O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados, até mesmo por questão de espaço, e nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.
Hoje o caso tratado refere-se a contrato de seguro de vida em grupo, como segue:
RECURSO INOMINADO Nº 5.347/04
ACÓRDÃO
EMENTA: RECURSO INOMINADO. SINISTRO DE SEGURO DE VIDA E INVALIDEZ EM GRUPO. INCAPACIDADE PERMANENTE. COMPROVAÇÃO. DIREITO À INDENIZAÇÃO.
1.PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE DE PARTE REJEITADA, VEZ QUE EMPRESA QUE ATUA E APARENTA SER SEGURADORA, RESPONDE PELO PAGAMENTO DO SEGURO CONTRATADO.TEORIA DA APARÊNCIA E INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO DE SEGURO EM PROL DO SEGURADO CONSUMIDOR, NOS TERMOS DO CDC.
2.PREJUDICIAL DE PRESCRIÇÃO INOCORRENTE, PORQUANTO A PRESCRIÇÃO ÂNUA DO DIREITO DO SEGURADO CONTA-SE A PARTIR DA DATA QUE TENHA CIÊNCIA DO INDEFERIMENTO DO PEDIDO FEITO PERANTE A SEGURADORA, MORMENTE QUANDO ESTA EXIGE A REALIZAÇÃO DE INÚMEROS EXAMES E NÃO SE MANIFESTA QUANTO AO PEDIDO FORMULADO PELO SEGURADO, PARA DEPOIS INVOCAR PRESCRIÇÃO. AUSÊNCIA DE BOA FÉ DA RECORRENTE.
3.COMPROVADO O PAGAMENTO DO PRÊMIO, DEVIDO É O PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO CONTRATADA.
4.- RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória,ES, à unanimidade, rejeitar a preliminar de ilegitimidade de parte, bem como a questão prejudicial de prescrição do direito invocado e, no mérito, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator, que deste passa a fazer parte integrante.
Vitória, ES, de setembro de 2004.
R E L A T Ó R I O
A empresa de seguros, devidamente individualizada e representada por seus ilustrados patronos, interpôs recurso inominado a fls. 104/117, da r. sentença de fls. 102/103 que, julgando procedente o pedido inicial de Ação de Cobrança de Indenização decorrente de seguro em grupo, condenou-a ao pagamento da quantia de R$ 9.600,00 (nove mil e seiscentos reais), acrescidos de juros e correção monetária de lei, desde o ajuizamento da ação, em face de invalidez permanente que se abateu sobre o autor.
A recorrente arguiu, em preliminar, a ilegitimidade passiva por ser estipulante e não seguradora, bem como prescrição por ultrapassado o prazo de um ano para o segurado exigir o pagamento do seguro e, no mérito, alegou carência da ação, haja vista que a apólice estava cancelada por falta de pagamento dos prêmios.
Em contra-razões de fls. 128/129, o recorrido rechaça as preliminares invocadas e, no mérito, propugna pelo improvimento do recurso, com a condenação da recorrente no pagamento de custas processuais e honorários advocatícios de 20% sobre o valor da condenação.
É a síntese dos autos.
Certificada a tempestividade da interposição e o devido preparo, conheço do recurso.
PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE DE PARTE.
A recorrente utiliza três denominações, como demonstram os documentos de fls. 15 e 18, (faturas) e 69 (apólice por ela acostada aos autos).
Portanto, a recorrente comporta-se e age induvidosamente como seguradora, como também demonstram os e-mails de fls. 22/23.
Se não é seguradora, finge ser seguradora e oculta sua verdadeira função e como tal terá que arcar com as conseqüências de sua aparente simulação.
Aplica-se, portanto, ao caso a teoria da aparência, além das normas do CDC, vez que o contrato se interpreta em benefício do consumidor-aderente.
Confira-se, a propósito, os seguintes julgados, que calçam como luva ao caso em exame:
Quanto à aparência:
Em determinadas circunstâncias, o que aparenta acaba sendo, ainda que diversa seja a realidade. Quem contrata, identifica-se e age como seguradora, considera-se seguradora, porque aparenta ser seguradora, não estipulante, e tem legitimidade passiva para a demanda de cobrança de indenização promovida pela beneficiária do segurado. (2.º TA Civ.-SP - Ac. unân. da 4.ª Câm. julg. em 4-3-99 - Ap. com Rev. 537651-00/7-Ribeirão Preto - Rel. Juiz Celso Pimentel; in ADCOAS 8173615).
