Translate

15 setembro 2008

UNIÃO HOMOAFETIVA – PARTE 1

É POSSÍVEL REQUERER UNIÃO ESTÁVEL HOMOSSEXUAL EM JUÍZO

O brasileiro Antonio Carlos Silva e o canadense Brent James Townsend, embora casados legalmente no Canadá, ingressaram com uma ação de reconhecimento de união estável na 4ª. Vara de Família de São Gonçalo, RJ, afirmando que vivem juntos há quase 20 anos de forma contínua e pública e que desejavam o reconhecimento de união estável com o objetivo de obter visto permanente para o canadense e fixar residência definitiva no Brasil. O processo foi extinto sem julgamento de mérito. Inconformados, os requerentes apelaram para o TJRJ, que manteve a decisão de primeira instância, com o fundamento de que inexiste previsão legal para tal pedido na legislação brasileira. Em seguida, interpuseram recurso especial ao STJ.

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça por diferença mínima de votos (três votos a favor e dois contra) deu provimento ao recurso especial para admitir a possibilidade jurídica do pedido formulado. O voto desempate do ministro Luis Salomão, acompanhando o relator, ministro Pádua Ribeiro (aposentado recentemente), foi no sentido de que só ocorre a impossibilidade jurídica de um pedido quando há proibição legal expressa, o que não ocorre na hipótese examinada. O processo (Resp 820475) retornará à Vara de origem para julgamento do mérito, ou seja, se é possível reconhecer a união estável entre pessoas do mesmo sexo.

A decisão traz duas conseqüências práticas: a primeira é que a questão da homoafetividade passa a ser apreciada em Vara de família e, a segunda, que é possível requerer o reconhecimento de união estável homossexual em juízo. Com a disseminação dessa informação, a avaliação do blog é que haverá, por certo, em breve, mais uma enxurrada de ações no judiciário.

A opinião do blog quanto ao mérito do julgamento é a mesma que consta da segunda parte do título desta postagem, ou seja, nem casamento nem união estável podem ser admitidos entre casais do mesmo sexo enquanto não modificada a redação do art.226, § 3º da Constituição Federal.
Esta também é a posição do respeitado professor Álvaro Vilaça em entrevista concedida à Agência Brasil. O ilustre professor da USP disse expressamente que a decisão do STJ vai exigir mudança na lei “Porque a união estável, na lei, só é admitida entre homem e mulher”.

Porém, pelo andar da carruagem, querem botar o carro na frente dos bois...

4 comentários:

Anônimo disse...

Ninguém merece... é o Judiciário querendo dar uma de legislador só pra chamar atenção... Só falta alegar ser caso de analogia in bonam partem!!!
Palpiteira.

Anônimo disse...

Muito bom, palpiteira.
Muito interessante e perspicaz, como sempre, sua observação.
Klodin

Anônimo disse...

Levar uma pretensão ao Judiciário em busca da solução de um litígio ou da declaração acerca de um direito acerca do qual haja lacunas legais, não é apenas possível, como desejável. A questão relativa às relações homoafetivas que, curiosamente, ainda desperta reações irracionais e preconceituosas, é um imperativo sócio-jurídico, a menos que se queira adotar como filosofia de vida a de S. Exª, o Presidente da República, Luiz Não-sei-de-nada Inácio da Silva. Os relacionamentos homossexuais, ou homoafetivos, não são novidade para ninguém, tampouco o seu crescimento no seio da sociedade. Causa perplexidade que o Direito ainda não tenha se ocupado do tema para regulamentá-lo, como se negando o fato, deixasse de existir. Acho que esse grupo, assim como tantos outros que vivem à margem da proteção mínima pelo Estado, merece ter sua situação devidamente regulamentada, regulada e disciplinada. Entendo que, na lacuna legal, há que se recorrer à tábua axiológica constitucional, a fim de resolver esses casos e,assim agindo, o Judiciário não estará usurpando o dever precípuo do legislativo, estará honrando a sua função social. Não vejo qualquer afronta a lei, se a um par de homossexuais forem concedidos os mesmos direitos e exigidos os mesmos deveres como ocorre nas uniões estáveis estabelecidas entre pessoas de gênero diferentes, até porque decisão dessa natureza, antes de tudo, estaria dando vida aos valores constitucionais sobre os quais pretendemos erigir o estado democrático de direito. Do cotejo entre a interpretação literal e gramatical do texto infraconstitucional, e a hermenêutica integrativa de valores, opto por esta, até porque privilegia a aspiração mundial segundo a qual o Direito não pode se contentar com o legal (positivismo clássico), há que se empenhar na concretização do justo e, justo é que essa chamada minoria tenha os seus direitos fundamentais à igualdade, dignidade humana, acesso pleno às políticas públicas etc. amparados.
Não cocordo somente com a confusão estabelecida que coloca sob o amparo das disposições inerentes às uniões estáveis, a este título, toda forma de arranjo sócio-afetivo. É preciso que as situações sejam individualizadas e tratadas como categorias autônomas. À falta de compreensão de conceitos jurídicos, temos experimentado o pânico da insegurança jurídica, dado que sujeitos a juízos solipcistas, personalistas de julgadores que buscam na intimidade de seus secretos conceitos, preconceitos, valores e achismos, a decisão que consideram melhor para a questão. A sociedade precisa de mais que isso, precisa que os valores eleitos pela sociedade e inscritos como preceitos fundamentais na CRFB, sejam estudados, compreendidos e aplicados, afastando definitivamente a possibilidade dos juízos salomônicos, políticos ou personalistas. Não entendo a surpresa de alguns "operadores do Direito" diante de uma prática secular em nosso sistema de interpretação e aplicação do direito, qual seja a de buscar nos princípios gerais do Direito, na analogia e nos costumes, a solução para as questões nebulosas, vítimas de lacunas legais. Espero que na esteira da regulamentação das relações homoafetivas, venha a da prostituição, da bio-pirataria, dentre tantas outras.
Sugiro para os mais pudicos a leitura da recentíssima obra “Manual da Homoafetividade: Da Possibilidade Jurídica do Casamento Civil, da União Estável e da Adoção por Casais Homoafetivos”, pela Editora Método, do jovem advogado Paulo Roberto Iotti Vecchiatti,Especialista em Direito Constitucional pela PUC/SP, prefaciado pela Des. Maria Berenice Dias (a propósito, se interessar, posso postar aqui, o referido prefácio). Encerro o meu modesto palpite com um apelo aos operadores e estudiosos do Direito: duvidem, duvidem sempre de seus dogmas! Estejam certos que da dialeticidade do Direito há de resultar uma sociedade melhor, mais humana e fraterna, aliás, como quer a Constituição.

Anônimo disse...

O substancioso comentário, que muito honra o blog, tem inteira pertinência e se sustenta na mais moderna hermenêutica traduzida por seu ilustre autor.
Contudo, tenho dúvida de que a sociedade brasileira, constituída de absoluta maioria cristã, já esteja pronta a aceitar a equiparação de tais relacionamentos com o casamento.Esse é ponto nodal.
Penso que a questão se resolveria sim pela via legislativa com a instituição da união civil, projeto que tramita preguiçosamente no congresso e que retomarei a ele em novo post.
Klodin