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19 agosto 2011

IRREGULARIDADES INSANÁVEIS NULIFICAM O PROCESSO


O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados, até mesmo por questão de espaço, e nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.

Hoje, mais um caso de irregularidade processual como segue:

ACÓRDÃO
EMENTA: RECURSO INOMINADO. PROCESSUAL CIVIL. REGRAS PROCESSUAIS OBRIGATÓRIAS, OBSERVÂNCIA.
1. AO PROFERIR SENTENÇA EXTINTIVA OU DECISÃO INTERLOCUTÓRIA EXCLUINDO PARTE DO PROCESSO, NÃO SE PODE NELE PROSSEGUIR SEM INTIMAÇÃO DAS PARTES, PENA DE INVALIDADE DO FEITO. 
2.- DESCABE AO JUIZ “SPONTE PROPRIA” SUBSTITUIR PARTE PROCESSUAL.
3.- A JUNTADA DE DOCUMENTOS EM AUDIÊNCIA DEVE SER REGISTRADA EM ASSENTADA, BEM COMO VIABILIZADA A OPORTUNIDADE DE SOBRE ELES SE MANIFESTAR A PARTE CONTRÁRIA.
4.-PRELIMINAR DE NULIDADE DO FEITO ACOLHIDA.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais, à unanimidade, conhecer do recurso para  acolher a preliminar de nulidade arguída, declarando a nulidade do feito a partir da audiência de conciliação, nos termos do voto do Relator que deste passa a fazer parte integrante.
Vitória, ES,   de  maio de 2004.

R E L A T Ó R I O
JRA pleiteou ressarcimento de danos materiais por acidente de trânsito em face de GMS e HRS. Em audiência de conciliação realizada em 27.11.2003, compareceram requerente, requeridos e CWM, ocasião em que este último informou que havia adquirido o veículo envolvido no acidente e que até aquela data não havia feito a transferência. Dada a palavra a HRS, este requereu a sua exclusão do polo passivo da demanda. Sem conciliação, saíram as partes intimadas para AIJ em 09.02.2004. Em seguida foi lançada sentença julgando extinto o feito em relação a HRS por ilegitimidade passiva de parte.
Audiência de instrução e julgamento de fls. em que compareceram solicitante, solicitado e CWM, com juntada de cópias de fotos do suposto local do acidente, de “croquis” e de relato do autor.
Prolatada sentença de mérito, condenando solidariamente CWM e GMS ao pagamento de R$ 585,00. Intimado GMS em cartório.
Foi interposto recurso inominado em nome de GMS e HRS contrariando o “decisum” e pleiteando a declaração de nulidade da sentença porquanto o feito havia sido extinto e não poderia ser reapreciado pelo juiz sentenciante.
Intimado o autor-recorrido, sem contudo apresentar contra-razões.
É a síntese dos autos.   

                V O T O

Embora sabida e reconhecida a singularidade e simplicidade do procedimento dos Juizados Especiais, descabe ao juiz redirecionar o feito contra quem não foi apontado pelo autor em seu pedido inicial como parte no processo nem teve oportunidade para aditar o pedido. 

A disciplina da estabilização da causa (artigos 41 e 264 do Código de Processo Civil) aplica-se ao micro-sistema dos Juizados Especiais, de acordo com as regras de hermenêutica. E sobre tal estabilização a jurisprudência é firme e indiscrepante, como aponta o seguinte julgado:

PROCESSO -  ALTERAÇÃO DAS PARTES APÓS CITAÇÃO -  EXCEÇÕES LEGAIS
Por força do princípio da estabilização subjetiva do processo, prestigiado nos arts. 41 e 264 do CPC, feita a citação validamente, não é mais possível alterar a composição dos pólos da relação jurídica processual, salvo as substituições permitidas por lei (TJ-RS -  Ac. unân. da 5.ª  Câm. Cív. julg. em 29-6-2000 -  Agr. 70.001.087402-Capital -  Rel. Des. Marco Aurélio dos Santos Caminha; in ADCOAS 8195742).

