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27 abril 2010

AUTODEFESA: POR UM NOVO MODELO

Parte 1/4


Paulo José Freire Teotônio
Promotor de Justiça em Ribeirão Preto. Professor de Direito Penal do Unicoc.

Rogério Luiz Adolfo Cury
Advogado e Professor.

Silvio Henrique Freire Teotônio
Advogado. Especialista em Direito Penal e Direito Público - Diretor da OAB/Cajuru.


INTRODUÇÃO

O processo, doutrinariamente, é instrumento para se tentar manter a paz social, estando a serviço da Justiça para tornar harmônico o convívio em sociedade.

Atualmente, o judiciário tem sido bastante acionado, tanto pelo crescimento da criminalidade como pela implementação de mecanismos que permitiram o pleno acesso a Justiça.

Como é através do processo que o Estado-juiz examina as pretensões e aplica o direito no caso concreto, imperiosa a racionalização do trabalho judicial, com a criação de técnicas que permitam a celeridade processual e, portanto, a transformação do acesso em efetividade da Justiça.

O presente trabalho, desta forma, pretende abordar tema relativo aos atos processuais, no qual o interrogatório do réu é considerado um dos mais importantes na seara do processo penal, com vistas à busca da almejada celeridade, resguardando-se, contudo, os princípios mais basilares da ciência processual, amoldando os princípios a hipótese do oferecimento de versão do réu por parte do Advogado.

O ponto nevrálgico da controvérsia que se pretende estabelecer é a possibilidade do réu ou acusado apresentar a sua versão dos fatos por intermédio de Advogado, por escrito, quando da apresentação da respectiva defesa prévia.

Acreditamos que nosso esforço, no sentido de apresentar tese que propicie a implementação de efetividade da Justiça, mediante a celeridade processual e o respeito pleno dos princípios constitucionais processuais, seja proveitoso ao estudo do tema, trazendo à baila, principalmente, discussão sobre preceitos democráticos e de igualdade substancial, ao propiciar aos réus, ricos ou pobres, culpados ou inocentes, cultos ou ignorantes, as mesmas condições de fazer valer em juízo os seus direitos mais basilares, evitando-se a odiosa diferenciação entre criminosos profissionais e criminosos comuns, entre criminosos do colarinho branco e criminosos desfarrapados, mormente em período no qual o crime organizado ganha espaço e o criminoso comum é tratado como dado estatístico.


O PARADIGMA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

Importa ressaltar que, embora desnecessária a previsão, posto que se extrai do sistema, bem como dos princípios informativos, o princípio do devido processo legal foi consagrado, de forma expressa, na CF/88, constando da redação do artigo 5º, LIV, que: "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".

Considera-se o princípio o precursor e berço dos postulados processuais, uma vez que todos os demais princípios possuem a sua gênese no princípio do devido processo legal.

De fato, segundo Cretella (2002: 39) "por outro lado, e por sua excepcional importância, dedicaremos um item específico a um megaprincípio – que Humberto Theodoro Júnior prefere denominar de superprincípio – que é princípio do devido processo legal".

Nelson Nery Jr. (2000: 42), dando ênfase ao acima exposto, considera que é tal a amplitude da cláusula do devido processo legal, que desnecessária seria qualquer outra dogmatização principiológica relativamente ao processo civil.

Segundo Portanova (1997:145) "o princípio do devido processo legal pode ser encontrado sob outras definições, tais como o princípio do processo justo ou princípio da inviolabilidade da defesa em juízo".

Correta a ponderação, em vista do acima exposto, de que os princípios constitucionais informam todos os ramos do Direito e, em especial, o devido processo legal informa todas as atividades processuais, bem como as atividades a ela correlatas.

Por tal visão, não basta que o membro da coletividade tenha direito ao processo, tornando-se, pelo contrário, inafastável também a absoluta regularidade deste, com a verificação de todos os corolários daquele, para o atingimento da referida meta colimada.

O princípio enfocado (due process of law) é uma garantia do cidadão, prevista expressamente na Lei Maior, em benefício de todos os cidadãos, de forma paritária e isonômica, abarcando não só o exercício do direito de acesso ao Poder Judiciário, como o desenvolvimento processual de acordo com normas previamente estabelecidas.

