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07 outubro 2011

ACIDENTE CAUSADO POR ANIMAL MORTO NA RODOVIA E RESPONSABILIDADE DA CONCESSIONÁRIA







O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.

Hoje o caso tratado refere-se à responsabilização de concessionária de rodovia em razão de acidente de trânsito causado por animal morto no leito da rodovia, como segue: 

RECURSO INOMINADO Nº 5.848/04
                        ACÓRDÃO


EMENTA: RECURSO INOMINADO. CONCESSIONÁRIA EXPLORADORA DE RODOVIA ESTADUAL. ACIDENTE EM DECORRÊNCIA DE ANIMAL NA PISTA. DEVER DE INDENIZAR. 
1.- É OBJETIVA A RESPONSABILIDADE DA CONCESSIONÁRIA DE RODOVIA PARA COM OS USUÁRIOS DE SUA ÁREA DE CONCESSÃO NOS TERMOS DO ART. 37, § 6º,DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ARTIGO 14 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
2.- A PRESENÇA DE ANIMAL MORTO NA RODOVIA DENOTA FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DE VIGILÂNCIA, VEZ QUE É OBRIGAÇÃO LEGAL DA CONCESSIONÁRIA MANTER A RODOVIA EM CONDIÇÕES PERMANENTES DE TRANQUILIDADE E SEGURANÇA AOS SEUS USUÁRIOS.
3.- OCORRENDO ACIDENTE DEVIDO A ANIMAL NA PISTA DE ROLAMENTO, IMPÕE-SE O DEVER DE INDENIZAR OS DANOS MATERIAIS SOFRIDOS PELO USUÁRIO, SEM EMBARGO DE EVENTUAL REGRESSO CONTRA O DONO DO ANIMAL.
4.- RECURSO DESPROVIDO.

                    Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais, à unanimidade, conhecer do recurso para  negar provimento, nos termos do voto do Relator que deste passa a fazer parte integrante.
Vitória, ES,       de abril de 2005.

RELATÓRIO

O autor compareceu pessoalmente perante o Juizado Especial relatando que sofreu acidente no dia 14/03/2004 na rodovia sob custódia da requerida devido a um animal que se encontrava na pista. Na qualidade de médico ficou impedido de realizar algumas cirurgias e teve sua saúde lesada, bem como prejuízos devido a avarias em seu veículo. Requereu indenização por danos materiais c/c lucros cessantes em face da CONCESSIONÁRIA, valorando a causa em R$ 4.800,00.
Regularmente instruído o feito, sobreveio a r. sentença de fls. 48/49, que excluiu do pedido a parte de lucros cessantes por necessidade de apuração por perícia, que não é possível no juizado e julgou procedente o pedido de danos materiais, com fundamento no art. 37,§ 6º da Constituição Federal, condenando a requerida no pagamento da importância de R$ 530,00, com juros e correção monetária na forma do art.1º,§ 2º da Lei 6.899/81.Irresignada, a empresa concessionária interpôs recurso inominado a fls. 77/97, alegando ausência de responsabilidade objetiva, ausência de nexo causal, por fato de terceiro, responsabilidade do dono do animal, prequestionando a aplicação da regra do art. 37,§ 6º, da CF em face de ato omissivo do agente púbic ou concessionária, pleiteando o provimento do recurso, excluindo a condenação que lhe foi imposta a título de danos materiais no valor de R$ 9.600,00.
O recorrido apresentou contra-razões a fls. 104/110, sustentando a responsabilidade da recorrente e propugnando seja negado provimento ao recurso, mantendo a condenação fixada e acrescendo os honorários advocatícios à base de 20%. 
É o relatório.
V O T O
                                            

Ao exame das provas carreadas aos autos, verifica-se que o Boletim de Ocorrência de Acidente de Trânsito de fls. 05/06 registra que o acidente ocorreu na rodovia ES 060, nas imediações do Km 32, quando o autor passou por sobre um animal de grande porte que havia sido atropelado por um outro veículo, causando os danos e avarias descritos na ficha de vistoria de fls. 07.



Restou provado, também, que o autor pagou a importância de R$ 530,00 a título de franquia, cujo ressarcimento busca pela via adequada.



A sentença ora guerreada condenou a recorrente no pagamento da indenização por danos materiais com fundamento no artigo 37,§ 6º, da Constituição Federal, que estabelece: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.



Trata-se, pois, de responsabilidade objetiva que, pela teoria do risco administrativo só pode ser afastada quando demonstrado fato de terceiro, caso fortuito, força maior ou responsabilidade exclusiva da vítima.



Não se desincumbiu a recorrente de demonstrar quaisquer das circunstâncias que poderiam afastar sua responsabilidade.



O fato foi corretamente comprovado (acidente) em decorrência de haver um animal de grande porte morto na pista de rolamento sob administração da recorrente. Ao contrário do que alega, a concessionária tem o dever de vigilância sobre o leito carroçável da rodovia, devendo mantê-la em perfeitas condições de uso. Houve omissão do dever de vigilância.  Tem a recorrente a possibilidade de regresso contra o dono do animal.



A jurisprudência sobre o tema é tranqüila como demonstra por mera exemplificação o julgado abaixo do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:





RESPONSABILIDADE CIVIL. CONCESSIONÁRIA QUE EXPLORA RODOVIA PÚBLICA. ANIMAL NA PISTA. ATROPELAMENTO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANO MATERIAL E MORAL.

A concessionária de serviço público que explora o uso de rodovia responde objetivamente pelos danos que causar a terceiro, como regulam os artigos 37, § 6º, da Constituição Federal, 14, do Código de Defesa do Consumidor, e 25, da Lei 8.987/95. O fato de o animal estar na pista não caracteriza culpa de terceiro, seu dono, mas da concessionária que tem o dever de zelar pela segurança do usuário, como dispõe o artigo 6º, § 1º, da Lei 8.987/95, e assim não age quando permite a entrada de animais da via de rolamento. A inadequação do serviço impõe sua responsabilidade pelos danos.AP.CÍVEL 2003.001.34484, 17a. Câmara Cível.

Ademais, entre usuário e concessionária de rodovia evidencia-se relação de consumo, enquadrando-se o fato como defeito do serviço nos termos do artigo 14 do CDC, que dispõe: “Art. 14 – O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos á prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”  



Assim, fica prejudicada qualquer discussão sobre o prequestionamento do art. 37,§ 6º, da Constituição Federal.



Essa, aliás, a interpretação dada pelo Superior Tribunal de Justiça em caso semelhante, que aqui cabe como uma luva:



Processo RESP 467883 / RJ ; RECURSO ESPECIAL 2002/0127431-6





Ementa

Concessionária de rodovia. Acidente com veículo em razão de animal morto na pista. Relação de consumo.

As concessionárias de serviços rodoviários, nas suas relações com os usuários da estrada, estão subordinadas ao Código de Defesa do Consumidor, pela própria natureza do serviço. No caso, a concessão é, exatamente, para que seja a concessionária responsável pela manutenção da rodovia, assim, por exemplo, manter a pista sem a presença de animais mortos na estrada, zelando, portanto, para que os usuários trafeguem em tranqüilidade e segurança. Entre o usuário da rodovia e a concessionária, há mesmo uma relação de consumo, com o que é de ser aplicado o art. 101, do Código de Defesa do Consumidor.



Convém assinalar que se equivoca profundamente a recorrente quanto ao valor da condenação referido em seu recurso, que não guarda qualquer fidelidade nem com o pedido do autor e muito menos com a condenação imposta na sentença guerreada.



Em face do exposto, nego provimento ao recurso, condenando a recorrente no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação.



É como voto. 

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