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20 maio 2011

PRINCÍPIO DA ADSTRIÇÃO TAMBÉM SE APLICA AOS JUIZADOS ESPECIAIS

O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados, até mesmo por questão de espaço, e nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.
Hoje cuida-se da aplicação do princípio da adstrição ou congruência em sede de Juizados Especiais, como segue:
 RECURSO INOMINADO Nº: 5216/04
 
EMENTA: RECURSO INOMINADO. SENTENÇA QUE CONDENA A PARTE REQUERIDA EM NATUREZA DIVERSA DAQUELA POSTULADA PELA AUTORA. DECISÃO EXTRA PETITA. NULIDADE.
1. EM SEDE E JUIZADOS ESPECIAIS TAMBÉM SÃO APLICÁVEIS AS DISPOSIÇÕES DOS ARTIGOS 128 E 460 DO CPC, CONCERNENTES AO PRINCÍPIO DA ADSTRIÇÃO OU DA CONGRUÊNCIA, SOBRETUDO QUANDO A AUTORA, DESDE A INICIAL, ACHA-SE ASSISTIDA POR ADVOGADOS LEGALMENTE HABILITADOS.
2. SE A AUTORA POSTULA O CUMPRIMENTO DE SUPOSTO COMPROMISSO DE QUITAÇÃO DE DÍVIDA ORIUNDA DE ARRENDAMENTO MERCANTIL DE VEÍCULO PARA AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE DO BEM ARRENDADO E O JUIZ CONDENA A PARTE REQUERIDA NO PAGAMENTO A ELA PRÓPRIA (AUTORA) EM DETERMINADA QUANTIA, A TÍTULO DE REPARAÇÃO DE DANOS, TAL DECISÃO EXTRAPOLA AO ÂMBITO DA DEMANDA.
3.SENDO A DECISÃO IMPUGNADA EXTRA PETITA, IMPÕE-SE A DECLARAÇÃO DE SUA NULIDADE.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, à unanimidade, conhecer do recurso para declarar a nulidade da r.sentença impugnada, determinando a devolução do feito à origem para que seja prolatado novo julgamento, nos termos do voto do Relator, que deste passa a fazer parte integrante. Sem imposição de ônus sucumbenciais face aos termos do art.55 da Lei nº 9.099/95.
 Vitória, ES,       de agosto de 2004.
 R E L A T Ó R I O
A autora, devidamente qualificada e representada por seus ilustres patronos ajuizou Ação Ordinária em face de Celso de Tal, também qualificado, objetivando cobrar a importância de R$ 8.000,00 (oito mil reais), pelos motivos lançados na peça inicial.
Registra a ata da audiência de conciliação a impossibilidade de acordo, tendo em vista o surgimento de uma terceira pessoa na relação jurídica, ocasião em que a autora requereu a inclusão no pólo passivo de R.
Redesignada nova data, as partes compareceram, sem contudo lograr-se êxito, sendo designada audiência de instrução e julgamento, na qual também compareceram as partes, oferecendo o segundo requerido contestação oral, com preliminar ilegitimidade de parte e impossibilidade jurídica do pedido. Rebateu a autora as preliminares e também a alteração do valor da causa para E$ 9.600,00, pedido este que foi deferido.
Rechaçadas as preliminares, foram colhidos os depoimentos dos requeridos e proferida a sentença de fls.32/34, que julgou procedente, em parte, o pedido inaugural, condenando o R. ao pagamento da importância de R$ 7.000,00(sete mil reais), corrigidos monetariamente à data da efetiva citação e improcedente a demanda em relação ao primeiro réu Celso de Tal.
Inconformado, R. interpôs recurso inominado às fls. 44/53, pleiteando a anulação da r.sentença impugnada por julgamento extra petita ou modificação do julgado dando pela improcedência dos pedidos em razão da ausência de relação jurídica entre o recorrente e a recorrida, vez que não há liame causal entre eles.
Contra-razões às fls. 57/59 no sentido da confirmação do julgado.
É a síntese dos autos.
V O T O
 O pedido inicial, que não sofreu alteração no curso do feito, salvo para a inclusão do recorrente no polo passivo, narra que a recorrida tomou um empréstimo em dinheiro, no valor de R$ 9.600,00 com Celso de Tal, tendo, como garantia, transferido para o nome dele um caminhão Mercedez Benz L1316, ano 1983. Devido a dificuldades financeiras, a recorrida teria autorizado Celso a vender o caminhão a R., recebendo ela um automóvel Volkswagen Gol 16V, ano 2000, no valor de R$ 20.000,00 como parte do pagamento da negociação. O automóvel estava alienado ao Banco Leasing S/A Arrendamento Mercantil, tendo Celso se comprometido em pagar todas as dívidas que recaíam sobre o automóvel até a data de 15/06/2002. Como não houve tal pagamento, requereu a condenação do mesmo em pagar toda a dívida recaída sobre o veículo, a fim de que pudesse adquirir a propriedade plena do bem, com sua devida transferência, dando à causa o valor de R$ 8.000,00.
