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13 abril 2010

AOS PÉS DA LIBERDADE: UM ENSAIO SOBRE O USO DE ALGEMAS A PARTIR DA FILOSOFIA

Parte 2/3


Bruno Rotta Almeida
Mestrando em Ciências Criminais pela PUC-RS. Advogado.

Desenvolvendo: a questão liberdade e as algemas


Adentrando ao desenvolvimento deste pequeno ensaio, a questão algemas está agora relacionada à ideia de liberdade. Esta liberdade entendida a partir da filosofia, mas precisamente ao que extraímos da leitura de Immanuel Kant, no livro Fundamentação da Metafísica dos Costumes.

Inicialmente, faz-se importante observar que a liberdade, aquela que afirma poder agir como quiser, talvez não seja mais conivente ao mundo contemporâneo. Em outras palavras, parece que a liberdade é livre, mas não. Entende-se haver uma limitação, um entrave vinculado a uma ideia de responsabilidade. 7

Não obstante, para o referido professor brasileiro, por outro lado e em outra passagem, costuma-se associar a questão da liberdade à própria noção de ser humano. Segundo o mesmo:

"É comum ouvirmos definições que caracterizam o humano, exatamente, através da liberdade que lhe é inerente ou de que faz uso – diferentemente das máquinas, inteiramente programadas, ou dos demais seres vivos, determinados por sua fisiologia e seus instintos." 8

No seguimento dessa afirmação, o professor elucida que o ser humano, segundo essa definição:

"É necessariamente livre, ou não será humano. Suas ações são, segundo esta concepção, dirigidas por decisões livres frente ao mundo que o cerca. Esta definição parece-nos muito adequada; temos, porém, que nos ver com questões graves que advém, justamente, da articulação íntima entre ‘ser humano’ e ‘liberdade’". 9

Retomando a problemática, o ato de algemar afeta diretamente, também, a ideia de liberdade extraída da filosofia. A partir da contenção de um indivíduo, toda a sua liberdade de vontade, de se autodeterminar, demonstra-se apagada. A ideia de uma autonomia da vontade como princípio supremo da moralidade 10 não nos parece ser observado. Se, por outro lado, lutamos arduamente contra as injustas e inaceitáveis violações da liberdade "francesa" (ou seja, como um direito fundamental oriundo da Revolução Francesa), também não podemos nos achar derrotados por ações afastadas da liberdade filosófica, aquela explica a partir do homem (ser humano) em sociedade.

A ligação entre liberdade e ser humano, com brevemente demonstrada acima, é umbilical. Timm de Souza, ao propor uma ideia de liberdade, refere que essa mesma liberdade só se efetiva em atos cujo conteúdo mais próprio seria a razão de ser da própria liberdade. Ou seja, "a liberdade tem que ser concebida como uma faculdade eminentemente humana de estabelecimento de condições humanas de vida." 11

Já na esteira da obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Kant comenta sobre a transição da metafísica dos costumes para a crítica da razão prática pura, colocando o conceito de liberdade com a chave da explicação da autonomia da vontade.

A respeito da autonomia da vontade como princípio supremo da moralidade, o filósofo afirma que pela simples análise dos conceitos da moralidade pode-se, porém, mostrar muito bem que o citado princípio da autonomia é o único princípio da moral. Pois desta maneira se descobre que esse seu princípio tem de ser um imperativo categórico, e que este imperativo não manda, nem mais nem menos, do que precisamente esta autonomia. 12

Tanto Kant como Levinas trabalham com um imperativo ético, mas somente para o primeiro há a noção de subjetividade, a chamada moral prática. No escrito de Levinas, uma nova ideia de liberdade está na reflexão sobre o intervalo entre ‘eu mesmo’ e o ‘outro’. 13 É uma ideia de alteridade. No caso, a liberdade investida de responsabilidade.

Já para Kant, "a vontade é, em todas as ações, uma lei para si mesma, caracteriza apenas o princípio de não agir segundo nenhuma outra máxima que não seja aquela que possa ter-se a si mesma por objeto como lei universal." 14

O citado filósofo ainda comenta que a liberdade tem de pressupor-se como propriedade da vontade de todos os seres racionais, pois não basta que atribuamos liberdade à nossa vontade, seja por que razão for, se não tivermos também razão suficiente para a atribuirmos a todos os seres racionais. 15

De modo a evidenciar tal afimação, Kant esclarece que "a todo o ser racional que tem uma vontade temos que atribuir-lhe necessariamente também a ideia de liberdade, sob a qual ele unicamente pode agir." 16

Na sua proposta de um possível imperativo categórico, ele refere que a ideia da liberdade faz de cada um de nós um membro do mundo inteligível; pelo que, se cada um fosse só isto, todas nossas ações seriam sempre conformes à autonomia da vontade; mas como ao mesmo tempo cada um se vê como membro do mundo sensível, essas nossas ações devem ser conformes a essa autonomia. 17

A partir desse humilde exame não tomaremos mais caracteres, possibilitando, assim, tecermos algumas considerações finais sobre a proposta aqui intentada.

Notas do Autor:

7 - Considerações retiradas do estudo de Levinas, em SOUZA, Ricardo Timm de. Razoes plurais: itinerários da racionalidade ética no século xx. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004, p. 167 ss.
8 - SOUZA, Ricardo Timm de. Em torno à diferença: aventuras da alteridade na complexidade da cultura contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 185.
9 - Idem.
10 - Cf. KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 2004, p. 85.
11 - SOUZA. Op. cit., 2008, p. 186.
12 - KANT. Op. cit. 2004, p. 85-86.
13 - SOUZA. Op. cit. 2004, 183.
14 - KANT. Op. cit. 2004, p. 94.
15 - Ibidem, p. 95.
16 - KANT. Op. cit, p. 95-96.
17 - Ibidem, p. 104.

Extraído de Newsletter magister 1111,de 09/04/2010

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