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05 agosto 2011

ENVIAR PRODUTOS E SERVIÇOS NÃO SOLICITADOS GERA DANO MORAL




O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados, até mesmo por questão de espaço, e nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.

Hoje o caso tratado se refere ao envio de produtos e serviços bancários não solicitados pelo consumidor, como segue:

RECURSO INOMINADO Nº 7.506/05

EMENTA: RECURSO INOMINADO. SERVIÇO BANCÁRIO. COBRANÇA INDEVIDA QUE GEROU INSCRIÇÃO DE NOME DE CONSUMIDOR NOS CADASTROS DO SPC E SERASA. DANO MORAL CARACTERIZADO.

1.-A COBRANÇA EQUIVOCADA DE SERVIÇOS REFERENTES A UTILIZAÇÃO DE SERVIÇOS BANCÁRIOS, OS QUAIS NÃO FORAM REQUISITADOS PELO RECORRIDO, CARACTERIZA EVIDENTE FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO, NOS TERMOS DO CDC.
2.- FALTA DE CAUTELA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO QUE RESULTOU NA EMISSÃO DE COBRANÇAS INDEVIDAS E POSTERIOR INCLUSÃO DO NOME DO RECORRIDO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES GERA DANO MORAL INDENIZÁVEL.
3.-NÃO COMPORTA REDUÇÃO O VALOR ARBITRADO A TÍTULO DE DANOS MORAIS QUANDO LEVA EM CONTA O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO INSTITUTO E ACHA-SE AJUSTADO AOS ENSINAMENTOS DA DOUTRINA E DA JURISPRUDÊNCIA.
4.-O FATO DO BANCO NÃO TER SIDO INTIMADO DA SENTENÇA NÃO ACARRETA A NULIDADE DO PROCESSO, EIS QUE TAL CONDUTA ENCONTRA-SE AMPARADA PELO CPC, EM RAZÃO DA DECRETAÇÃO DA REVELIA DO MESMO.
5.-ADEMAIS, TENDO O BANCO CONHECIMENTO DA AÇÃO MOVIDA CONTRA ELE, CABIA AO MESMO PROCURAR  SABER EM QUAL FASE PROCESSUAL ENCONTRAVA-SE O FEITO E PROMOVER SUA DEFESA, O QUE NÃO OCORREU NO PRESENTE CASO.
6.-RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais, à unanimidade, conhecer do recurso para negar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator, que deste passa a fazer parte integrante.
Vitória, ES,       de  novembro de 2005.

R E L A T Ó R I O

O autor compareceu, pessoalmente, ao 2º Juizado Especial Cível de Vitória alegando que, sem solicitação e sua concordância, recebeu cheque especial, cartão de crédito e outros créditos bancários do requerido. Após procurar o banco e manifestar a recusa em utilizar tais produtos, o autor foi surpreendido com cobranças e, posteriormente, recebeu uma correspondência do SPC e SERASA, comunicando a inclusão do seu nome no cadastro de inadimplentes. Por tais motivos, requereu indenização no importe de 40 salários mínimos, tendo em vista o dano moral sofrido.
Regularmente instruído, o feito recebeu a r. sentença de fls. 52/53, que julgou procedente o pedido autoral para condenar o banco ao pagamento de indenização danos morais em R$ 2.000,00. Ademais, ressaltou que a parte requerida não compareceu à audiência de conciliação ou à audiência de instrução e julgamento, apesar de devidamente citada.
O Banco réu ofereceu embargos do devedor a fls. 73/76 alegando a ausência de intimação da r. sentença proferida nos autos. Assim, pugnou pela notificação citatória do embargado para que conteste a presente ação, que ao final deverá ser julgada totalmente procedente, determinando-se a intimação do embargante da r. sentença de fls. 52/53, bem como declarada a nulidade de todos atos posteriores, inclusive desta execução, sob pena de afronta ao art. 5º, LV, da CF/88.  
Mais uma vez, sobreveio sentença de fls. 89/90 que julgou improcedentes os embargos.
O recorrente interpôs recurso inominado de fl. 103/108, alegando a ausência de intimação da r. sentença e, ao final, seja dado provimento ao recurso, reformando-se a sentença proferida pelo juízo “a quo”, consoante os fundamentos suso apresentados.
Apesar de devidamente intimado, o recorrido não apresentou contra-razões, conforme atesta a certidão de fls. 118.
É a síntese dos autos.
                                                            V O T O
                                                          
Analisando os autos, os elementos e documentos acostados, constata-se que em nenhum momento restou comprovado que o recorrido solicitou o envio de cheque especial, cartão de crédito e outros serviços prestados pela recorrente.

