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22 abril 2010

DIREITO DO PROMITENTE COMPRADOR-1

Parte 1/2



Leonardo Gomes de Aquino

Professor de Direito Comercial; Advogado, Mestre em Ciências Jurídico-Empresariais; Especialista em Ciências Jurídico-Processuais e em Ciências Jurídico-Empresariais todos os títulos pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal), e Especialista em Direito Empresarial pela FADOM.

Resumo: O direito do promitente comprador com a nova roupagem do direito civil passou a ser considerado como um direito real, no qual a doutrina o classifica como um direito real sobre coisa alheia para aquisição. O registro deste direito no cartório de imóveis é uma exigência legal, mas na atual sistemática jurisprudencial e doutrinaria é um retrocesso, apesar da segurança jurídica que o registro traz.

Palavra chave: Direito real. Promitente Comprador. Registro.

Summary: The right of the promissor to buy with the new roupagem of the civil law passed to be considered as a right in rem, in which it classifies it to the doctrine as a right in rem on third party property for acquisition. The register of this right in the notary's office of property is a legal requirement, but in current jurisprudencial and doctrinal systematics it is a retrocession, although the legal security that the register brings.

Word key: Right in rem. Promissor to buy. Register.

Sumário: 1) DIREITO PESSOAL OU DIREITO REAL - 2) A IRRETRATABILIDADE DA PROMESSA - 3) ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA - 4) EXTINÇÃO - 5) REFERENCIAS BIBLIOGRAFIAS.

1) DIREITO PESSOAL OU DIREITO REAL

A legislação pertinente a questão da promessa de compra e venda de terrenos loteados para pagamento parcelado é o Decreto-lei nº 58/37 e sobre o parcelamento do solo urbano observe a Lei nº 6.766/79 e os arts. 1.417 e 1.418, CC.

O direito do promitente comprador pode ser definido como uma espécie de contrato preliminar(1), bilateral(2) pelo qual as partes, ou uma delas, comprometem-se a realização de um contrato definido de compra e venda, ou seja, ele deixa evidente que os contratantes têm vontade, consciente e inequívoca, de realizar a avença.

A promessa bilateral era uma garantia do vendedor, quando da venda de imóveis a prazo, que condicionava a transferência do imóvel após o efetivo pagamento. No entanto, a má-fé por parte dos vendedores, gerou a necessidade da interferência estatal. Essa má-fé se caracterizou pela venda de áreas litigiosas ou alheias que, só passavam a ser do conhecimento do comprador, após o efetivo pagamento do bem, quando da transferência do imóvel.

Enfim, em virtude dos conflitos entre promitente comprador e promitente vendedor, o Estado passou a interferir nesse tipo de contrato para assegurar os direitos daquelas pessoas humildes e inexperientes que investiam todo o recurso financeiro que dispunham e, posteriormente, perdiam tanto o montante investido, quanto o sonhado imóvel próprio.

Desta forma, cabe lembrar a observação de Arnaldo Rizzardo ao dizer que o contrato de promessa de compra e venda ou compromisso de compra e venda é um verdadeiro contrato, regulado por leis especiais, que tem por objeto uma prestação de fazer, prestação esta consistente na celebração de outro contrato, o definitivo(3).

Sendo a promessa de compra e venda um direito pessoal, ou seja, um contrato, necessário se faz abordar a sua consideração como direito real, do compromitente-comprador, caso haja sido registrado o referido contrato. Nesse sentido, Orlando Gomes demonstra que a lei atribui a anotação do contrato no registro competente a eficácia de direito real, de forma a assegurar a eficácia erga omnes, mas, "a rigor é um direito é um direito pessoal que, por esse registro, se torna oponível a qualquer direito de aquisição sobre o imóvel, posteriormente titulado"(4). A Lei nº 10.406/2002 (CC) traz previsão expressa em seu art. 1225, VII, o direito do promitente comprador do imóvel como direito real.