 Em audiência de instrução e julgamento, renovada a proposta de conciliação e não aceita, R. apresentou contestação, argüindo, preliminarmente, ilegitimidade de parte, por ausência de relação jurídica com a autora e impossibilidade jurídica do pedido, vez que a autora pede seja pago a ela crédito referente a financiamento de bem de outrem, ou seja, do Banco Leasing. Também Celso argüiu ilegitimidade de parte. Rejeitadas as preliminares sem maior aprofundamento tendo em vista a não incidência de preclusão “pro judicato” e a necessidade de produção de provas para sua apreciação.
 A prova oral consistiu apenas no depoimento pessoal dos requeridos.
Colhe-se da r. sentença impugnada que seu ilustre prolator - embora reconhecidamente experiente e de vasta cultura jurídica - não se encontrava seguro em sua convicção e ao precipitar sua conclusão, data máxima vênia incorreu em equívoco, como demonstram os seguintes trechos do “decisum” impugnado:
“A autora pretende alcançar com a presente demanda reparação de dano moral...”
 “Ás fls. 07 dos autos está o documento em que deixa claro a transação ocorrida entre a autora e o primeiro requerido.”
“A prova pode não ser uma prova robusta em termos de esclarecimento produzida pela autora, mas não deixa dúvidas de que ficou no prejuízo, seja este causado por Reinaldo, seja este causado por Celso. Ficou ainda evidenciado que o prejuízo da autora girou em torno de R$ 7.000,00 (sete mil reais), valor este que, na hipótese de condenação, deverá ser corrigido monetariamente desde a citação de um réu ou de ambos os réus, já que até o presente não defini qual.”
“No início desta sentença cheguei a mencionar que a autora havia, em um primeiro momento, transacionado com o primeiro requerido, não o empréstimo, mas a venda do caminhão, mas na verdade o que ocorreu foi a venda do veículo caminhão para o segundo requerido. Não tenho dúvidas de que a ilegitimidade passiva está por demais afastada, mas quanto ao mérito vejo que existe um liame de causa, um nexo causal no comportamento do réu R.  para com a autora...  mas convencido estou de que a responsabilidade para reparar esse dano é de R., porque com o seu comportamento causou à autora um dano material...” .
Com a devida venia, o que vejo na fundamentação acima são afirmações contraditórias, que conduzem a perplexidades e não oferecem segurança para a prolação de um decreto condenatório nos moldes em que formalizado, mormente tendo em conta o pedido formulado na inicial.
 A autora-recorrida, desde a propositura da peça de exórdio, esteve sempre assistida por advogados e, uma vez estabilizada a demanda, não poderia ela ser mudada, nem pela parte, nem pelo juiz.
 Se a parte formula pedido equivocado ou o que não lhe é devido, não pode o magistrado alterar o pedido.
De outro lado, não há comprovação do valor real do caminhão, nem se houve pagamento de alguma prestação do tal empréstimo que a recorrida teria tomado com Celso. Também não consta o valor do automóvel, nem quanto teria sido pago pelo mesmo e o débito que restava pagar. Igualmente não há  prova de eventual busca e apreensão do referido veículo.
 Ademais, quanto ao fato da autora alegar ter tido prejuízo não significa necessariamente que alguém deva ser condenado por isso. Nas transações comerciais realizadas espontaneamente lucro ou prejuízo faz parte dos negócios, sobretudo nas relações patrimoniais disponíveis.  
 De todo modo, os mesmos princípios processuais contidos no Código de Processo Civil são aplicados aos Juizados Especiais, como, no caso, o princípio da adstrição.
 Em situação de similitude com a dos autos, assim decidiu o Colegiado Recursal de Brasília:
 Classe do Processo : APELAÇÃO CÍVEL NO JUIZADO ESPECIAL 20030910144899ACJ DF
Publicação no DJU: 04/08/2004 Pág. : 56
 