O princípio do devido processo legal, de acordo com Wambier (1991:54), pode ser encontrado em praticamente todas as constituições democráticas do mundo, uma vez que "refere-se ao direito atribuído ao cidadão do Estado, de buscar abrigo para questões relativas aos conflitos de interesses em que esteja envolvido, numa esfera do poder estatal – o Judiciário -, utilizando-se, para tanto, de mecanismos jurídicos previamente definidos por lei".

Primordial importância, destarte, assume a propalada modificação legislativa, atendendo o devido processo legal substancial, em face dos princípios que dele emanam, uma vez que estabelecerá mecanismo muito mais eficiente de combate à discrepância de fortuna do acusado, assegurando, sem deixar margem a dúvida, a qualidade da defesa técnica (considerado o ato específico), a isonomia substancial, a mais ampla defesa possível, cuja opção será facultada a um "Expert" (o Advogado), servindo, ainda, como eficaz instrumento de acomodação da pauta dos Magistrados e, portanto, agasalhando também o princípio da economia processual, sem qualquer mácula ao contraditório e a paridade entre as partes na relação processual.

O enquadramento no Princípio da isonomia

O princípio da isonomia é uma das máximas da CF/88, estando evidenciada a sua magnitude e prevalência pelo fato de encabeçar os direitos e garantias individuais, situando-se no caput do art.5º, que reza:

"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do seu direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...".

O art. 5º da CF, não só declara a igualdade de todos perante a lei, garantindo tal paridade de tratamento, inclusive através de outros princípios, como também institui, em outras passagens da CR, verdadeiro mandamento constitucional, em vista do Estado Democrático de Direito, que profetizam a igualdade substancial, determinando ao Estado não só a abstenção de tratamento diferenciado aos iguais (discriminação negativa), mas impondo taxativamente a obrigatoriedade, sob pena de inconstitucionalidade por omissão, da instituição de políticas públicas que visem implementar a verdadeira igualdade substancial entre os cidadãos brasileiros (discriminação positiva).

O princípio da igualdade, conforme já frisado, deriva do princípio do devido processo legal, assim como, contrário senso, esse é essencial aquele, estando dele indissolúvel. Com efeito, podemos dizer que a isonomia é imperativo do devido processo legal, da mesma forma que o devido processo legal é garantia da isonomia constitucional.

A igualdade jurídica, como observam os mestres das arcadas CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO (1998:53-54), entretanto, pode não eliminar a desigualdade econômica, sendo, por tal razão que, na conceituação realista de isonomia, busca-se a igualdade proporcional. Essa igualdade proporcional, na visão dos autores citados, é o tratamento igual aos substancialmente iguais.

No processo penal, como não poderia deixar de ser, o princípio da igualdade pode ceder lugar ao denominado "favor rei", postulado básico que preconiza que os interesses do acusado prevalecem sobre os da segurança pública e o direito de punir do Estado, o qual estaria agasalhado e respeitado pela possibilidade da versão do réu ser ofertada por seu patrono, constituído ou dativo, pouco importa, desde que o profissional tenha habilitação para o exercício da nobre arte da advocacia.

Desta forma, em sendo a isonomia a garantia do tratamento igualitário das partes, deve ser vista não apenas sob o aspecto formal, mas também (e principalmente) analisada pelo prisma substancial. Melhor dizendo, não basta igualdade formal, sendo relevante à igualdade técnica e econômica, pois elas também revelarão o modo de ser do processo.

Assim, o mero acesso à justiça deve ser substituído pela efetividade da justiça, finalidade que seria alcançada inequivocadamente pela adoção da tese proposta, uma vez que propiciaria aos acusados em geral contar com a efetiva apresentação de suas justificativas por parte de profissional da área, apto a atuação no processo penal, contando com experiência e conhecimento para optar pela melhor forma de defesa a ser apresentada, dentre todas as possíveis, evitando-se a repugnante distinção entre ricos e pobres, entre aqueles que tem condição de pagar um profissional da advocacia, e efetivamente são instruídos e assistidos por Advogado, e os que não tem, comparecem sozinhos ao interrogatório, confessam e são condenados, por vezes, exclusivamente pela confissão, sem contar, no campo da práxis, embora haja previsão legal em contrário, com os conselhos de um advogado.

Extraído de Magister/doutrina

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