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06 dezembro 2010

DIVÓRCIO, O RECRUDESCIMENTO DO REPÚDIO-4

Parte 4 - Final

Eduardo Gesse
Juiz de Direito Titular da 2ª Vara da Família e das Sucessões de Presidente Prudente/SP; Especialista em Direito de Família e Docente do curso de Direito das Faculdades Integradas “Antonio Eufrásio de Toledo”, de Presidente Prudente/SP.

Matheus Pereira Franco
Advogado em Presidente Prudente/SP.


2.4 Divórcio e Reparação de Danos
É sabido e consabido que a família deve promover a felicidade de seus membros e, não raras vezes, consegue atingir, pelo menos em parte, essa sua função social.
Entretanto, ninguém desconhece que ela tem sido palco de inúmeros atos ilícitos perpetrados por seus membros, uns contra os outros, resultando em danos materiais e morais expressivos. Os cônjuges não fogem dessa realidade.
Num passado recente pela Vara na qual trabalho 17 tramitou processo de separação em que o marido havia derramado gasolina em sua esposa e ao depois nela ateado fogo, fazendo com que ela ficasse toda retorcida, desfigurada.
Noutro, o cônjuge varão, após trair a mulher, a contaminou com o vírus H.I.V.
Outro, fazendo uso de uma faca peixeira, com lâmina de 30 cm, não agredia fisicamente a sua esposa, limitava-se a afiar a arma branca numa pedra de "carburundum" e simultaneamente dizer para a esposa–vítima: "Desta noite você não passa".
Lastimáveis todos esses casos, que infelizmente não são os únicos.
Imaginemos a dor moral sofrida por essas mulheres, o desgaste psicológico vivenciado por elas. Que outros males serão ainda infligidos à aidética durante o resto de sua existência que será fatalmente abreviada? Quanto despenderá aquela que sofreu queimaduras em várias partes do corpo para recobrar, ainda que parcialmente, os movimentos que ela perdeu e melhorar sua assustadora aparência?
Seria justo dizer que o casamento é um contrato de risco e seu desfazimento por intermédio do divórcio não admite discutir culpa e, por consequência, não haveria como serem reparados esses prejuízos, uma vez que, para tanto, seria necessário indagar sobre a culpa, situação que implica invasão da privacidade dos cônjuges, o que é defeso ao Estado, por força do Princípio da Interferência mínima na vida privada de seus súditos ou por qualquer outro argumento dos vários que são utilizados para demonstrar que a culpa foi banida das relações familiares?
Não nos parece justo e nem sequer harmônico com nosso ordenamento jurídico tal exegese. A responsabilidade civil se expressa por todos os seguimentos do nosso direito e, inclusive, no direito de família.
O divórcio, por si só, não atenderia os interesses dos cônjuges ofendidos de modo que teriam, como de fato têm, o direito de buscarem a reparação dos danos. O casamento não se constitui num salvo conduto ou carta de alforria para os cônjuges praticarem impunemente atos ilícitos.
2.5 Divórcio x Cumulação de Pedidos
Há duas posições diametralmente opostas a respeito do assunto.
Uma primeira corrente defende não ser viável porque retardaria a solução do divórcio e o objetivo do legislador foi o de por fim aos vínculos matrimoniais de maneira célere.
Para uma segunda corrente, seria perfeitamente possível a cumulação de pedidos, uma vez que Emenda Constitucional não tratou do procedimento do divórcio e, assim, não haveria óbice, desde que preenchidas as regras do artigo 292 do CPC, in verbis:
"Art. 292 É permitida a cumulação, num único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão.
§ 1º São requisitos da admissibilidade da cumulação:
I – que os pedidos sejam compatíveis entre si;
II – que seja competente para conhecer deles o mesmo juízo;
III – que seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimentos.
§ 2º Quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, admitir-se-á a cumulação se o autor empregar o procedimento ordinário."
Ademais, a cumulação do pedido de divórcio e alimentos seria possível, assim como é o de divórcio e reparação de danos. Como se vê, os pedidos são compatíveis entre si, ambas as causas são de competência das Varas Especializadas de Família e, uma vez tendo o autor cumulado os pedidos, o rito adotado será o comum ordinário, conforme prevê o § 2º do artigo 290 do Código de Processo Civil, o que não prejudica nem beneficia nenhuma das partes, pelo contrário, favorece o contraditório e a ampla defesa.
O pedido cumulativo de divórcio com alimentos ou com reparação por danos morais ou materiais, é caso que ilustra a denominada cumulação simples de pedidos, a qual, segundo o processualista Fredie Didier Jr. 18:
