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10 novembro 2008

LEI DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS - UMA CONCEPÇÃO CONGRESSUAL



A princípio dá a impressão que se trata de algo que tem a ver com o universo, alguma coisa gravitando em volta da terra ou da lua ou encravada no buraco negro a que se referem os cientistas. Não, o buraco é mais embaixo, aqui na terra mesmo. Por enquanto, consequência de uma relação sexual entre um homem e uma mulher e que resulta numa gravidez, desejada ou fortuita. Ora, nos casos de casamento, união estável ou namoro prolongado, acho que a lei nem seria necessária, bastaria a antiga, criativa e sempre atual lei no. 5.478/68, com mínima adaptação ou adendo.

A nova lei tem bons propósitos, mas de boas intenções... O certo é que de seus doze artigos originais só a metade vingou, assim mesmo, apenas três referentes objetivamente ao tema de que cuida. Talvez se o legislador tivesse que se responsabilizar por sua concepção legislativa desde o início de sua gestação até o parto ( promulgação), quem sabe a coisa funcionasse melhor.
Fico imaginando, nos relacionamentos esporádicos ou ocasionais ou nos conflituosos com largos espaços de separação e reatamento, a mulher apontando um sujeito como o suposto pai. Citado e negando terminantemente o fato em sua contestação cabe ao juiz “convencido da existência de indícios da paternidade, fixar desde logo os alimentos gravídicos”, nos termos do art. 6º. “caput”, da aludida lei.

Muito bem.

Como será que se convence um juiz da existência de indícios de paternidade nesse caso? Hein, hein, hein?

Alguém se aventura a desvendar?

A seguir, a lei e a mensagem de veto.


LEI Nº 11.804, DE 5 DE NOVEMBRO DE 2008

Disciplina o direito a alimentos gravídicos e a forma como ele será exercido e dá outras providências.

O Presidente da República

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Esta Lei disciplina o direito de alimentos da mulher gestante e a forma como será exercido.

Art. 2º Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.

Parágrafo único. Os alimentos de que trata este artigo referem-se à parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se a contribuição que também deverá ser dada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos.

Art. 3º (VETADO)
Art. 4º (VETADO)
Art. 5º (VETADO)

Art. 6º Convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré.
Parágrafo único. Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão.

Art. 7º O réu será citado para apresentar resposta em 5 (cinco) dias.

Art. 8º (VETADO)
Art. 9º (VETADO)
Art. 10. (VETADO)

Art. 11. Aplicam-se supletivamente nos processos regulados por esta Lei as disposições das Leis nºs 5.478, de 25 de julho de 1968, e 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.
Art. 12. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 5 de novembro de 2008; 187º da Independência e 120º da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Tarso Genro
José Antonio Dias Toffoli
Dilma Rousseff

Mensagem de Veto

Senhor Presidente do Senado Federal,

Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1º do art. 66 da Constituição, decidi vetar parcialmente, por contrariedade ao interesse público e inconstitucionalidade, o Projeto de Lei nº 7.376, de 2006 (no 62/04 no Senado Federal), que "Disciplina o direito a alimentos gravídicos e a forma como ele será exercido e dá outras providências".

Ouvidos, o Ministério da Justiça, a Advocacia-Geral da União e a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres manifestaram-se pelo veto aos seguintes dispositivos:

Art. 3º
"Art. 3º Aplica-se, para a aferição do foro competente para o processamento e julgamento das ações de que trata esta Lei, o art. 94 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil."

Razões do veto: "O dispositivo está dissociado da sistemática prevista no Código de Processo Civil, que estabelece como foro competente para a propositura da ação de alimentos o do domicílio do alimentando. O artigo em questão desconsiderou a especial condição da gestante e atribuiu a ela o ônus de ajuizar a ação de alimentos gravídicos na sede do domicílio do réu, que nenhuma condição especial vivencia, o que contraria diversos diplomas normativos que dispõem sobre a fixação da competência."

Art. 5º
"Art. 5º Recebida a petição inicial, o juiz designará audiência de justificação onde ouvirá a parte autora e apreciará as provas da paternidade em cognição sumária, podendo tomar depoimento da parte ré e de testemunhas e requisitar documentos."

Razões do veto: "O art. 5º ao estabelecer o procedimento a ser adotado, determina que será obrigatória a designação de audiência de justificação, procedimento que não é obrigatório para nenhuma outra ação de alimentos e que causará retardamento, por vezes, desnecessário para o processo."
Ouvidos, o Ministério da Justiça e a Advocacia-Geral da União manifestaram-se ainda pelo veto aos seguintes dispositivos:
Art. 8º
"Art. 8º Havendo oposição à paternidade, a procedência do pedido do autor dependerá da realização de exame pericial pertinente.”

