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24 junho 2011

AMEAÇAS MÚTUAS NÂO GERAM DANO MORAL




O blog publica às sextas-feiras decisões da Primeira Turma do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Vitória, no biênio 2004/2006, período em que tive a honra de integrar aquele dinâmico sodalício. Não há compromisso de publicação da integralidade dos julgados, até mesmo por questão de espaço, e nem com a identificação das partes, vez que interessa apenas revelar alguns temas interessantes que são debatidos no cotidiano dos Juizados Especiais, os quais inegavelmente deram uma nova dinâmica ao judiciário brasileiro. E de tal sorte que cada vez mais são ampliadas suas competências. Pelo andar da carruagem, em breve o que era especial passará a ser comum, o que faz alguns preverem em futuro próximo o sepultamento das varas cíveis comuns, onde ou se consegue um provimento cautelar ou antecipatório ou não se vê resultado concreto em pelo menos longos anos de litígio.

Hoje o caso se refere à indenização de danos morais, como segue:

RECURSO INOMINADO Nº 4.817/04
ACÓRDÃO
EMENTA: RECURSO INOMINADO. DANO MORAL.
1.- AMEAÇAS DE MORTE. QUESTÕES APRECIADAS E RESOLVIDAS DE FORMA CONCILIATÓRIA NO JUÍZO CRIMINAL.
2.- DESAVENÇAS QUE SÃO RECÍPROCAS ENTRE AS PARTES ENVOLVIDAS. INEXISTÊNCIA DE PROVA PARA SUSTENTAR UMA CONDENAÇÃO CÍVEL QUE SÓ SERVIRIA PARA FOMENTAR AINDA MAIS A DISCÓRDIA ENTRE AS PARTES.
3.-RECURSO PROVIDO PARA REFORMAR A SENTENÇA E JULGAR IMPROCEDENTE A AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.

Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais, à unanimidade, dar provimento ao recurso, julgando improcedente o pedido de danos morais, nos termos do voto do Relator, que deste passa a fazer parte integrante.
Vitória, ES, de abril de 2004.

R E L A T Ó R I O

Inconformado com a r. sentença de fls. 27/28, que o condenou ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a título de danos morais, por suposta prática de ameaça de morte e conseqüente abalo emocional contra a autora no dia 8 de fevereiro de 2003, no interior de uma loja em Campo Grande, município de Cariacica, o requerido interpôs recurso inominado de fls. 42/44, pretendendo a reforma do guerreado decisum com reversão daquele julgamento.

Atendidos os requisitos legais no juízo originário, os autos vieram à apreciação deste Colegiado.

V O T O

Do exame dos autos, resulta evidenciada e comprovada documentalmente a desinteligência entre as partes litigantes (mulher de um policial militar e marido de uma vizinha), como se depreende das seguintes peças::

1.- BO da Polícia Civil de fls. 10, de 08/02/2003, em que a autora registra ter sofrido ameaça por parte do recorrente, o qual alega, por sua vez, que estão fazendo ligações anônimas ameaçadoras para sua casa.
2.- BOP da PMES de fls. 11/13, também de 08/02/2003, derivado do anterior, sem qualquer confirmação dos fatos articulados.
3.- BOP da PMES de fls. 13/14, 09/02/2003, em que o marido da autora (policial militar) solicita diligências sobre uma moto perto de sua residência, sendo a mesma identificada como de propriedade do requerido e estando com a documentação em dia e justificada a presença naquele local, a diligência foi encerrada, pois nada havia a ser feito.
4.- BOP da PMES de fls. 15/16, de 09/02/2003, em que o marido da autora (policial militar) solicita nova diligência ao COPON sobre uma moto estacionada na sua rua onde fica sua residência, tendo sido a mesma identificada como propriedade de outra pessoa, negando o COPON o deslocamento de viatura para apurar o fato, por considerar desnecessário.
5.- Representação à Corregedoria de Polícia da PMES de fls. 26, de 13/02/2003, formulada pessoalmente e, em reiteração, pela esposa do requerido em desfavor do marido da autora, acusando-o de ameaça de morte contra o marido dela. Às fls. 34, reprodução integral de tal representação e às fls. 35, a representação originária, datada de 04/02/2003.
6. Às fls. 36 cópia de Ata de Audiência da 8a. Vara de Trabalho de Vitória-ES, de 29.01.2003, em que consta, entre outras, a esposa do recorrente como reclamante e como reclamado Centro Educacional Pintando o Sete (este na qualidade de preposto da reclamada), em que se verifica haver acordo solucionando a reclamação trabalhista.
7.- Termo de audiência de fls. 37, datado de 03/04/2003, referente ao processo nº 4140/03, do 2º Juizado Especial Criminal de Cariacica, tendo por autor do fato o recorrente e vítima a recorrida, obtida conciliação em que o autor do fato compromete-se a não perturbar, provocar nem agredir o outro, desistindo da representação feita na esfera policial e requerendo o arquivamento dos referidos autos, o que restou homologado por via de sentença prolatada na mesma data, transitando em julgado em 14/03/2003.
8.- Termo de audiência de fls. 38, de mesma data, referente ao processo nº 4124/03, do 1º Juizado Especial Criminal de Cariacica, tendo por autor do fato o marido da autora e como vítima o recorrente, de igual conteúdo, com sentença homologatória também trânsita em julgado em 14/04/2003.

