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17 junho 2010

AFETIVIDADE COMO FUNDAMENTO NA PARENTALIDADE RESPONSÁVEL-4

Parte 4-Final



Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat Cabral
Advogada; Doutoranda em Ciências Jurídicas; Especialista em Direito Privado, em Direito Público e em Educação; Professora.


5 Conclusão

A Família contemporânea, estruturada sobre a sólida base da afetividade, deixa de ser uma instituição que visa a proteger o grupo formado por seus membros para se tornar um ambiente propício às manifestações dos direitos inerentes à personalidade, ao desenvolvimento das potencialidades de cada um e às diferenças individuais. Ademais, ela promove um alargamento de possibilidades, sonhos e ideais de cada uma das pessoas que a integram e nela interagem.

Consagrado o princípio da dignidade da pessoa humana e a consequente constitucionalização do Direito Civil, os direitos da personalidade se revestem de especial importância, passando a merecer incomparável tutela jurídica. O afeto se transforma em um divisor de águas, e como valor, não apenas jurídico, mas sob a refinada ótica da Psicologia, passa a definir relações e responsabilidades.

O respeito, como decorrência do afeto, torna-se fundamental para que as pessoas se sintam amadas na dinâmica das relações familiares – um respeito que se materializa não somente na criação, no desenvolvimento e na manutenção de laços afetivos capazes de fortalecer tais relações, mas ainda nas diversas manifestações de cuidado que se traduzem no zelo, na proteção e na dedicação entre seus membros.

O respeito aponta, ainda, para uma espécie de responsabilidade firmada sobre a afetividade e compreendida do ponto de vista da promoção do bem comum, do empreendimento de todos os esforços para a consecução de satisfação pessoal; por conseguinte, o compromisso com a boa formação do caráter e o desenvolvimento de potencialidades permitem aos membros da família enfrentar as diferentes situações de vida com equilíbrio e segurança, o que se traduz na expressão Parentalidade Responsável.

Os laços afetivos construídos sobre o princípio constitucional da solidariedade emprestam aos membros da família uma nova perspectiva, uma solidariedade familiar, consubstanciada no cuidado e na reciprocidade do cotidiano entre pessoas que se relacionam na dinâmica do lar.

Nesse ambiente, a afetividade faculta a superação das dificuldades e fomenta o amor e o respeito entre os membros da família, que somente por fortes motivos permanecem juntos: porque se encontram ligados pelos sólidos vínculos afetivos – elos capazes de construir pontes sobre as diferenças individuais e fortalecer a família através do exercício diário de condutas promotoras de ajustamento coletivo e, ao mesmo tempo, de questões individuais, pessoais dos componentes da entidade familiar, promovendo ali a concretização da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Somente assim se realiza o direito nesse espaço: transcendendo o limite das páginas da Constituição e do Código Civil e materializando-se na vida real; assoprando-lhe fôlego de vida, imprimindo-lhe existência no mundo fático.

O homem, que é por excelência ser social, necessita desenvolver a afetividade para melhor se relacionar com seus semelhantes. Assim, estabelecer e estreitar laços afetivos é completamente indispensável à salutar convivência em família, que é o primeiro núcleo afetivo que as pessoas conhecem. Depende, fundamentalmente, de cada pessoa respeitar os limites e os direitos dos demais membros da família.

Mister que se enfatize a relevância de cativar o outro no contexto das relações familiares, no sentido de estabelecer vínculos afetivos, fator indispensável à saudável formação da personalidade, pois as pessoas têm necessidade de se sentirem amadas. Na família, a pessoa vivencia as primeiras demonstrações de amor, de afeto, de respeito. Nela, procura-se, também, refrigério para as muitas lutas que se enfrenta fora do ambiente do lar – locus onde se renovam as forças que se fazem indispensáveis à recomposição das energias para prosseguir.

Procurou-se realçar a importância de se estabelecer laços afetivos, remetendo-se às ricas lições de vida contidas em O Pequeno Príncipe, especialmente quando de seu encontro com a raposa. Desse episódio, abstrai-se enorme sensibilidade, ao conversarem sobre uma gama de valores, por ela evidenciados no diálogo entre eles travado: ao lhe falar necessidade de "criar laços", de cativar; ao lhe confessar seus temores em relação aos caçadores; ao realçar a satisfação de suas necessidades básicas como encontrar galinhas objetivando saciar a fome; ao ensinar de nobres sentimentos como "só se vê bem com o coração" e que "o essencial é invisível para os olhos", destacando que os sentimentos mais sublimes não se curvam à razão do mundo sensível, mas são inerentes à esfera dos mais íntimos sentimentos que residem no coração e perceptíveis somente através de um olhar extra-sensível.

Saliente-se ainda a importância da tutela da confiança no Direito de Família. É indispensável que haja entre os parentes a segurança de se amar e se respeitar reciprocamente e de que nenhum deles seja capaz de praticar atos que venham violar essa certeza. Nesse ambiente de bem-querer não há espaço para comportamento diverso de cuidado e respeito. Isso porque a vedação do comportamento contraditório extrapola a teoria contratual e passa a permear as relações familiares, impondo que as pessoas com quem se divide o espaço mais íntimo não venham a praticar condutas capazes de surpreender negativamente as que convivem com boa-fé, manifestada nas condutas positivas que se espera daqueles a quem se ama.

Por fim, enfatiza a raposa a mais nobre lição de vida, objeto deste trabalho, que sem dúvida aponta para uma responsabilidade tal como a que deve ser verificada nas relações familiares, demonstrando que cativar sinaliza um compromisso que não se resume ao tempo presente, mas capaz de vincular as pessoas de forma duradoura: "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas".

Os laços afetivos estabelecem, de fato, responsabilidades perenes, como se salientou, em três dimensões: pessoais, em relação à formação integral de cada parente que compõe a família, procurando suprir desde as necessidades materiais, passando pelas psicológicas, até às questões atinentes a seus sonhos, expectativas; sociais, correspondentes à sua reputação como ente familiar; e, patrimoniais, compreendendo inclusive direitos sucessórios, naturalmente decorrentes das relações fundadas no afeto.

Sem dúvida, a afetividade se converte em um axioma a permear as relações entre os parentes e, o afeto, o elemento propulsor do bem-querer nas relações familiares, convertendo-se em uma espécie de lente através da qual as pessoas de uma família devem se olhar mutuamente, pelo fio condutor da solidariedade, do respeito e do cuidado a fim de desenvolver ali o compromisso com a felicidade uns dos outros.

Em última análise, cumpre à família realizar o importante desiderato de promover a dignidade da pessoa humana, uma vez que todos os seus membros são agentes responsáveis pela (re)construção da personalidade, pela consecução de bem-estar, pela preservação dos laços afetivos, pela conquista de equilíbrio e pela incessante busca de realização pessoal e familiar.

É na família, ainda, que se alcançam a liberdade e a confiança para sonhar junto e crescer em apoio recíproco na edificação de cada pessoa – nessa especialíssima qualidade que somente ao ser humano é inerente –, na incessante busca do verdadeiro significado de "ser gente" e de "se sentir gente", ou ela não estará cumprindo o seu papel, et tunc erit finis.

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Extraído de Editora Magister/doutrina, edição de 10/05/2010, Porto Alegre, RS.

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