Ementa
 CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO EXTRA PETITA. NULIDADE. SENTENÇA CASSADA. É DEFESO AO JUIZ PROFERIR SENTENÇA, A FAVOR DO AUTOR, DE NATUREZA DIVERSA DA PEDIDA, BEM COMO CONDENAR O RÉU EM OBJETO DIVERSO DO QUE LHE FOI DEMANDADO (ART. 460, DO CPP). SE A VENDEDORA, EM CUJO NOME CONTINUA REGISTRADO O IMÓVEL, PROPÔS AÇÃO VISANDO COMPELIR O COMPRADOR, QUE LHE ADQUIRIU O BEM ATRAVÉS DO CHAMADO "CONTRATO DE GAVETA", A QUITAR JUNTO AO FISCO OS DÉBITOS RELATIVOS AO IPTU DE EXERCÍCIOS POSTERIORES À VENDA, PELOS QUAIS ESTÁ SENDO EXECUTADA PELA FAZENDA PÚBLICA, NÃO PODERIA O JUIZ, JULGANDO PROCEDENTE A AÇÃO, CONDENAR O RÉU A PAGAR DIRETAMENTE À AUTORA A QUANTIA RELATIVA AO DÉBITO, O QUAL, NO CASO, PERANTE A FAZENDA PÚBLICA AINDA CONTINUARIA EM ABERTO. TAL SOLUÇÃO, OU SEJA, O PAGAMENTO À AUTORA, SÓ SE MOSTRARIA VIÁVEL SE ESTA TIVESSE EFETUADO O PAGAMENTO DA DÍVIDA EXECUTADA (O QUE NÃO FEZ) E, EM AÇÃO REGRESSIVA, ESTIVESSE DEMANDANDO O RÉU PARA REAVER O QUE PAGOU. DECISÃO: RECURSO PROVIDO, PARA CASSAR A SENTENÇA E DETERMINAR QUE OUTRA SEJA PROFERIDA, DECIDINDO A LIDE NOS LIMITES EM QUE FOI PROPOSTA. UNÂNIME.
O Superior Tribunal de Justiça apreciando questão sobre o tema enfocado nos autos, assim se manifestou:
ROMS 12520 / GO; RECURSO ORDINARIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 2000/0112859-0  - DJ 29.03.2004 p.00277
Ementa
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. REMUNERAÇÃO. VANTAGENS DE CARÁTER PESSOAL. BASE DE CÁLCULO. JULGAMENTO EXTRA PETITA. ARTIGO 460 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
1 - É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o  réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado" (artigo 460 do Código de Processo Civil).
2 - Julgamento extra petita caracterizado, dada a dissonância entre o pedido deduzido na inicial do writ e os fundamentos invocados pelo acórdão recorrido.
3 - Recurso provido, determinando-se o retorno dos autos à origem para novo julgamento.
 “Mutatis mutandis” foi o que ocorreu nos presentes autos: a autora pediu o cumprimento de obrigação consistente no pagamento de dívida junto ao Banco Leasing pelo arrendamento do veículo Gol, cuja dívida encontrava-se em nome de outra pessoa que sequer faz parte da presente demanda.
Ora, nesse caso, o recorrente não poderia ser condenado ao pagamento de determinada importância à própria autora, que não era a credora da eventual dívida, a título de ressarcimento de eventual prejuízo. 
Por todo o exposto e tendo em conta as bem lançadas razões recursais, dou provimento ao recurso, para declarar nula a r. sentença impugnada, determinando a baixa dos autos para que a demanda seja decidida nos limites em que proposta.
Por inteligência do disposto no art. 55 da LJE, não há incidência de ônus sucumbenciais.

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