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12 abril 2010

AOS PÉS DA LIBERDADE: UM ENSAIO SOBRE O USO DE ALGEMAS A PARTIR DA FILOSOFIA

Parte 1/3



Bruno Rotta Almeida
Mestrando em Ciências Criminais pela PUC-RS. Advogado.


Resumo: O presente trabalho propõe uma discussão do uso de algemas a partir da filosofia, relacionando-se à ideia de liberdade. Em um primeiro momento, analisa-se o tema das algemas, para, posteriormente, adentrar-se à noção de liberdade na filosofia. Por fim, teçam-se algumas considerações sobre a problemática lançada.

Palavras-chave: Liberdade – Algemas – Filosofia

Sumário: Introduzindo: a questão algemas – Desenvolvendo: a questão liberdade e as algemas – Considerações finais – Referências bibliográficas

Introduzindo: a questão algemas

O emprego de algemas está umbilicalmente relacionado à ideia de liberdade, pois, com a aposição da primeira, desrespeitada resta a segunda. Mais a fundo, filosoficamente, poderíamos indagar sobre o alcance da liberdade da vontade humana em razão da intromissão pela comentada coação policial. Tal pretensão será estendida em momento oportuno, quando já extenuadas, em tese, as primeiras observações.

Isto é: para um melhor desenvolvimento da problemática em foco, torna-se interessante e imprescindível uma sucinta introdução sobre o assunto algemas. Ou seja, a fim de que melhor possamos visualizar a abordagem filosófica do uso das algemas em relação à liberdade, tentada neste abreviado exame, elementar, digamos, enraizar considerações desde os fundamentos históricos e jurídicos do citado instrumento policial.

Fala-se muito, nos dias atuais, sobre o assunto envolvendo as algemas. Discute-se o caráter vexatório do mecanismo policial, quando destinado ao exclusivo intuito de expor o preso aos holofotes da mídia. Por outro lado, entende-se as algemas como meio para lograr a segurança, tanto dos policiais como do preso e, até mesmo, de terceiros.

No entanto, o que percebe-se é uma abundante utilização do referido instrumento pelos policiais, muitas vezes sem qualquer necessidade de intervenção, tornando-se discriminatório e inadequado.

Ainda, nota-se a ausência de legislação que regulamente o uso de tal recurso operacional. Ademais, na mídia de forma geral, particularmente televisiva, tornou-se lugar comum a apresentação de pessoas algemadas, não olvidando que na maioria das vezes não há sequer uma denúncia formalizada, e em muitos casos os indivíduos são absolvidos ao final do processo criminal. Junto a isso, não se pode olvidar da Súmula Vinculante nº11, 1 aprovada pelo STF no dia 13 de agosto de 2008, a qual limitou o emprego de algemas consideravelmente.

Na esteira da etimologia, a palavra algemas origina-se do árabe al-jemma, 2 que significa pulseira.

Outro termo também utilizado em épocas remotas é grilhões, do espanhol grillos, o qual corresponde a correntes de ferro geralmente utilizadas aos pés. Os grilhões congregaram, principalmente, uma imagem negativa de punição e suplício, isso porque eram muito usados nos tornozelos.

Na antiguidade, as algemas geralmente eram utilizadas de modo a demonstrar seu caráter chocante e imponente. Como forma de manifestação de poder daquele que detinha o criminoso. Há registros de prisioneiros com mãos atadas, pelo menos 4.000 anos atrás, na região mesopotâmia. 3

As algemas também eram utilizadas em sacrifícios rituais, como observado na arte em cerâmica herdada por uma civilização pré-incaica, de 100 a 700 d.C., onde havia indivíduos com as mãos amarradas às costas sendo vítimas de rituais. 4

Sobre o fundamento jurídico do uso de algemas, entende-se que há um direito legítimo, conferido pelo próprio Estado, denominado poder de polícia. Pode-se extrair o seu conceito a partir do art. 78, do Código Tributário Nacional, nos seguintes termos:

"Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos." 5

O objetivo jurídico do falado poder de polícia é alcançar o exercício da liberdade e da propriedade, embora não recaia nos respectivos direitos. O que é diminuído, dessa forma, é apenas o exercício da liberdade, pois o direito à liberdade é inerente ao indivíduo e deste não pode ser desfalcado.

Em um conceito mais clássico, ligada à concepção liberal do século XVIII, o poder de polícia compreendia a atividade estatal que limitava o exercício dos direitos individuais em benefício da segurança. 6

Portanto, o poder de polícia é o fundamento jurídico que "autoriza" o emprego das algemas. No entanto, por essa aposição prejudicar a tão discorrida liberdade, senão o direito mais "puro" do ser humano, a referida força estatal deve se colocar cautelosa, evitando, por ventura, resvaladas dentro da autonomia de vontade de cada um.

É aí que se encontra o cerne da questão: Até onde vai a liberdade do indivíduo, aquela relacionada à sua autodeterminação, e até que ponto a limitação dessa liberdade pelas algemas, na questão aqui proposta, não descaracteriza a noção acima imposta?

Tais perguntas talvez (na verdade, tem-se a certeza) não sejam completamente respondidas neste pequeno e humilde ensaio, mas, poderão ser colocadas a novos debates em futuras considerações, beneficiadas por um maior afinco e díspar experimentação literária, de modo a confrontar ideias e tecer hipóteses.

Passa-se, por conseguinte, à abordagem da liberdade no caso do emprego de algemas, propondo uma discussão desde a filosofia, relacionando-se à ideia de liberdade. Não se pretende, de maneira alguma, esgotar o tema. A proposta é justamente alcançar e refletir noções que possam embasar uma maior reflexão da liberdade, talvez relacionada com a autodeterminação, não excluindo, porém, outras conclusões ou interpretações que possam ensejar um exame dessemelhante ou não.

Notas do Autor:

1 - STF, Súmula Vinculante nº 11: Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.
2 - BUENO, Francisco da Silveira. Grande dicionário etimológico – prosódico da língua portuguesa. Vocábulos, expressões da língua geral tupi-guarani. São Paulo: Saraiva,1974, p. 166.
3 - HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana. São Paulo: Lex Editora, 2008, p. 23.
4 - Idem.
5 - Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5172.htm; Acessado em: 09 de dezembro de 2009.
6 - DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 110.

Extraído de Newsletter magister 1111,de 09/04/2010

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