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28 abril 2010

AUTODEFESA: POR UM NOVO MODELO

Parte 2/4


Paulo José Freire Teotônio
Promotor de Justiça em Ribeirão Preto. Professor de Direito Penal do Unicoc.

Rogério Luiz Adolfo Cury
Advogado e Professor.

Silvio Henrique Freire Teotônio
Advogado. Especialista em Direito Penal e Direito Público - Diretor da OAB/Cajuru.




Do contraditório e da ampla defesa


O princípio do contraditório e da ampla defesa encontra-se inscrito de forma expressa na CF, no artigo 5º, LV, com a seguinte redação "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

A ampla defesa, inserida no bojo do contraditório, nada mais é que desdobramento deste princípio, sendo este requisito indispensável daquele, podendo ser considerados ingredientes do mesmo preceito, razão pela qual, inclusive, estão inseridos no mesmo inciso do artigo 5º, da Carta da República.

MORAES (2000:116) estabelece que "por ampla defesa, entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário."

A ampla defesa compõe-se da defesa técnica e da autodefesa. No Direito brasileiro, até então, sempre se proclamou que o defensor exerce a defesa técnica, específica, profissional ou processual, que exige a capacidade postulatória e conhecimento técnico, enquanto o acusado exercita a denominada autodefesa ou defesa material ou genérica.

Ressalte-se, no entanto, que ao defensor não é vedado o exercício também da autodefesa, desde que previamente se entreviste com o acusado, optando, após cientificar-se de todas as possibilidades, a partir de então, da melhor forma de defesa possível, no que se refere à apresentação da versão do imputado, dentre todas as existentes.

Evidente, desta forma, a possibilidade da existência do devido processo legal e do contraditório com a apresentação da autodefesa por parte do patrono do acusado, dado que o contraditório, grosso modo, é a garantia de que para toda ação haja uma correspondente reação, o que corresponde à ponderação da bilateralidade do processo, gerada pela combinação, em pé de igualdade, da ação com a exceção, garantindo-se, assim, a plena igualdade de oportunidades processuais. Assim, garantida estará a reação do imputado contra a acusação que lhe é imputada, dando azo a melhor forma de defesa possível, até porque, no caso, subscrita pelo patrono do acusado, que optará pela defesa mais adequada, dentre aquelas que forem possíveis, no contexto do que for relatado pelo imputado.

Princípios da economia e da instrumentalidade das formas

Partindo-se, num primeiro aspecto, do pressuposto de que o direito processual é instrumental com relação ao direito material, embora não pressuponha a sua existência, vez que podemos ter um processo sem o correlato direito material, sendo este o caso, em exemplo, da ação que vise à declaração da inexistência de um direito substantivo, os meios necessários para o acesso à Justiça (direito de ação), bem como para a prática dos atos procedimentais, não podem ser por demais gravosos, a ponto de inviabilizar, ou mesmo dificultar, a consecução da concretização dos direitos descritos de forma abstrata no ordenamento jurídico.

Em sendo o processo, por hipótese, um instrumento, não pode exigir um dispêndio exagerado com relação aos direitos que estão sendo discutidos ou se deseja discutir na relação processual, tornando imperiosa a existência de um equilíbrio entre os custos do ingresso da ação e manutenção do procedimento com os benefícios porventura decorrentes, caso o autor venha a ser o vencedor do litígio.

Poderíamos, grosso modo, resumir a exegese do princípio na seguinte fórmula: atingir o melhor resultado possível, mediante a prática do menor número de atos processuais, ou melhor, somente daqueles cuja lei comina a pena de nulidade no caso de não atendimento, em razão do devido processo legal, com o mínimo dispêndio de tempo e de recursos.

Exemplo típico da aplicação do princípio é o da obrigatoriedade de reunião de processos, nos casos de conexidade ou continência, litisconsórcio, reconvenção etc., casos em que não se visa exclusivamente à economia, mas também se evitar decisões contraditórias.

Destaca-se como desmembramento da economia o princípio do aproveitamento dos atos processuais, citando-se como exemplo, no processo penal, o aproveitamento dos atos deficientes quando não prejudicarem a acusação ou a defesa, sendo exemplo, no processo civil, o aproveitamento dos atos não decisórios praticados perante justiça incompetente, quando do reconhecimento da incompetência e remessa dos autos a justiça competente. Nesse último caso, os atos decisórios praticados serão considerados nulos.

Ainda sob o argumento de que o processo é um instrumento, não sendo as formalidades descritas em lei uma finalidade em si mesma, não tendo, pois, o valor de um princípio ou norma constitucional, não se há decretar nulidade do ato nas hipóteses em que não atender a prescrição legal, atingindo, contudo, apesar do não atendimento, a finalidade almejada pelo legislador. Cita-se, como exemplo, no processo penal, a hipótese de não observância pelo Juiz da defesa preliminar do funcionário público, quando se tratar de crime denominado de funcional, quando o réu (funcionário) contou com defesa técnica durante todo o procedimento, sendo acompanhado por Advogado constituído, inclusive em fases anteriores ao recebimento da denúncia (inquérito policial), fato que evidencia o atingimento da finalidade preconizada pelo legislador que, sem dúvida, era dar maior amplitude de defesa, bem como o direito de ofertar argumentos que resistissem ao recebimento da peça acusatória. Assim, mesmo que desatendida a estipulação legal, o procedimento não será invalidado, posto que a finalidade para o qual o ato foi instituído acabou por ser atendida na prática, sendo a fórmula, assim como o processo, apenas um instrumento para que se alcance um objetivo final, o provimento jurisdicional.

Importa destacar, nesse passo, que os princípios expostos, por óbvio, serão atendidos pela apresentação da autodefesa por parte do Advogado, posto que a solução proposta acarretará em menor número de atos processuais a serem praticados, com o mesmo proveito útil, havendo integral resguardo do devido processo legal substancial, bem como dos princípios dele decorrentes, com vantagens indiscutíveis para a defesa do réu.

Ademais, inequívoco o resguardo da exegese do postulado, que preconiza que o importante é o conteúdo do ato, sua finalidade, o atingimento do objetivo precípuo, não sua mera formalidade, que deve ser relegada ao segundo plano.

Não se nega a importância da forma. Ela é importante tanto para o exercício da liberdade como para a segurança do devido processo legal. Ocorre, porém, que a forma não é um valor em si, ela existe em razão de uma finalidade.

Ofertada, assim, a autodefesa por parte do Advogado do réu, a nosso ver, desde que não houvesse violação da forma (devido processo legal formal), pelo implemento de modificação do CPP, o contraditório e a ampla defesa estariam atingidos, estando o resultado de acordo com a finalidade da existência do ato, com reflexos na economia de tempo, que poderia ser utilizado em outras searas, bem como de recursos públicos.

A interpretação da norma deve ser feita de acordo com o espírito da Constituição, levando em conta os seus princípios, com ponderação de valores entre os direitos fundamentais adequados e o bem protegido pela lei restritiva.

No mundo atual, além de se garantir o acesso à justiça, é necessária a prestação mais eficiente, efetiva e justa da jurisdição, o que somente é possível mediante um processo célere e sem formalismos exacerbados. A apresentação da autodefesa pelo patrono do réu, assim, garante resultados mais proveitosos para a defesa do acusado, sem, contudo, aniquilar qualquer preceito constitucional ou violar garantia das partes em litígio, tendo o desiderato de atingir o objetivo propugnado, com evidente economia de despesas, com realização de um menor número de atos processuais.

Extraído de Magister/doutrina

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