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30 agosto 2011

A ESTRANHA TEORIA RAIMUNDIANA






Xavier Neto
Jornalista, bacharel em Direito e Agente Federal aposentado.




Participar das operações policiais de erradicação de maconha no interior de Pernambuco, além de instrutivo, era bastante divertido. Hoje é tudo mais perigoso, já que o crime organizado evoluiu mil vezes. Mas veja só, paciente leitor,  o que aconteceu ali perto da cidade de Belém do São Francisco, uma cidadezinha do interior do estado. 

Era setembro de 1986, e após os levantamentos técnicos, os federais invadiram toda a região que é conhecida como "Polígono da Maconha". A "Rodovia  Transmaconheira", que liga Salgueiro ao Piauí, fervilhava de viaturas com o escudo da Polícia Federal e, no céu, além dos urubus, avoantes e escassos periquitos, muitos helicópteros lotados de Agentes armados até os dentes.

Em razão do grande movimento, Delegados e Escrivães não tinham um minuto de descanso, lavrando dezenas de flagrantes, fazendo perguntas sem fim. Aquelas coisas que todo mundo conhece. Nas rodovias, estradas e veredas, os Agentes faziam prisões de fazendeiros e peões responsáveis pelo cultivo da cannabis sativa que iria abastecer as grandes cidades do Nordeste, boa  parte do mercado consumidor brasileiro.

Dados técnicos colhidos pela equipe precursora, somadas às imagens do satélite americano, davam conta de que na Fazenda Jatobá do Meio, estava sendo cultivada uma grande plantação de maconha. Duas equipes estão encarregadas de prender os responsáveis e, conseqüentemente, destruir a plantação. Como os helicópteros estão   empenhados em outras missões, resta aos policiais sair em campo em busca do local, por caminhos e veredas perigosas, tendo que abrir dezenas de porteiras e cancelas, tornando-os alvos fáceis para uma emboscada.

Após quase três horas de poeirão estradino, as equipes chegaram ao local onde havia uma bifurcação. Pela vegetação, os Agentes puderam deduzir que estavam bem próximos ao Rio São Francisco, local preferido dos traficantes para cultivar a erva. As equipes, distribuídas em duas viaturas, decidiram pela estratégia de cercar o local por duas frentes, visando a encurralar quem estivesse ali cuidando da plantação. Em cada uma das equipes registrava-se a presença de folclóricas figuras do cotidiano policial federal. Em uma, o Agente José Raimundo e, na outra, o Agente Deó, conhecidos nacionalmente por suas peripécias operacionais. Reconhecidamente competente, esta dupla de profissionais adocicava o cotidiano das operações com fatos pitorescos e hilariantes.

Uma das equipes, a do Zé Raimundo, conseguiu - no jargão policial - lograr êxito e localizou o plantio com rapidez. Ao notar a aproximação dos federais, no entanto, o grupo de peão que fazia a segurança do local conseguiu fugir correndo, embrenhando-se na mata. O Agente Zé Raimundo, no entanto, muito esperto, conseguiu "arrecadar" a prova que queria: um  par de chinelos Havaianas falsificado, já que apresentava nitidamente as marcas dos pés do dono, causadas pelo peso do corpo do indivíduo. A legítima, como é sabido, não deforma, não solta as tiras e nem tem cheiro. Mas esta é outra conversa. Não cabe jabá neste causo.

Para o "perito" Zé Raimundo, não havia dúvidas. Era elementar: o detentor do chinelo era o responsável pela plantação. Restava agora apenas localizar o suspeito e fazê-lo, obviamente, calçar o calçado. Enquanto explicava para o resto da equipe - a essa altura atônita – a sua teoria raimundiana, alguém chama pelo rádio HT. Era o Agente Deó, da outra equipe, querendo saber de notícias. 

Pelas ondas do rádio, Raimundão tenta explicar o caso em rápidas palavras, mas não consegue terminar. É interrompido pelo sarcástico comentário do folclórico Deó:

- Ah! Entendi, Raimundão. Tô manjando! Se eu entendi bem, você quer dar o Flagrante Cinderela, não é?!
Diante da gargalhada geral, não teve outro jeito. Caiu por terra a teoria raimundiana do inédito flagrante, restando aos policiais procurar os fugitivos, que - por sinal - foram encontrados uma hora depois às margens do Velho Chico.

Extraído do site Sindipol/DF

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