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07 junho 2010

A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DA FAMÍLIA NOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA-1

Parte 1/3




Lourival Serejo
Desembargador do TJMA; Diretor da Escola Superior da Magistratura do MA; Membro do IBDFAM.



RESUMO: Busca-se, neste trabalho, destacar a tendência do constitucionalismo português que assinale o grau de semelhança na contemplação dos institutos de Direito de Família, no atual estágio de evolução, entre os países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa. Pretende-se demonstrar a semelhança que há entres as diversas constituições quanto aos institutos modernos do Direito de Família, a partir da matriz constitucional que foi a Constituição da República Portuguesa, norteadora das demais Cartas. A comparação entre os preceitos constitucionais dos oito países que formam a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa é indispensável para avaliar-se as conclusões aqui expostas no que se refere ao Direito de Família e seus institutos, tudo sob o prisma da Lei Maior de cada país.

PALAVRAS-CHAVE: Família e Constituição. Países de Língua Portuguesa. Institutos de Direito de Família. Constituições. Comparação.


1 Introdução

Pretende o presente trabalho destacar o tratamento que a família vem recebendo nas constituições dos países de língua portuguesa. A motivação para esta pesquisa deveu-se à busca da identidade e do pensamento constitucional entre os diversos países que tiveram um passado histórico com muitos pontos em comum, mesmo diante da diversidade econômica e cultural atualmente existente.

Não se trata de um estudo profundo, com divagações doutrinárias e invocação de teorias diversas. Aborda-se, com objetividade e concisão, um tema que, por si só, impõe-se pela sua importância e oferece ao estudioso do Direito de Família uma visão comparada que certamente despertará sua curiosidade.

O conjunto dos países lusófonos são oito: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. A população desses países é de mais de 230 milhões de habitantes, distribuídos nos seguintes continentes: América, Europa, África e Ásia/Oceania.

Com essa diversidade geográfica, poder-se-ia esperar posições acentuadamente opostas quanto à preocupação com a família, sua organização e seus membros, mas o que se percebe é a sintonia de propósitos em favor de melhor protegê-la. A língua e o direito aproximam-se para assinalar uma identidade de objetivos a favor da família.

Outro ponto que une atualmente esses países é a ausência de governos ditatoriais. Todos são autônomos e adeptos do Estado democrático de direito. É esta a razão – diz Canotilho – que nos permite dizer que nos países membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) se descortina progressivamente uma razão pública tendente à realização de uma coletividade política de cidadãos iguais, regidos por uma constituição e por leis legitimadoras de instituições políticas básicas 1.

Exclui-se da abrangência deste estudo, as partes referentes à criança, ao adolescente e ao idoso, as quais, embora integrantes da família, reclamam uma atenção mais especializada.

2 A Família nas Constituições

A família tornou-se, nas últimas décadas, alvo de maior preocupação do Estado, mesmo considerando as características das atuais relações familiares, sob influência do individualismo da pós-modernidade.

A princípio, a família era tratada timidamente pelas constituições, que se limitavam a prever o casamento indissolúvel como único modo de constituir uma família, e generalidades que não se concretizavam.

O Código Civil abrigava todas as normas relativas ao Direito de Família como o verdadeiro estatuto do cidadão. O modelo maior dos códigos civis era o Código de Napoleão, com seus velhos conceitos de filhos ilegítimos e naturais, pátrio poder, presunção legal de paternidade, chefia da sociedade conjugal pelo marido etc.

Com a mutação crescente da sociedade, a partir da década de sessenta, do século XX, a família mereceu mais atenção. Desmistificou-se a ideia de instituição em favor da valorização individual de cada um dos seus componentes e assentou-se a isonomia dos cônjuges e a igualdade dos filhos como novos paradigmas. Nesse ritmo de evolução, abandonou-se a estrutura da família patrimonializada, hierarquizada e procriativa e a família passou a ser contemplada pelos princípios constitucionais que recuperaram sua dignidade.

A democratização da família levou à consciência de que o respeito pela função de cada membro é fator que efetivamente garante mais autenticidade nas relações familiares e mais consideração pela dignidade das pessoas. Espaço de democracia e afeto, essa é a nova família que se impôs.

3 A Constitucionalização do Direito de Família

Com a mudança dos tempos e a efetivação dos direitos fundamentais, outros valores mais altos se levantaram para além dos horizontes estreitos da Taprobana. Entre nós, a Carta Política de 1988 representou a positivação das novas conquistas sociais. Em todas as relações pessoais, agora, se sobressai a preocupação com a dignidade da pessoa humana, erigida como fundamento do Estado democrático de direito, logo no primeiro artigo da nossa Constituição (art. 1º, III), impondo, assim, sua exigibilidade imediata e efetiva.

Antes, em 1976, Portugal promulga sua constituição compromissória que serviu de inspiração para os povos de língua portuguesa. Sobre essa Carta Republicana, manifestou-se o eminente constitucionalista Jorge Miranda:

"A Constituição de 1976 é a mais vasta e a mais complexa de todas as Constituições portuguesas – por receber os efeitos do denso e heterogêneo processo político do tempo da sua formação, por aglutinar contributos de partidos e forças sociais em luta, por beber em diversas internacionais ideológicas e por reflectir (como não podia deixar de ser) a anterior experiência constitucional do país." 2

A constitucionalização dos principais institutos do Direito de Família representou um avanço e um novo respaldo à importância que a matéria reclamava para sua maior expansão. Expressa, ainda, a sensibilidade que o constituinte teve ao perceber a evolução das relações sociais e o próprio dinamismo das relações familiares, pontos materiais básicos de qualquer constituição.

Ao ter seus pilares principiológicos no texto constitucional, o Direito de Família fortaleceu-se ainda mais, inspirando decisões justas em respeito à dignidade de cada cidadão e aos direitos de sua personalidade 3.

Nossa Constituição preocupou-se em contemplar no seu texto os principais institutos do Direito de Família. Além da própria família e do casamento, presentes em todas as constituições anteriores, temos: a união estável, a entidade familiar, a igualdade dos cônjuges, a igualdade dos filhos, o divórcio, o planejamento familiar, o Estado e a assistência à família. Os demais institutos, não referidos expressamente, estão abrigados sob o princípio da dignidade da pessoa humana, pedra angular de toda visão no atual Direito de Família.

A previsão no texto constitucional desses institutos trouxe ao Direito de Família uma potencialidade inquestionável, em favor da família e seus integrantes.

Assentou-se, com ênfase, a responsabilidade do Estado em garantir à família políticas públicas em favor do planejamento familiar, saúde, idosos, educação e demais atos relativos à assistência familiar.

Notas do Autor:

1 - CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 236.

2 - MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 4. ed. Tomo I. Portugal: Coimbra Editora, 1990. p. 347.
3 - SEREJO, Lourival. Direito Constitucional da família. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 21.

Extraído de Editora Magister/doutrina

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