No Juizado Cível, da prova oral colacionada, vale ressaltar o seguinte:

Em depoimento pessoal às fls. 29, a palavra do recorrente: “...que quando chegou perto da Autora disse-lhe para a mesma avisar a seu esposo que o mesmo parasse de ficar em frente a porta do requerido e parasse de fazer ligações pois isso poderia parar em morte; que tal afirmativa foi feita em tom baixo e logo após se retirou do local com a sua filha; ... que acredita ser a Autora que liga para a sua casa porque tais fatos iniciaram após a esposa do depoente ter ajuizado uma ação contra a Autora.”

Às fls. 30, diz a autora: “...que o requerido ao avistar a depoente disse-lhe para que falasse como (sic) seu esposo que o mesmo parece (sic) fazer ligações ameaçadoras; que Polícia também morre e que ele não tem medo do esposo e nem da Depoente, retirando-se em seguida do local: que o Requerido não fez nenhuma ofensa pessoal a Autora somente falando o que já foi registrado.” (Grifei).

Testemunha do autor, ora recorrente, às fls. 31, diz: “..ouviu o Requerido (falar) para a Autora que era a mesma e seu esposo pararem de ligar ameaçando o Requerido e que era para o esposo da Autora parar de ir na caso do Requerido.”

Testemunha trazida pela recorrida declara às fls. 32: “... que nos dias dos fatos não viu o Requerido mais (sic) sim a Autora; ...que estava no segundo piso da Loja quando ouviu uma discursam (sic) e uma voz masculina dizia que parasse com as ligações e que isso pararia em morte e que polícia também morre; que uma vez que as afirmações chamaram a atenção do depoente o mesmo não avistou o Requerido mais reconheceu a requerente, e estava transtornada, por já ter visto na Vila Rubim onde o seu esposo trabalha como policial militar...”

Não há como inferir desses depoimentos a ocorrência de ameaça de morte do recorrente contra a recorrida. Se ameaças houve, tais ameaças forami recíprocas, e ainda assim somente poderiam ser admitidas entre o recorrente e o marido da recorrida e não entre esta e aquele.

Esse cenário de divergência, de malquerência recíproca, de desconfiança mútua, não propicia a formação de juízo de reprovabilidade em desfavor do recorrente.

Em caso semelhante, encontrei o seguinte julgado da abalizada jurisprudência gaúcha:

EMENTA: DANO MORAL. DENUNCIA DA PRATICA DOS DELITOS DE AMEACA E DE DANO. EXERCICIO DE DIREITO. O EXERCICIO DE UM DIREITO POR PARTE DO CIDADAO, QUANDO NAO IMPREGNADO DE DOLO OU EVIDENTE MA-FE, E AUSENTE A HIPOTESE DE ABUSO, NAO DA AZO, POR SI SO, A INDENIZACAO. DENUNCIA DE AMEACA E DE CRIME DE DANO. LINDEIROS QUE NUTREM ANTIGA INIMIZADE. PROCEDIMENTO CRIMINAL QUE RESULTOU EM CONCILIACAO E ARQUIVAMENTO. DANO MORAL NAO RECONHECIDO. SENTENCA DE IMPROCEDENCIA MANTIDA.(APELAÇÃO CÍVEL Nº 70000210740, DÉCIMA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: PAULO ANTÔNIO KRETZMANN, JULGADO EM 11/11/1999).

A ameaça de morte é matéria de índole essencialmente criminal e se naquele juízo a questão se resolveu de forma pacificada, ainda que sejam independentes as esferas de julgamento, não encontro razão alguma para condenação do recorrente por dano moral em razão dos mesmos fatos.

A condenação cível, além de injusta, serviria apenas para fomentar a discórdia, ou, na regra da experiência comum do povo, para “jogar lenha na fogueira”, em nada contribuindo para a paz social. Alcançada a conciliação no juízo criminal, melhor deixar as coisas como estão, com as partes pacificadas.

Por todo o exposto e por absoluta ausência de provas para sustentar o pedido inaugural, dou provimento ao recurso para reformar a sentença hostilizada, julgando improcedente a ação. Sem custas e honorários advocatícios, nos termos do artigo 55 da Lei nº 9.099/95.

É como voto.

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