O CC exige o registro do contrato de compromisso de compra e venda para a aquisição do direito real, seja ele por instrumento público ou particular. Em seu art. 1.418, refere que pode o titular do direito real exigir do promitente vendedor, ou de terceiros(5), a outorga da escritura definitiva de compra e venda, de acordo com o pactuado no contrato(6), e, havendo recusa, poderá requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.

Segundo Washington de Barros Monteiro(7), a Súmula 239 do STF que admitia a adjudicação compulsória mesmo diante da inexistência de registro perdeu a relevância, pois o registro do compromisso no Cartório de registro de Imóveis é um imperativo legal (art. 1.417, CC). No entanto, este posicionamento não é unânime, pois como afirmam Marco Aurélio Bezerra de Melo(8) e Ruy Rosado de Aguiar Júnior(9)  "sabemos que as pessoas, quanto mais simples, menos atenção dão à forma e à exigência de regularizar seus títulos. A experiência revela que os contratos de promessa de compra e venda de imóveis normalmente não são registrados. Não há nenhum óbice em atribui-lhes eficácia entre as partes, possível mesmo a ação de adjudicação, se o imóvel continua registrado em nome do promitente vendedor".

Apesar de estar estipulada no CC a obrigatoriedade do registro o Enunciado nº 95, da 1ª Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho Federal de Justiça estipula que "o direito à adjudicação compulsória (art. 1.418 do novo Código Civil), quando exercido em face do promitente vendedor, não se condiciona ao registro da promessa de compra e venda no cartório de registro imobiliário (Súmula n. 239 do STJ)".(10)

Sendo assim, o direito do promitente comprador é um direito real à aquisição(11) onde o promitente vendedor obriga-se a vender determinado bem ao promitente comprador, pelo preço, modo e condições contratadas. O promitente comprador por sua vez se compromete a pagar e a satisfazer todas as condições estipuladas no contrato, podendo após o pagamento pedir adjudicação compulsória se houver recusa do vendedor em entregar a coisa.(12)

2) A IRRETRATABILIDADE DA PROMESSA

A inexistência de cláusula de arrependimento é condição para que o contrato de promessa de compra e venda produza seus normais efeitos. Compreenda-se por arrependimento a manifestação de vontade contrária à anteriormente declarada ou manifestada, no sentido de não mais concretizar o negócio jurídico prometido.

O CC no art. 463 dispõe que:

Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive.

A parte prejudicada, pela não conclusão do contrato definitivo poderá solicitar ao juiz que supra a vontade da parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar, salvo se a isso se opuser a natureza da obrigação, não sendo possível a execução da obrigação especifica, resolve-se a inadimplência em perdas e danos.(13)

No entanto, o art. 1.417, do CC disciplina que "mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel".

A norma do art. 1.417, na verdade, comporta a seguinte distinção: contempla o contrato preliminar com cláusula de arrependimento, que é de fato, um pré-contrato, gerador de direitos apenas obrigacionais, sobre essa espécie incidindo as regras gerais sobre o contrato preliminar (art. 421-426, do CC); e a promessa de compra e venda, tradicionalmente conhecida como compromisso de venda, contrato irretratável, sem a existência de cláusula de arrependimento.

Certifica Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald(14) que somente para os imóveis não loteados resta ainda possibilidade de arrependimento, mediante cláusula expressa no contrato, desde que não pago totalmente o preço.

De acordo com Washington de Barros Monteiro(15) a existência de uma cláusula de arrependimento não há que se falar em constituição de um direito real, por se tratar de manifesto óbice, previamente estipulado pelas partes. A Súmula 166 do STF dispõe que é inadmissível o arrependimento no compromisso de compra e venda sujeito ao regime do Decreto-Lei 58/37.

Para que a promessa de compra e venda produza os efeitos esperados pelo promitente comprador de um autêntico direito potestativo de exigir posteriormente a escritura definitiva, adjudicando para si a titularidade, se faz necessário que não haja pactuado a cláusula de arrependimento.