Quanto à interpretação do contrato securitário:
À falta de identificação clara e precisa da companhia seguradora responsável pelo seguro no caso de eventual ocorrência do risco, responde pela obrigação securitária a empresa estipulante, uma vez que, tratando-se de contrato proposto por adesão, a interpretação de seu conteúdo deve ser feita em benefício do aderente. (2.º TA Civ.-SP - Ac. da 9.ª Câm. julg. em 17-3-99 - Embs. 528627-01/6-Penápolis - Rel. Juiz Ferraz de Arruda; in ADCOAS 8173673).
Por tais razões, rejeito a preliminar argüida.
QUESTÃO PREJUDICIAL: PRESCRIÇÃO
A recorrente alega prescrição do direito do recorrido em receber a indenização, com apoio no artigo 178, § 6º, inciso II do Código Civil, porquanto já decorrido mais de um ano da data da ocorrência do sinistro.
Bem lembrada pelo recorrido a decisão do Colendo Superior Tribunal de Justiça, vazada nos seguintes termos:
Ementa
CIVIL E PROCESSUAL. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. PRAZO PRESCRICIONAL DE UM ANO. INÍCIO. CIÊNCIA DA RECUSA DA SEGURADORA.
EMBARGOS DECLARATÓRIOS. MULTA.
AFASTAMENTO. CC, ART. 178, § 6O, II. SÚMULAS N. 101 E 98 - STJ.
I. A situação do empregado titular de seguro de vida em grupo é a de segurado e não de beneficiário, pelo que a prescrição do direito de vindicar a cobertura é de um ano, ao teor do art. 178,
parágrafo 6o, II, do Código Civil e da Súmula n. 101 do STJ.
II. A fluição do prazo tem início na data em que o segurado tem ciência da recusa da seguradora em pagar o valor da cobertura estipulada.
III. "Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não tem caráter protelatório" (Súmula n. 98 do STJ).
IV. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido.
Pelos documentos acostados aos autos não se vê qualquer comprovação de que a recorrente tenha deferido o pedido feito administrativamente.
Logo, a ação foi ajuizada no prazo legal, não incidindo a alegada prescrição.
Caso contrário, bastaria a seguradora ultrapassar o prazo de um ano para indeferir ou não responder ao pedido administrativo formulado pelo segurado para depois alegar prescrição ânua. Seria fraudar o espírito da lei e do contrato firmado.
Rejeito, pois, a questão prejudicial invocada.
M É R I T O
A recorrente alega que o recorrido deixou de comprovar o pagamento do prêmio, razão pela qual o pedido deve ser julgado improcedente.
Ocorre que o nome do recorrido consta na relação dos segurados da recorrida, com os respectivos descontos dos prêmios, além dos contra-cheques acostados.
Ademais, segundo o magistério de ARNOLD WALD:
“Para eximir-se de qualquer responsabilidade o segurador deve provar um dos seguintes fatos:
a) existência de dolo por parte do segurado, que não foi claro e leal nas informações,
que agravou o risco ou provocou a ocorrência do sinistro;
b) existência de seguro anterior pelo valor do bem, sem que o segundo seguro se refira
simplesmente à insolvência do primeiro segurador;
c) valor do seguro superior ao valor do objeto segurado, havendo má-fé do segurado
(não havendo má-fé só cabe a redução da indenização ao justo valor);
d) inadimplemento por parte do segurado e violação das obrigações contratuais
e em particular caducidade de apólice pelo não pagamento oportuno do prêmio;
e) inexistência de cobertura para o sinistro ocorrido.” (Grifos do relator).
(Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. II, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1992, pág. 442).
que agravou o risco ou provocou a ocorrência do sinistro;
b) existência de seguro anterior pelo valor do bem, sem que o segundo seguro se refira
simplesmente à insolvência do primeiro segurador;
c) valor do seguro superior ao valor do objeto segurado, havendo má-fé do segurado
(não havendo má-fé só cabe a redução da indenização ao justo valor);
d) inadimplemento por parte do segurado e violação das obrigações contratuais
e em particular caducidade de apólice pelo não pagamento oportuno do prêmio;
e) inexistência de cobertura para o sinistro ocorrido.” (Grifos do relator).
(Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. II, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1992, pág. 442).
Nenhuma prova produziu a recorrente sobre quaisquer dos fatos acima aduzidos.
Assim sendo, tenho que a r. sentença monocrática, ora hostilizada, não carece de reforma.
Ao revés, seus consistentes argumentos merecem acolhimento, porquanto adequados à legislação e jurisprudência aplicáveis ao caso concreto.
Com esses fundamentos, nego provimento ao recurso, condenando a recorrente no pagamento das
custas processuais e honorários advocatícios em 15% (quinze por cento) sobre o valor da
condenação, na conformidade disposto no artigo 55, caput, segunda parte, da Lei nº 9.099/1995.
É como voto.
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