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13 maio 2011

OVERBOOKING GERA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL


O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados, até mesmo por questão de espaço, e nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.

RECURSO INOMINADO Nº 6.806/05

ACÓRDÃO

EMENTA: RECURSO INOMINADO. TRANSPORTE AÉREO. PASSAGEIRA IMPEDIDA DE VIAJAR EM VIRTUDE DE LOTAÇÃO DA AERONAVE. OVERBOOKING. DANO MORAL CARACTERIZADO. 
1.- A COMANHIA DE AVIAÇÃO É CONCESSIONÁRIA DE  SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSPORTE AÉREO  E COMO TAL SUA RESPONSABILIDADE É OBJETIVA, NOS TERMOS DO ART.37,§ 6º, CF, SUBSUMINDO-SE AINDA ÁS NORMAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
2.- O REMANEJAMENTO DE PASSAGEIRA PARA OUTRO VÔO, AGRAVADO PELO DESPACHO DE SUA BAGAGEM NA AERONAVE QUE DEVERIA EMBARCAR, SENDO IMPEDIDA POR LOTAÇÃO EM DECORRÊNCIA DE “OVERBOOKING” CAUSA DANO MORAL INDENIZÁVEL.
3.-A INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL QUANDO ARBITRADA COM PONDERAÇÃO E ATENTA AOS ENSINAMENTOS DA DOUTRINA E DA JURISPRUDÊNCIA MERECE SER PRESTIGIADA.
4.- RECURSO IMPROVIDO.

Vitória, ES,  de setembro de 2005.

R E L A T Ó R I O

A autora, devidamente qualificada e representada, ajuizou Ação de Indenização por Dano Moral em face de empresa aérea, alegando que em razão de “overbooking” foi impedida de viajar no vôo de São Paulo com destino a Vitória. Alegou, ainda, que foi barrada na escada do avião, sendo depois conduzida de táxi para o aeroporto de Guarulhos e lá tomou outro vôo até o Rio de Janeiro e, posteriormente embarcou em outro avião para Vitória, onde chegou às 01:30 hs. do dia seguinte, perdendo assim a celebração do aniversário do filho que completava 18 anos de idade (maioridade). Requereu indenização de R$ 10.400, valorando a causa em R$ 20.800,00.

Após regular instrução, sobreveio a r. sentença de fls. 38/41, que acolheu o pedido inicial para condenar a requerida ao pagamento da importância de R$ 5.000,00, corrigida monetariamente desde a propositura da ação e acrescida de juros desde a citação.

Inconformada, a requerida interpôs recurso inominado a fls. 66/84, argüindo, preliminarmente, impugnação ao valor da causa e, no mérito, pleiteou o afastamento da condenação por danos morais, eis que deferida ao arrepio da lei ou que sejam aplicados exclusivamente os ditames da Convenção de Varsóvia com a redução do valor arbitrado na sentença.

Apesar de regularmente intimada, a recorrida não apresentou contra-razões, consoante certidões de fls. 93 e 94.

É o relatório.

      V O T O
                  

PRELIMINAR DE IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA

Trata-se de evidente e descabida preliminar, vez que a impugnação do valor da causa deve dar-se através de incidente próprio e não como matéria preliminar.

Ademais, em nada altera o valor dado à causa em juizados especiais, eis que devem cingir-se ao teto previsto na própria lei, considerando-se que a parte renuncia a parte excedente ao valor de alçada, além do que o valor pedido pela autora na inicial encontra-se adequado ao valor de 40 salários mínimos.

Sem mais delongas, não conheço da preliminar.

M É R I T O

A recorrida alegou encontrar-se no aeroporto em horário adequado ao embarque, tendo feito reserva de vôo (fls. 22) e que não embarcou no avião em razão de overbooking, ou seja excesso de passageiros por venda de bilhetes acima da capacidade da aeronave (fls. 17).

Além do mais, asseverou que foi impedida de viajar quando se encontrava na escada do avião, situação deveras grave e que causa calafrios em qualquer mortal.

Ademais, teve de deslocar-se por transporte terrestre do aeroporto de São Paulo até o aeroporto de Brasília, de onde embarcou com destino ao Rio de Janeiro e de lá embarcou em outro avião para afinal chegar a Vitória (bilhetes de fls. 19).

Ora, ninguém compra passagem de avião para ficar fazendo baldeação prá lá e pra cá, como se fosse um “pau de arara”, sem menosprezo aos nordestinos que utilizavam tal meio de transporte.

Não bastassem tantas contrariedades, capazes de enfurecer qualquer monge budista, a autora ainda chegou pela madrugada em Vitória e não pode participar das comemorações do aniversário de maioridade de seu filho.