Foi o que se deu com o requerido CWM, que não se ofereceu para assumir o pólo passivo no lugar de HRS, nem foi indicado pelo autor como parte requerida. Houve suposto pedido de HRS para sua exclusão do feito em audiência de conciliação e acabou sendo excluído pela sentença que embora conste ter sido dada em audiência, foi prolatada muito depois. E ninguém foi dela intimado, tanto que o próprio HRS (excluído) comparece como recorrente no recurso inominado...

E CWM, sem saber ter se tornado réu no processo, acabou condenado pela sentença de fls. 27/28, a pagar solidariamente a importância de R$ 585,00, sem qualquer comprovação nos autos de tal despesa, apenas levando em conta a palavra do autor e, pior, sequer foi intimado da sentença.

Em situação similar, o Colégio Recursal Brasiliense assim se manifestou:
Registro do Acordão Número : 183881
Ementa
CIVIL - PROCESSO CIVIL - EMENDA À INICIAL FORMULADA EM AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO ONDE O AUTOR FORMULA ADITAMENTO AO PEDIDO INICIAL - NECESSIDADE DE OITIVA DA PARTE CONTRÁRIA - CERCEAMENTO AO DIREITO À AMPLA DEFESA - SENTENÇA QUE CONDENA A RÉ EM ALGO DO QUAL ELA NÃO SE DEFENDEU - NULIDADE - SENTENÇA CASSADA - 1. EM SEDE DE JUIZADOS ESPECIAIS TAMBÉM É CABÍVEL A EMENDA À INICIAL COM O CONSEQÜENTE ADITAMENTO DO PEDIDO. 1.1 TODAVIA, DESTE (ADITAMENTO) DEVERÁ SER OUVIDO O RÉU A FIM DE QUE O MESMO POSSA EXERCER O SEU AMPLO E SAGRADO DIREITO DE DEFESA. 2. A AUSÊNCIA DE OITIVA DA PARTE DEMANDADA E A POSTERIOR CONDENAÇÃO EM PEDIDO CONSTANTE DAQUELE ADITAMENTO, ACARRETA NULIDADE DA SENTENÇA, MESMO PORQUE NINGUÉM PODE SER CONDENADO EM OBJETO DIVERSO DO QUE LHE FOI DEMANDADO. 2.1 APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ADSTRIÇÃO DO JUIZ AO PEDIDO DA PARTE E DO BROCARDO SENTENTIA DEBET ESSE CONFORMIS LIBELLO. 3. SENTENÇA CASSADA, ANULANDO-SE O PROCESSO A PARTIR DA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO, INCLUSIVE.
Decisão: CONHECER E DAR PROVIMENTO AO ECURSO, SENTENÇA CASSADA, POR UNANIMIDADE. 

De se notar, ainda, que os orçamentos acostados ao Termo de Apresentação da Queixa (?), embora de maior valor, são totalmente apócrifos.

Verifica-se, mais, que foram juntadas cópias de documentos acostados pelo autor em audiência de instrução e julgamento sem qualquer referência a tais documentos e muito menos que deles tivessem conhecimento os requeridos, contrariando o disposto no art. 398 do CPC, conforme demonstra o seguinte aresto:

PROCESSO -  DOCUMENTO ACOSTADO AOS AUTOS -OPORTUNIDADE DO CONTRADITÓRIO
Sempre que um dos demandantes acostar aos Autos documento novo, cumpre ao julgador viabilizar à parte contrária a oportunidade de sobre ele manifestar-se, consoante mandamento do art. 398 do CPC, inspirado pelo princípio constitucional do contraditório (TJ-BA - Ac. unân. da 4.ª Câm. Cív. julg. em 10-8-99 - Agr. 50169-9-Juazeiro - Rel. Des. Paulo Furtado; in ADCOAS 8177188).

Em face de tais gritantes e insanáveis irregularidades, declaro a nulidade do feito a partir da audiência de conciliação, inclusive.
É como voto.

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