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07 setembro 2011

DESCONSTRUÇÃO E (IN) DEPENDÊNCIA


Outro dia, revisitando meus alfarrábios, encontrei alguns papéis esmaecidos pelo tempo, da época em que era universitário e, dentre eles, um texto sobre a vida e obra de Karl Marx, ainda atual, mas sem identificação da fonte, além das letras de Imagine (John Lennon) e Construção (Chico Buarque). Todas datilografadas, sendo que a canção do Chico estava envolta num desenho feito de aspas ou de traço duplo, em estilo prédio-caixote como era comum naqueles tempos da década de 70. Vivia-se sob regime de liberdade vigiada e censura de órgãos estatais. Em compensação, índices de violência baixíssimos, onde as questões eram resolvidas quando muito na base da porrada mesmo. Não havia esse culto exagerado do corpo e muito menos esse consumismo incontrolável. As novidades eram escassas. As drogas, apenas as lícitas, álcool e tabaco, nada mais, daí tomar uma “cuba libre” era um ato de celebração de independência. Mas, relendo Construção ainda hoje constata-se a genialidade do Chico, ao traçar a saga dos trabalhadores da construção civil (sobretudo nordestinos) que faziam o país progredir, sob condições precárias de salários e segurança no trabalho. 

Como o preço da liberdade é a eterna vigilância e o preço da democracia a indeclinável participação, parece cair como uma luva o Dia Nacional de Mobilização pela Valorização da Magistratura e do Ministério Público, organizado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP), e entidades que integram a Frentas (Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público da União), está programado para o dia 21 de setembro próximo, a partir das 11 horas, no Congresso Nacional, em Brasília. No evento, magistrados e membros do Ministério público de todo o País se reunirão para chamar a atenção da sociedade e dos Poderes da República para a importância da segurança, do sistema de Previdência e da política remuneratória desses agentes públicos. 

Em pleno Estado Democrático de Direito os juízes vivem momento em que são repreendidos por suas posições, expostos na mídia como marajás, vendo suas decisões embargadas ou descumpridas, e tratados com absoluta indiferença e mínima consideração, inclusive pelos próprios tribunais a que integram, como se os tribunais bastassem a si mesmos.

Talvez hoje se possa mesmo fazer uma comparação daqueles valorosos trabalhadores com a dos magistrados como na bela paródia publicada no “Judex, Quo Vadis?”, que abaixo se transcreve:


Desconstrução 

(Com a vênia do Chico)

Julgou daquela vez como se fosse a última
Compôs a lide como se fosse a última
E cada processo como se fosse o único
E atravessou o fórum com seu passo firme
Apertou as teclas como se fosse máquina
Encheu o gabinete com dezenas de casos trágicos
Sentenças e despachos com fundamentos sólidos
Seus olhos embotados do monitor e lágrimas
Sentou pra trabalhar como se não existissem férias
Comeu feijão com arroz num intervalo rápido
Bebeu café e leu o d.o. como se fosse um pária
Acumulou mas não compensou como se fosse múltiplo
E interrogou o réu como se fosse a vítima
E foi tratado como se fosse ele o bárbaro
E acabou na mídia feito o culpado último
Agonizou no meio da pressão do público
Morreu na sua função atrapalhando o tráfico
Honrou a toga como se fosse a última
Beijou a lona como se fosse o espúrio
Um cargo vago esperando o próximo
E atravessou a rua com seu passo sôfrego
Se iludiu com a carreira como se fosse sólida
Perdeu o ânimo com a estrutura imprópria
A visão do inferno nas reformas ilógicas
Seus olhos embotados de planilhas hipócritas
Sentou pra ver os filhos como se fosse um pai omisso
Comeu feijão com arroz das sobras do almoço
Bebeu e dormiu como se fosse um luxo
Não reclamou para não ser representado
E tropeçou no ego deles como se fossem ungidos
E esperou contando os dias para a aposentadoria
E acabou no vão dos burocratas públicos
Agonizou no meio de uma nova ética
Morreu com a mão atrapalhando a improbidade pública
Julgou daquela vez como se fosse máquina
Tirou sua toga como se fosse um túmulo
Esqueceu de si, deixou crescer uma barriga flácida
Ficou sozinho com a consciência intacta
E foi lançado à lama como se fosse um nada
E se acabou no chão feito um capacho velho
Morreu como se fosse um número qualquer das estatísticas

Por esse pão (do diabo) pra comer
Por essa droga pra dormir
A retidão a ceder
E a frouxidão em punir
Por me não me deixar respirar
Por não me deixar existir
O executivo lhe pague

Pelos sapos indigestos
Que a gente tem que engolir
Pela impunidade que grassa
A qual a gente tem que anuir
Pelo andar cambaleante
Da moral a cair
O legislativo lhe pague

Pela mulher carpideira
Pra nos destratar e cuspir
E pelas moscas bicheiras
Que hão de nos destruir
E pela derrocada derradeira
Do judiciário a sucumbir
O conselho lhe pague

Bel. Pinguelas de Miranda


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