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07 abril 2010

ADULTÉRIO VIRTUAL, INFIDELIDADE VIRTUAL-2

Parte 2/4



Marilene Silveira Guimarães
Advogada em Porto Alegre/RS – Pres. do Inst. Interdisciplinar de Direito de Família –IDEF/RS – Profª. da Escola Superior de Advocacia da OAB/RS


4. CONTEXTO SOCIOAFETIVO

Muitas são as causas que motivam os relacionamentos virtuais.

Uns navegam na Internet para atender a uma necessidade natural de conhecer pessoas, para brincar, para fazer descobertas, repetindo o que acontecia antigamente nos relacionamentos por carta6, que se iniciavam por uma amizade sem compromisso. Outros usam os relacionamentos virtuais para vencer a solidão, para vencer o tédio do cotidiano, para preencher carências afetivas. Enquanto uns buscam os relacionamentos virtuais para fugir da relação pouco gratificante que vivem na realidade, outros também usam a sedução exercida no espaço virtual para melhorar a relação com seus parceiros reais.

Na verdade, a rotina deteriora os relacionamentos, sejam eles formados pelo casamento ou pela união estável. Muitos casais transformam-se "em estranhos íntimos" e mantêm o casamento apenas como uma rede de apoio mútuo, sem intimidade, sem cumplicidade. Os problemas do dia-a-dia desatam o laço erótico. As pessoas acabam vivendo sob o mesmo teto sem se perceberem como homem e mulher. Olham-se e não se vêem, estão próximas fisicamente e ao mesmo tempo sentem uma solidão insuportável. A relação é tão pouco gratificante que o envolvimento com um terceiro se torna uma decorrência deste estado de carência afetiva. O espaço virtual se presta como nenhum outro à fuga da realidade frustrante.

Neste sentido é a lição da psicóloga Ana Maria Nicolai da Costa, que nos remete a uma reflexão sobre o mundo do "cá" (a realidade) e o mundo do "lá" (o mundo mental, a fantasia), afirmando que é da natureza humana, principalmente quando se enfrenta situações desagradáveis, refugiar-se no mundo do "lá", a partir de um "mero clique no botão da nossa imaginação".'

Até bem pouco tempo, a fuga inconsciente para o mundo imaginário ficava apenas no terreno da fantasia, no mundo do sonho, único espaço onde se pode ser verdadeiramente livre, onde se pode ser infiel sem que ninguém descubra, onde a infidelidade fantasiosa jamais é confessada a alguém. Agora existe a Internet e o espaço virtual permite "estar junto" com outra pessoa, permite revelar sonhos e desejos, realizar fantasias, sem riscos aparentes.

Na Internet, a figura idealizada do outro não enfrenta o desgaste da convivência. O que se idealiza sempre é melhor do que o que se tem. No espaço virtual todos são pessoas especiais que construímos em nossas mentes, a partir dos nossos desejos. O espaço mágico virtual permite que o indivíduo construa um mundo também mágico, como se estivesse escrevendo o roteiro de um romance.

O internauta pode fraudar dados pessoais como estado civil, raça, profissão, idade, tipo físico. Quanto à personalidade, pode demonstrar no espaço virtual características diferentes do seu comportamento social real. No entanto, a simulação da personalidade nada mais é do que o exercício de um papel que o internauta desejaria desempenhar na vida real, mas não consegue. Esta nova realidade tem levado os especialistas a reverem os conceitos sobre personalidade múltipla.8

Na comunicação virtual acontece a construção de "uma realidade de segunda ordem",9 uma realidade de simulação, que nos reporta a um "mundo imaginal", que é um mundo simbólico, imaterial, uma forma inusitada de estabelecer um vínculo social.10

Neste mundo, a pessoa pode "fugir" do cotidiano, comunicando-se com um "outro" sem rosto, sem identidade, que não exige compromisso, bastando clicar um botão para interromper a comunicação. Este relacionamento pode manter-se no plano imaginário ou derivar para uma aproximação física.

Notas da Autora:
6. No filme Nunca te vi; sempre te amei, estrelado por Antony Hopkins, através de cartas estabeleceu-se um duradouro laço afetivo entre duas pessoas que jamais se viram e que viviam em continentes diferentes, aproximadas por uma afinidade intelectual. O filme Mensagem para você, estrelado por Tom Hanks e Meg Ryan mostra um enamoramento virtual.
7. COSTA, Ana Maria Nicolai da. Mundo virtual versus realidade, veiculado na Internet, página Comportamento, em 08/10/1998.
8. Segundo a socióloga e psicanalista norte americana Sherry Turkle, "a Internet fascina porque permite a troca de identidade, de sexo, de idade... A garantia do anonimato e a facilidade da troca de identidades incentivam o aparecimento de um fenômeno que a psicanálise identificou desde o século passado: personalidades múltiplas, que podem se tornar patológicas, se a fantasia substituir inteiramente o sentido de realidade". E o que informa Márcia Cezimbra, em Infidelidade virtual, denúncia de traição por e-mail?, veiculado na Internet em 08/10/1998.
9. SFEZ Lucien. As tecnologias do espírito. In: Para navegar no século XXI. Porto Alegre, p. 134.
10. MAFESOLI, Michel. Mediações simbólicas: a imagem como vínculo social. In: Para navegar no século XXI. Porto Alegre, p. 53.

Extraído do site Gontijo-familia.adv.br

Nota do blog:

Embora elaborado sob a égide do Código Civil de 1916, o trabalho mantém relevância porquanto os direitos e deveres dos cônjuges/companheiros permanecem os mesmos.

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