Razões do veto: "O dispositivo condiciona a sentença de procedência à realização de exame pericial, medida que destoa da sistemática processual atualmente existente, onde a perícia não é colocada como condição para a procedência da demanda, mas sim como elemento prova necessário sempre que ausente outros elementos comprobatórios da situação jurídica objeto da controvérsia."

Art. 10
"Art. 10. Em caso de resultado negativo do exame pericial de paternidade, o autor responderá, objetivamente, pelos danos materiais e morais causados ao réu.
Parágrafo único. A indenização será liquidada nos próprios autos."

Razões do veto: "Trata-se de norma intimidadora, pois cria hipótese de responsabilidade objetiva pelo simples fato de se ingressar em juízo e não obter êxito. O dispositivo pressupõe que o simples exercício do direito de ação pode causar dano a terceiros, impondo ao autor o dever de indenizar, independentemente da existência de culpa, medida que atenta contra o livre exercício do direito de ação." Ouvidos, o Ministério da Justiça e a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres manifestaram-se ainda pelo veto ao seguinte dispositivo:

Art. 9º
"Art. 9º Os alimentos serão devidos desde a data da citação do réu.”

Razões do veto: "O art. 9º prevê que os alimentos serão devidos desde a data da citação do réu. Ocorre que a prática judiciária revela que o ato citatório nem sempre pode ser realizado com a velocidade que se espera e nem mesmo com a urgência que o pedido de alimentos requer. Determinar que os alimentos gravídicos sejam devidos a partir da citação do réu é condená-lo, desde já, à não-existência, uma vez que a demora pode ser causada pelo próprio réu, por meio de manobras que visam impedir o ato citatório. Dessa forma, o auxílio financeiro devido à gestante teria início no final da gravidez, ou até mesmo após o nascimento da criança, o que tornaria o dispositivo carente de efetividade."
Por fim, o Ministério da Justiça manifestou-se pelo veto ao seguinte dispositivo:
Art. 4º
"Art. 4º Na petição inicial, necessariamente instruída com laudo médico que ateste a gravidez e sua viabilidade, a parte autora indicará as circunstâncias em que a concepção ocorreu e as provas de que dispõe para provar o alegado, apontando, ainda, o suposto pai, sua qualificação e quanto ganha aproximadamente ou os recursos de que dispõe, e exporá suas necessidades.”

Razões do veto: "O dispositivo determina que a autora terá, obrigatoriamente, que juntar à petição inicial laudo sobre a viabilidade da gravidez. No entanto, a gestante, independentemente da sua gravidez ser viável ou não, necessita de cuidados especiais, o que enseja dispêndio financeiro. O próprio art. 2º do Projeto de Lei dispõe sobre o que compreende os alimentos gravídicos: 'valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive referente à alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis (...)'. Esses gastos ocorrerão de qualquer forma, não sendo adequado que a gestante arque com sua totalidade, motivo pelo qual é medida justa que haja compartilhamento dessas despesas com aquele que viria a ser o pai da criança."

Essas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar os dispositivos acima mencionados do projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional.

Um comentário:

Anônimo disse...

A visão romântica do IBDFam X Segurança jurídica:

“Alimentos para a vida
Maria Berenice Dias
Advogada especializada em Direito Homoafetivo, Famílias e Sucessões; Ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do RS; Vice-Presidente Nacional do IBDFAM.


Enfim está garantido o direito à vida mesmo antes do nascimento.

Outro não é o significado da Lei 11.804 de 5/11/2008 que acaba de ser sancionada, pois assegura à mulher grávida o direito a alimentos a lhe serem alcançados por quem afirma ser o pai do seu filho.

Trata-se de um avanço que a jurisprudência já vinha assegurando. A obrigação alimentar desde a concepção estava mais do que implícita no ordenamento jurídico, mas nada como a lei para vencer a injustificável resistência de alguns juízes em deferir direitos não claramente expressos.

Afinal, a Constituição garante o direito à vida (CF 5º). Também impõe à família, com absoluta prioridade, o dever de assegurar aos filhos o direito à vida, à saúde, à alimentaçã o (CF 227), encargo a ser exercido igualmente pelo homem e pela mulher (CF 226, § 5º). Além disso, o Código Civil põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (CC 2º). Ainda assim a tendência sempre foi reconhecer a obrigação paterna exclusivamente depois do nascimento do filho e a partir do momento em que ele vem a juízo pleitear alimentos.