Notas do Autor:

1 - Segundo Orlando Gomes (GOMES, Orlando. Direito reais. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 321-325) "o compromisso de venda não é verdadeiramente um contrato preliminar. Não é por diversas razões que completam a originalidade do seu escopo, principalmente a natureza do direito que confere ao compromissário. Tem ele, realmente, o singular direito de se tornar proprietário do bem que lhe foi permitido irretratavelmente à venda, sem que seja inevitável nova declaração de vontade do compromitente. Bastará pedir ao juiz a adjudicação compulsória, tendo completado o pagamento do preço. Assim sendo, está excluída a possibilidade de ser o compromisso de venda um contrato preliminar, porque só é possível adjudicação compulsória nas obrigações de dar e, como todos sabem, o contrato preliminar ou promessa de contratar gera uma obrigação de fazer, a de celebrar o contrato definitivo".
2 - O contrato preliminar comporta uma divisão: pode ser unilateral ou bilateral. Segundo Caio Mario da Silva Pereira (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituição de Direito Civil. v. IV, 19ª ed. São Paulo; Saraiva. 2005, p. 56) é unilateral quando perfeito pelo consentimento de ambas as partes,produz obrigações ex uno latere", isto ocorre porque a repercussão prática não surge dessa espécie de contrato preliminar, mas da opção, que é o contrato unilateral gerador de obrigações para uma das partes. Já o contrato preliminar bilateral é aquele que gera obrigações para ambos os contraentes ou o dever recíproco de firmar o contrato definitivo, obrigando-se as partes a dar-lhe seu consentimento. Carlos Roberto Gonçalves (GONÇALVES, Carlos Roberto. Curso de direito civil brasileiro. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 486) afirma que este tipo contratual resulta da manifestação da promessa unilateral de vontade, pois constitui condição para o nascimento do direito real.
3 - RIZZARDO, Arnaldo. Diretos das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 986-989,
4 - GOMES, Orlando. Direito reais. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 325.
5 - Enunciado nº 253, da 3ª Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho Federal de Justiça dispõe "Art. 1.417: O promitente comprador, titular de direito real (art. 1.417), tem a faculdade de reivindicar de terceiro o imóvel prometido à venda."
6 - Nesse sentido, destaca Sílvio Salvo Venosa (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. v. V. São Paulo: Atlas, 2005, p. 594.) que "à obrigação foi conferida eficácia real. O negócio, contudo, não perde suas características contratuais, pois muitas são as relações obrigacionais decorrentes para as partes. A intenção da legislação é colocar a salvo os direitos do comprador que cumpre integralmente suas obrigações contratuais, ficando indene de ameaças de terceiros."
7 - MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito das Coisas. v. III, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 68.
8 - MELO, Marco Aurélio Bezerra. Novo CC. Anotado (arts. 1.196 a 1.510). 2ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2006, p. 287.
9 - Aguiar Júnior, Ruy Rosado de. "Projeto do Código Civil - as obrigações e os contratos". RT, 775:27 apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Curso de direito civil brasileiro. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 487.
10 - A Súmula 167, STF determina que "não se aplica o regime do decreto-lei nº 58, de 10 de Dezembro de 1937, ao compromisso de compra e venda não inscrito no registro imobiliário, salvo se o promitente vendedor se obrigou a efetuar o registro".
11 - FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2006, p. 678.
12 - DINIZ, Maria Helena. Direito Civil Brasileiro: Direito das coisas. v. 4, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 596.
13 - CC. Art. 420. Se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para qualquer das partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória. Neste caso, quem as deu perdê-las-á em benefício da outra parte; e quem as recebeu devolvê-las-á, mais o equivalente. Em ambos os casos não haverá direito a indenização suplementar.
14 - FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2006, p. 679. Caso contrário, entende-se que houve decadência ao exercício do direito potestativo de arrependimento, uma vez que haveria uma lesão à boa-fé do promissário comprador que adimpliu suas obrigações e flagrante abuso do direito por parte do promitente vendedor.
15 - MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito das Coisas. v. III, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 68.

Extraído de Jornal Jurid Digital

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