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06 maio 2011

REVELIA NÃO SIGNIFICA PROCEDÊNCIA OBRIGATÓRIA


O blog publica às sextas-feiras decisões por mim relatadas na Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados, até mesmo por questão de espaço, e nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.

Hoje trata de revelia, como segue:
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
PODER JUDICIÁRIO - COMARCA DA CAPITAL
COLEGIADO RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS
PRIMEIRA TURMA
RECURSO INOMINADO Nº 6.410/05
ACÓRDÃO
EMENTA: RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO BANCÁRIO. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE PERÍCIA CONTÁBIL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO.
1.- A REVELIA NÃO SIGNIFICA AUTOMÁTICO RECONHECIMENTO DO DIREITO PLEITEADO PELO AUTOR, MORMENTE DIANTE DAS DISPOSIÇÕES CONSTANTES DA PARTE FINAL DO ARTIGO 20 DA LJE.
2.- SE PARA VERIFICAÇÃO DA EXISTÊNCIA OU INEXISTÊNCIA DE EXCESSOS NA COBRANÇA DE ENCARGOS BANCÁRIOS SURGE A NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE PERÍCIA CONTÁBIL, INCABÍVEL EM SEDE DE JUIZADOS ESPECIAIS, NÃO RESTA ALTERNATIVA SENÃO EXTINGUIR O FEITO, COM BASE NO ART.51,II, DA LJE.
3.- RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Vitória, ES,       de junho de 2005.

R E L A T Ó R I O
SORVETES -ME, ajuizou ação revisória de contrato em face do Banco  S/A, requerendo o parcelamento da dívida ante a inércia do banco em resolver o presente contrato em 100 parcelas de R$ 250,00, bem como a concessão da antecipação dos efeitos da tutela, desalienando o bem e discutindo o montante da dívida. Por fim, valorou a causa em R$ 11.000,00.
O pedido de antecipação de tutela foi indeferido, conforme se verifica a fls. 78.
A r. sentença de fls. 81 julgou improcedente o pedido formulado pela requerente ante a necessidade de produção de prova contábil, o que não cabe no procedimento da lei 9.099/95, dada a complexidade da prova.
A vencida interpôs recurso inominado a fls. 87/94, alegando a ocorrência da revelia, bem como a ausência de complexidade no feito. Por tais razões, verberou pela reforma parcial da r. sentença atacada, com o reconhecimento do efeito da revelia e a conseqüente desalienação do bem imóvel em voga, bem como o pagamento de 100 parcelas de R$ 250,00 e a resolução do contrato bancário, que tem como corolário a alta taxa de juros contidas em seu teor, por ser esta uma questão de justiça.
Em contra-razões de fls. , o recorrido requereu a manutenção da a r. sentença hostilizada.
É a síntese dos autos.
              V O T O
 Considerando presentes os pressupostos de admissibilidade, mormente diante da certidão de fls. 99, conheço do recurso.
Analisando os autos, os elementos e documentos acostados, constato que a recorrente não demonstrou com planilhas de cálculos os fatos alegados; logo, não foi possível verificar se houve excesso de encargos cobrados pelo banco.
 A recorrente alega a inércia do banco pelo não comparecimento do mesmo em juízo, operando-se a revelia e, portanto, não há que se falar em provas para se chegar a uma conclusão lógica do pedido, eis que, diante da preclusão, os fatos narrados na inicial se reputam verdadeiros e, assim, não precisam de provas para dar-lhes credibilidade.
Entretanto, tal assertiva não tem razão de ser, eis que a revelia não implica automático reconhecimento do direito postulado pelo autor, mormente chegando o Juiz a convencimento diverso do quanto pleiteado, quer por inverossimilhança das alegações, quer por inaplicação do direito invocado à espécie.
A doutrina de forma pacificada adota tal posicionamento e, no caso de Juizados Especiais Cíveis, até mesmo pelo permissivo contido na parte final do artigo 20 da LJE, “verbis”:
Art. 20. Não comparecendo o demandado à sessão de conciliação ou à audiência de instrução e julgamento, reputar-se-ão verdadeiros os fatos alegados no pedido inicial, salvo se o contrário resultar da convicção do juiz.” (grifei)
O Professor JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, assinala:
“A despeito do teor literal do art. 319 (CPC), não fica o juiz vinculado, ao nosso ver, à aceitação de fatos inverossímeis, notoriamente inverídicos ou incompatíveis com os próprios elementos ministrados pela inicial, só porque ocorra a revelia; ademais o pedido poderá ser declarado improcedente, v.g., em conseqüência da solução da questão de direito em sentido desfavorável ao autor.”(O Novo Código de Processo Civil Brasileiro, 17ª. Ed. Ver. e atual, Rio de Janeiro : Ed. Forense, 1995,p.113).
Com maior contundência, ministra CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO:
“... o processo civil não é feito para outorgar tutela jurídica ao autor, ou com a obsessão de atender aos reclamos deste. Venho insistentemente combatendo os pilares do processo civil do autor, que é resquício dos conceitos inerentes à actio romana e desconsidera que o verdadeiro acesso à Justiça é sempre representado pela tutela que se dê a quem tem razão e não a quem ostenta um direito inexistente (Liebman). A revelia não é mais tratada como rebeldia, como em tempos idos, nem o efeito da revelia pode ser encarado como pena, mas simplesmente como expediente aceleratório do processo." (Fundamentos do Processo Civil Moderno, 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, v. II, p. 951).
Também a jurisprudência do Colendo STJ, como demonstra, por mera exemplificação, o julgado abaixo:
Processo RESP 302280 / RJ ; RECURSO ESPECIAL 2001/0010336-7
Relator(a) Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO (1108)
Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA
Data do Julgamento 26/06/2001
Data da Publicação/Fonte DJ 18.02.2002 p. 415
Ementa
Indenização. Dano moral e dano patrimonial. Revelia. Dissídio.
1. Já decidiu a Corte, em diversas oportunidades, que os efeitos da revelia devem ser considerados com temperamento, não dispensando "a presença, nos autos, de elementos suficientes para o convencimento do juiz" (REsp n° 261.310/RJ, Relator o Senhor  Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 27/11/00).
2. Recurso especial conhecido e provido.

Ademais, um dos pedidos constantes da exordial refere-se ao parcelamento da dívida em 100 (cem) parcelas de R$250,00 (duzentos e cinqüenta reais), totalizando R$25.000,00 (vinte e cinco mil reais), o que extrapolaria a alçada dos Juizados Especiais, eis que esta corresponde a 40 salários mínimos.
Com base nessas considerações, a r. sentença hostilizada  merece ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos, devendo, apenas, ser reajustada sua conclusão, pois verifico a existência de erro material ao julgar improcedente o pedido.
A necessidade de produção de prova pericial, qual seja, planilha contábil para verificação se houve excesso de encargos cobrados pelo banco, gera a incompetência do juizado especial e, conseqüentemente, a extinção do processo sem o julgamento do mérito, conforme dispõe o art. 51, II, da Lei 9.099/95.
Por todo o exposto, nego provimento ao recurso, mantendo íntegra a r. sentença recorrida, reajustando sua conclusão nos termos acima mencionados, condenando a recorrente no pagamento das custas processuais, bem como honorários advocatícios no importe de 10% sobre o valor atribuído à causa, conforme dispõe o art. 55 da LJE.     

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