Agora, com o nome de gravídicos, os alimentos são garantidos desde a concepção. A explicitação do termo inicial da obrigação acolhe a doutrina que de há muito reclamava a necessidade de se impor a responsabilidade alimentar com efeito retroativo a partir do momento em que são assegurados direitos ao nascituro.

A lei enumera as despesas da gestante que precisam ser atendidas da concepção ao parto (2º): alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamento s e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis a critério do médico. Outras podem ser consideradas pertinentes pelo juiz.

Bastam indícios da paternidade para a concessão dos alimentos que irão perdurar mesmo após o nascimento, oportunidade em que a verba fixada se transforma em alimentos a favor do filho. Como o encargo deve atender ao critério da proporcionalidade, segundo os recursos de ambos os genitores, nada impede que sejam estabelecidos valores diferenciados vigorando um montante para o período da gravidez e valores outros a título de alimentos ao filho a partir do seu nascimento.

De forma salutar foram afastados dispositivos do projeto que traziam todo um novo e moroso procedimento, o que não se justificava em face da existência da Lei de Alimentos. Permaneceu somente uma regra processual: a definição do prazo da contestação em cinco dias (7º). Com isso fica afastado o poder discricionário do juiz de fixar o prazo para a defesa (L 5.478/68, 5º, § 1º).

A transformação dos alimentos em favor do filho ocorre independentemente do reconhecimento da paternidade. Caso o genitor não conteste a ação e não proceda ao registro do filho, a procedência da ação deve ensejar a expedição do mandado de registro, sendo dispensável a instauração do procedimento de averiguação da paternidade para o estabelecimento do vínculo parental.

A lei tem outro mérito. Dá efetividade a um princípio que, em face do novo formato das famílias, tem gerado mudanças comportamentais e reclama maior participação de ambos os pais na vida dos filhos. A chamada paternidade responsável ensejou, por exemplo, a adoção da guarda compartilhada como a forma preferente de exercício do poder familiar. De outro lado, a maior conscientiza ção da importância dos papéis parentais para o sadio desenvolvimento da prole permite visualizar a ocorrência de dano afetivo quando um dos genitores deixa de cumprir o dever de convívio.

Claro que leis não despertam a consciência do dever, mas geram responsabilidades, o que é um bom começo para quem nasce. Mesmo sendo fruto de uma relação desfeita, ainda assim o filho terá a certeza de que foi amparado por seus pais desde que foi concebido, o que já é uma garantia de respeito à sua dignidade.”

O artigo transcrito foi publicado em 12/11/2008, conforme se extrai de seguinte endereço:
http://www.editoramagister.com/doutrina_ler.php?id=323

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Dignidade humana e afeto...

Observa-se que a argumentação desenvolvida pela Des. Maria Berenice Dias, a despeito da beleza romântica e dos nobres propósitos que encerra, esconde uma verdade difícil de ser percebida diante de um texto suportado em tão nobres propósitos.

Esconde a miopia de quem enxerga a dignidade humana como via de mão única. Ora, onde fica e que valor tem a dignidade humana do indivíduo apontado como pai de alguém, compelido a manter sua gestação e sob o risco de ser declarado pai, sob critérios absurdamente frágeis e subjetivos.

O que são indícios de paternidade na hipótese tratada na indigitada lei?

Para a ilustre Desembargadora a resposta é de uma simplicidade pueril e dá o tom da perspectiva dos magistrados acerca de si mesmos, ou seja, os indícios de paternidade dependem da aferição mediúnica, divinatória, sobrenatural, do homem superior que alcançou seu trono no Olimpo...

Não se poderia esperar menos de quem eleva à categoria constitucional uma pulsão primária do ser humano: o afeto.

Vale lembrar que o afeto elevado a essa categoria é aquele que identifica com amor, compaixão, solidariedade etc., as demais pulsões naturais derivadas do mesmo afeto, havidas cultural e convencionalmente como negativas, são extirpadas e não gozam de proteção legal, contrariamente, são alvo de reprimenda.

Seria coerente, admitindo-se essa absurda qualificação jurídica do afeto humano, que se assegurasse também, pela mesma via legal, o direito de rejeição entre parentes, por exemplo, ou mesmo, o divórcio de pais e filhos que nutrem entre si animosidades e desamor, ou será que a ilustrada Desembargadora acredita que amor derive natural e biologicamente dos laços de parentesco, ou que raiva, antipatias etc., não derivem da mesma pulsão humana do afeto? ...

Simples assim!

RMG