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09 dezembro 2009

A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA (3)


Parte 3/3-Final




Roger Stiefelmann Leal
Doutorando em Direito pela Universidade de São Paulo. Professor da Faculdade de Direito da Ritter dos Reis.

IV. Conclusões

Caminha-se, hoje, a passos largos, em direção ao que Loewenstein (35) chamou de judiocracia. Cada vez mais tem-se visto o Poder Judiciário interferir nos rumos políticos traçados pelos outros poderes sem possuir, na maioria dos casos, legitimidade democrática para tanto. Se se outorga o direito aos tribunais de frustrar uma decisão política do governo e do parlamento, ameaça o perigo de que, ou bem a decisão do tribunal não seja respeitada - com prejuízo para o Estado de Direito - , ou bem a decisão política do governo seja substituída por um ato judicial que, ainda que revestido jurídico-constitucionalmente, não é, no fundo, senão um ato político de pessoas que não têm nenhum mandato democrático para levar a cabo essa função (36). Sem controles realmente eficazes, as decisões judiciais vêm progressivamente inovando em seu conteúdo, devido ao grau elevado de discricionariedade que adquiriram através da nociva ambigüidade dos textos legais, bem como ao significativo aumento da esfera de poder conferido aos órgãos jurisdicionais.

As decisões proferidas em sede jurisdicional encontram-se motivadas cada vez mais por finalidades e conseqüências práticas a serem atingidas, o que denota o seu grau de politização, do que por argumentações decorrentes de premissas juridicamente aceitas (os critérios de aplicação do direito previstos em lei e nos precedentes jurisprudenciais) que caracterizam uma decisão de cunho mais técnico (37).

Todavia, as decisões proferidas pelos órgãos jurisdicionais, de modo a fazer prevalecer os princípios da igualdade, da segurança jurídica e da unidade do direito acima referidos, teriam de ser, na medida do possível, estritamente técnicas, observadas as regras de aplicação do direito exigidas pelo ordenamento. A realidade mostra, no entanto, que tais regras de aplicação não têm prevalecido nas decisões judiciais (38), o que motiva a propositura de novos mecanismos que têm por finalidade disciplinar o processo decisório dos órgãos jurisdicionais (39). Dir-se-á, entretanto, que a inventividade do juiz é um dos elementos responsáveis pelo desenvolvimento do direito. Contudo, impõe-se a necessidade de que casos iguais sejam resolvidos da mesma forma, de modo a observar, principalmente, o princípio da igualdade e da segurança jurídica. A limitação da criatividade judicial é, ao contrário do que pensam alguns, saudável à democracia e ao Estado de Direito. Mostra-se ainda muito atual a lição ministrada por Montesquieu no sentido de que se o poder de julgar estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria o legislador. (40)

Indubitavelmente, uma nova mudança na coordenação existente entre os poderes tem ocorrido nos últimos tempos. O Poder Judiciário vem assumindo a hegemonia no arranjo político-institucional delineado pelo constitucionalismo contemporâneo. A preeminência, que na visão clássica da separação dos poderes era do Poder Legislativo e passou, devido ao aparecimento do Welfare State, para o Poder Executivo, encontra-se atualmente nas mãos do Poder Judiciário. Entretanto, a supremacia jurisdicional que se vive nos dias atuais parece alcançar dimensões não concebidas outrora em relação ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo. O modelo principiológico adotado pelo Welfare State, aliado ao vultoso número de funções conferidas ao Poder Judiciário, admitiu uma estrutura constitucional onde a decisão judicial passou a ter poderes nunca antes imaginados.

Notas do Autor:
(35) Cf. op.cit., p.325.
(36) Cf. Karl Loewenstein, op.cit., p.325.
(37) Cf. Ignacio de Otto, op.cit., p.289.
(38) Sintoma flagrante de tal fenômeno é o movimento de juízes que propugna pelo “uso alternativo do direito”.
(39) As freqüentes propostas de instituição de instrumentos como o controle externo da magistratura e as súmulas vinculantes são exemplos flagrantes de um pretenso enrigessimento do processo decisório.
(40) Cf. op.cit., p.172.

V. Bibliografia

CAPPELLETTI, Mauro, Juízes Legisladores?. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1993.
FAVOREU, Lois, Los Tribunales Constitucionales. Barcelona, Ariel, 1994.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio, “O Judiciário frente à divisão dos poderes: um princípio em decadência? ”, Revista Trimestral de Direito Público nº 9.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Saraiva, 21ª edição, 1994.
__________, Do Processo Legislativo. São Paulo, Saraiva, 1995, 3ªed.
__________, Estado de Direito e Constituição. São Paulo, Saraiva, 1988.
GRINOVER, Ada Pellegrini, “A crise do Poder Judiciário”, O Processo em Evolução. Rio de Janeiro, Forense Universitária,1996.
LESSA, Pedro, Do Poder Judiciário. São Paulo, Francisco Alves, 1915.
LOEWENSTEIN, Karl, Teoria de la Constitución. Barcelona, Ariel, 1970, 2ªed.
MEDAUAR, Odete, Controle da Administração Pública. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1993.
MENDES, Gilmar Ferreira, Jurisdição Constitucional. São Paulo, Saraiva, 1996.
MONTESQUIEU, O Espírito das Leis. Martins Fontes, 1993, p.171.
OTTO, Ignacio de, Derecho Constitucional - Sistema de fuentes. Barcelona, Ariel, 1987.
SCHLAICH, Klaus, “El Tribunal Constitucional Federal Alemán”, Tribunales Constitucionales Europeos y Derechos Fundamentales. Madrid, Centro de estudios constitucionales, 1984.
VILANOVA, Lourival “A Dimensão Política nas Funções do Supremo Tribunal Federal”, Arquivos do Ministério da Justiça nº 154.

Extraído do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFRGS

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