Tudo isso, configura de forma clara e induvidosa a ocorrência de graves defeitos na prestação de serviço por parte da recorrente, geradoras de dano moral.

A prática de “overbooking” tem sido repudiada pela jurisprudência pátria, que reconhece a incidência de dano moral indenizável aos passageiros decorrentes dessa conduta desrespeitosa ao passageiro, como demonstram, por mera exemplificação, os julgados abaixo:

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ

Processo REsp 567158 / SP ; RECURSO ESPECIAL 2003/0152438-5
Data da Publicação/Fonte DJ 08.03.2004 p. 254 - RT vol. 825 p. 213
Ementa
RESPONSABILIDADE CIVIL. OVERBOOKING. ATRASO DE VÔO.  INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. DANO PRESUMIDO. VALOR REPARATÓRIO. CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO. CONTROLE PELO STJ. PEDIDO CERTO.
I - É cabível o pagamento de indenização por danos morais à passageiros que,
por causa de overbooking, só conseguem embarcar  várias horas depois, tendo inclusive que concluir a viagem à sua cidade de destino por meio de transporte rodoviário, situação que lhes causou indiscutível constrangimento e aflição, decorrendo o prejuízo, em casos que tais, da prova do atraso em si e da  experiência comum.
 
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESPÍRITO SANTO
Processo : 024010164937 - Apelação Civel

É cabível o pagamento de indenização por danos morais a passageiro que tem o embarque adiado por culpa da empresa de Viação Aérea. 2 -  O dano moral encontra-se sediado no desconforto, no abalo emocional e transtornos de humor, pois além de ter todos os seus planos de viagem desviados, vê-se em situação incômoda de esperar mais de três horas em aeroporto, chegando ao destino com atraso capaz de desfazer-lhe compromissos e negociações programadas. 3 - Recomenda-se moderação e  prudência na fixação do quantum devido, que deve guardar proporcionalidade em relação ao fato causador do dano e do prejuízo causado.

COLEGIADO RECURSAL DE BRASÍLIA – DF
Classe do Processo : APELAÇÃO CÍVEL NO JUIZADO ESPECIAL 20010111052238ACJ DF 
Ementa
RELAÇÃO DE CONSUMO. A COMPRA E VENDA DE PASSAGENS AÉREAS ESTABELECE UMA RELAÇÃO DE CONSUMO A SER JULGADA CONFORME O CDC. A VENDA DE PASSAGENS ALÉM DA CAPACIDADE DE ACOMODAÇÃO NA AERONAVE, OCASIONANDO O "OVERBOOKING", TRAZ TRANSTORNOS AO PASSAGEIRO, LEVANDO-O AO ABATIMENTO MORAL CAPAZ DE SER REPARADO ATRAVÉS DE INDENIZAÇÃO FIXADA DE ACORDO COM A SITUAÇÃO DA PARTES E A INTENSIDADE DO SENTIMENTO DE DESCONFORTO DA VÍTIMA.

A tese de aplicação da Convenção de Varsóvia encontra-se definitivamente sepultada desde a edição do Código de Defesa do Consumidor, sendo a indenização por dano moral fixada segundo o prudente arbítrio do juiz.

A respeito, dentre outros tantos, o seguinte julgado:

Processo REsp 211604 / SC ; RECURSO ESPECIAL 1999/0037634-0
Data da Publicação/Fonte DJ 23.06.2003 p. 372
Ementa
CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ATRASO DE VÔO (24 HORAS). EXCESSO DE LOTAÇÃO NO VÔO ("OVERBOOKING"). DANO MORAL. VALOR. CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. CDC. PREVALÊNCIA.

Não se pode olvidar que a recorrente é concessionária de serviço público de transporte aéreo, sendo objetiva sua obrigação de indenizar, nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, bem como submete-se ainda ao Código de Defesa do Consumidor e artigo 734 do Código Civil.

Portanto, no caso dos autos, restou caracterizada a falha evidente na prestação de serviços que culminou no impedimento da recorrida viajar na aeronave, tendo de deslocar para outro aeroporto e fazer dois transbordos até chegar ao seu destino em Vitória.

Com relação ao “quantum” indenizatório entendo que o mesmo é adequado aos fatos ocorridos, guardando proporcionalidade e razoabilidade, levando em conta ainda a condição financeira portentosa da recorrente e a gravidade e extensão dos danos provocados à recorrida, consoante delineados nos autos.

Com base nessas considerações, a r.sentença hostilizada  merece ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos.

A recorrente pagará as custas processuais. Sem condenação em verba honorária porquanto não houve contra-razões.

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