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10 dezembro 2010

MEIO AMBIENTE E CAPACIDADE PENAL ATIVA DA PESSOA JURÍDICA


Damásio de Jesus
Jurista; Doutor Honoris Causa em Direito pela Universidade de Estudos de Salermo (Itália); Conselheiro Editorial da Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal.


Os novos contornos impostos ao Direito Penal exigem a retomada de velhas discussões. Tal como se dá com a imputação objetiva, que enseja debates há mais de 60 anos, a realidade mundial exigiu novos parâmetros para o enfrentamento da capacidade jurídico-penal das pessoas jurídicas. Da sociedade pós-industrial, depois do advento de dois grandes conflitos bélicos mundiais, da institucionalização da informática, da multiplicação de capitais e da derrocada de modelos políticos, o povo passou a conhecer o efeito prejudicial que sempre experimentou de condutas antes lícitas. Os danos ambientais, os crimes relacionados ao comércio exterior e a sonegação fiscal ganharam incremento e, nesse particular, exigiram que a legislação tomasse novos rumos.

A crítica formulada às velhas teorias e a constatação do momento histórico em que se abriga a aplicação do Direito Penal justificam a superação do antigo dogma "societas delinquere non potest". Circunstâncias múltiplas e modificações sociais já definitivas atuam na justificativa da desejada superação. E não se trata de reconhecer presentes eventos e circunstanciais passageiros, mas a consideração de muitos que já estão integrados definitivamente nas relações sociais. A globalização, a concentração de riquezas em nome de pessoas jurídicas, a extensão de empresas a inúmeros países e a óbvia constatação de que muitos crimes somente podem ser praticados por intermédio de pessoas jurídicas, e que estas abrigam muitos interesses díspares em relação à sociedade, são alguns dos muitos argumentos que se nos apresentam válidos.

Nossa legislação não consagrava a capacidade penal das pessoas jurídicas, a despeito de o Código Penal de 1890 insinuar sua possibilidade. A impossibilidade, contudo, foi profundamente alterada com a nova ordem constitucional inaugurada em 5 de outubro de 1988. De ver-se, entretanto, que o sistema atual não admite genérica possibilidade de responsabilização das pessoas coletivas, admitindo-a somente nas hipóteses previstas: infrações à ordem econômica e financeira, contra a economia popular e lesivas ao meio ambiente.

Determina a Constituição Federal:

"Art. 173. […]
§ 5.º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com a sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular."
"Art. 225. […]
§ 3.º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados."

De acordo com a Carta Magna, a reunião de condições que permitem a determinado sujeito tornar-se titular de direitos ou obrigações na esfera penal não mais se limita às pessoas físicas, sendo a ficção jurídica criadora da pessoa coletiva igualmente responsável.

Breve apreciação na esfera constitucional é suficiente para que se tenham por certos a necessidade de revisão de antigos dogmas, a eleição de novos conceitos e o reconhecimento de que a Ciência Jurídica deve ser evolutiva.

A razão da adoção da nova técnica, com o afastamento do antigo princípio "societas delinquere non potest", foi a de reduzir a crescente criminalidade praticada por meio de pessoas coletivas, o reconhecimento da nocividade exponencial de ofensa a certos bens jurídicos e a ineficiência dos superados sistemas de prevenção e punição. As sociedades contemporâneas estão cada vez mais organizadas a partir da geração de capitais. E, a cada dia, no terreno da proteção ao meio ambiente, o homem se mostra mais consciente da gravidade e repercussão de determinadas condutas lesivas.
De modo geral, os Promotores de Justiça do meio ambiente brasileiros têm se engajado na proteção desse bem jurídico, imputando crimes ambientais não só a pessoas físicas como também aos entes morais. O Ministério Público de São Paulo tem agido com eficiência e efetividade. Por meio do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça, órgão vinculado à Procuradoria-Geral de Justiça, notadamente em sua área do meio ambiente, tem fornecido esclarecimentos, modelos e jurisprudência aos membros interessados em adotar medidas judiciais contra infratores ambientais.
Na jurisprudência nacional, o tema está consolidado em vários acórdãos. Podemos ver o panorama dessa preocupação em manifestações dos Tribunais de Justiça. Exemplos: TJSP, 13.ª Câm. Crim., RSE n. 993.06.039271-9, rel. Des. Lopes da Silva, j. em 28.1.2010; TJSC, 2.ª Câm. Crim., RCrim n. 681.223, rel. Des. Irineu João da Silva, j. em 3.2.2010.

O STJ posiciona-se favoravelmente à responsabilidade penal da pessoa jurídica, consolidando entendimento de que somente é possível instaurar um processo contra ente fictício se, na denúncia, imputar-se o fato também a alguma pessoa física que tenha atuado em nome da empresa. Trata-se da "teoria da dupla imputação". Significa, portanto, que não se admite acusação penal dirigida exclusivamente contra a pessoa jurídica. Nesse sentido: "Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio" (5.ª T., REsp n. 889.528, rel. Min. Félix Fischer, DJU de 18.6.2007). Adotando a mesma posição: 5.ª T., REsp n. 989.089, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. em 18.8.2009, DJU de 28.9.2009.

O STJ, confirmando a tese acima exposta, já decidiu: "Excluindo-se da denúncia a pessoa física, torna-se inviável o prosseguimento da ação penal, tão somente, contra a pessoa jurídica. Não é possível que haja a responsabilização penal da pessoa jurídica dissociada da pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio" (6.ª T., RHC n. 24.239, rel. Min. Og Fernandes, j. em 10.6.2010, DJU de 1.º.7.2010).

Torna-se necessário que a doutrina brasileira tome a si a tarefa de atualizar o Direito Penal, fornecendo ao legislador a adequada purificação da legislação, elidindo, com isso, discussões que só atrasam a prevenção e reduzindo a criminalidade nacional e transacional contra o meio ambiente.

Extraído de Editora Magister/doutrina.

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