Assim sendo, não se justifica a cobrança de valores referente a tais serviços, bem como tornou-se indevida a inclusão do nome do mesmo em cadastro de inadimplentes do SPC e SERASA, conforme documento de fls. 06, 10, 12.

Preconiza o art. 39, inciso III e parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 39, III – É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços:
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III – enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;
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Parágrafo único: Os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento.


Vejamos o que explicita Fábio Ulhoa Coelho, em sua reconhecida obra "Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor", Editora Saraiva, pg. 167:

“A remessa de produto ou prestação de serviço sem solicitação prévia do consumidor é tipificada como conduta abusiva pelo inciso III. A sanção para este comportamento vem estabelecida no parágrafo único, pelo qual o produto ou serviço, neste caso, equipara-se às amostras grátis, inexistindo qualquer obrigação de pagamento da parte do consumidor.”

Insta ressaltar que a indevida inclusão do nome de uma pessoa em cadastros de inadimplentes gera não apenas meros aborrecimentos, mas constrangimentos morais, por ferir sua dignidade e manchar seu bom nome, além de impedi-la de acesso ao crédito e às operações bancárias e comerciais.   

Evidente, pois, a falha do serviço por parte do banco- recorrente, geradora de indenização por danos morais, vez que sendo a origem do débito indevida, não poderia o banco optar pela conduta adotada, qual seja, cobrar por um serviço não requisitado pelo autor e, posteriormente, proceder a inscrição de seu nome nos cadastros do SPC e SERASA, o que só poderia ter sido efetivado se tivesse comprovado com documento correspondente o seu possível crédito.

As justificativas apresentadas pelo banco-recorrente não elidem a má prestação do serviço, vez que o mesmo não se desincumbiu de comprovar o que lhe competia, pelo contrário, as alegações apresentadas apenas confirmam a existência de defeito na prestação do serviço. Vale realçar que nas relações de consumo a responsabilidade é objetiva, nos termos das disposições contidas no art. 14 do CDC.

Acerca do argumento exposto pelo banco em sede de embargos do devedor, referente a ausência de intimação da r. sentença de fls. 52/53 que acarretaria nulidade dos atos processuais praticados após o “decisum”, não merece prosperar.

Verifico que foi decretada a revelia do Banco, a teor do que determina o art. 322 do CPC e art. 20 da lei 9.099/95, pois, apesar de devidamente citado (fls. 29), não compareceu à audiência de conciliação.

CPC, Art. 322 – Contra o revel correrão os prazos independentemente de intimação. Poderá ele, entretanto, intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontra.

CDC, Art. 20 – Não comparecendo o demandado à sessão de conciliação ou à audiência de instrução e julgamento, reputar-se-ão verdadeiros os fato alegados no pedido inicial, salvo se o contrário resultar da convicção do juiz.

É sabido que, não obstante ter sido decretada a revelia, era permitido ao réu-revel que interviesse no processo a qualquer momento, contudo, os prazos fluem independentemente de sua intimação.

Logo, a ausência de intimação da sentença decorrente da decretação da revelia do embargante revestiu-se de legalidade e, portanto, não há que se falar em cerceamento de defesa.

Além do mais, o banco-recorrente tinha pleno conhecimento da ação contra ele e, portanto, cabia ao mesmo procurar saber em qual fase processual encontrava-se o feito, o que não ocorreu o caso em análise.

Tendo transitado em julgado a sentença proferida na fase de conhecimento, operou-se quanto ao decidido a coisa julgada. Assim, correta execução instaurada, bem como a sentença que decidiu os embargos do devedor, eis que nenhuma nulidade se vislumbra nos autos, devendo prosseguir regularmente a execução.

Por todo o exposto, nego provimento ao recurso e, firme no princípio insculpido no artigo 55 da Lei nº 9.099/95, condeno o recorrente no pagamento das custas processuais e na verba honorária que fixo em 15 % (quinze por cento) sobre o valor da condenação.
           

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