de interesse pessoal do requerente.

No tocante à disponibilização de certidão de antecedentes criminais via internet, penso, data venia, que se trata de matéria de economia interna dos Tribunais, nos termos do art. 96, inciso I, da Constituição Federal.

Por sua vez, não diviso violação do princípio da publicidade no que concerne à forma de consulta processual na página eletrônica do eg. TJM/MG, uma vez que há a possibilidade de se consultarem processos pelos respectivos números, pelo número do militar ou pelo número de inscrição na OAB do advogado constituído pela parte.

Ante o exposto, conheço dos pedidos formulados no presente Procedimento de Controle Administrativo e, no mérito, julgo-os parcialmente procedentes para determinar ao eg. Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais que se abstenha de cobrar taxa judiciária para emissão de certidão quando requerida para defesa de direitos ou esclarecimento de situação de interesse pessoal do respectivo requerente. Determino, ainda, que o eg. TJM/MG retifique as informações constantes na página eletrônica acerca da expedição de certidões, adequando-as aos termos desta decisão.

É como voto.

Brasília-DF, 9 de junho de 2009.

Ministro JOÃO ORESTE DALAZEN

Conselheiro Relator

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