"Há cumulação própria de pedidos quando se formulam vários pedidos, pretendendo-se o acolhimento simultâneo de todos eles. Em uma mesma relação jurídica processual, vários pedidos são veiculados, tornando composto o objeto do processo – o que, por tabela, implicará que a decisão judicial seja proferida em capítulos."
Desse modo, não há empecilho para que haja cumulação do pedido de divórcio com pedidos acerca de questões que gravitam ao seu redor. Pelo contrário, ao nosso sentir, a cumulação é uma forma de celeridade e economia processual, uma vez que, por intermédio de um único processo judicial, resolver-se-iam todos os entraves oriundos da relação familiar entre os divorciandos.
2.6 Divórcio x Reconvenção
A mesma sorte assiste à possibilidade de o réu se utilizar da reconvenção numa ação de divórcio.
Não se pode confundir reconvenção com defesa. Com efeito, reconvenção é a ação do réu contra o autor, no mesmo processo em que ele (réu) está sendo demandado.
A reconvenção é abarcada pelo Código de Processo Civil em seu artigo 315, in verbis:
"Art. 315. O réu pode reconvir ao autor no mesmo processo, toda vez que a reconvenção seja conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa. Parágrafo único. Não pode o réu, em seu próprio nome, reconvir ao autor, quando este demandar em nome de outrem".
São pressupostos da reconvenção: a) competência do juízo para ambas as causas; b) identidade de ritos; c) ação em andamento.
Ora, se analisados esses pressupostos, outra conclusão não há senão a de que é perfeitamente possível ao réu de uma ação de divórcio reconvir para, por exemplo, requerer a anulação do casamento por erro essencial sobre a pessoa e, assim, ser beneficiado com os efeitos da putatividade por sua boa-fé, pedir alimentos civis, partilha de bens, etc.
Num tal caso, todos os requisitos para admitir-se a reconvenção seriam observados: a Vara de Família é competente para anular o casamento, o procedimento adotado seria o comum ordinário, as demandas são conexas tendo em vista a identidade de causa de pedir, além da prejudicialidade entre ambas e a ação de divórcio, por óbvio, já estava em andamento.
Qual o sentido, então, para se barrar a possibilidade de reconvenção do réu em casos como este e obrigá-lo a ajuizar ação independente que seria conexa à ação de divórcio e seria julgada pelo mesmo magistrado?
Vê-se, portanto, que admitir a reconvenção nas ações de divórcio é medida que se encontra amparada pelo ordenamento jurídico brasileiro e se impõe.
3 Conclusões
A Emenda Constitucional nº 66 de 2010 alterou profundamente o ordenamento jurídico, principalmente com relação ao divórcio e a separação de cônjuges.
Pelos motivos já expostos, entendemos que o divórcio passou a ser um direito potestativo dos consortes, que pode ser exercido a qualquer tempo, independentemente da aceitação da outra parte ou de lapso temporal como requisito obrigatório, como era anteriormente.
A separação jurídica (judicial ou administrativa), por sua vez, foi extirpada do direito brasileiro, de sorte que, em sendo intentada ação que busque a separação do casal, deve o juiz, atendendo ao Princípio da Boa-Fé, Lealdade Processual e da Cooperação, intimar o autor para manifestar seu desejo de converter a demanda em um pleito de divórcio, sob pena de sua petição inicial ser indeferida por impossibilidade jurídica do pedido.
Também se extinguiu a possibilidade de ser realizada a separação de cônjuges por escritura pública lavrada em cartório extrajudicial por tabelião competente. É que a Emenda Constitucional nº 66 foi taxativa ao dizer que o casamento válido se dissolve pelo divórcio, não deixando espaço ou prevendo outra espécie de rompimento do vínculo matrimonial, caindo por terra todas as disposições legais que disciplinavam a separação, seja ela judicial ou extrajudicial.
Trata-se, pois, de norma de eficácia plena, substituindo a anterior que era de eficácia limitada e necessitava de complemento de legislação infraconstitucional para ser completamente aplicada.
No mais, entendemos ser perfeitamente admissível a discussão de culpa no processo que abarcar pedido de divórcio cumulado com alimentos, guarda de filhos, etc.
Por outro lado, nas ações puras de divórcio entendemos que a culpa não pode ser aferida, uma vez que, agora, o divórcio não exige motivo, nem sequer lapso temporal para ser decretado.
As questões que circundam o divórcio podem e devem ser decididas no bojo da própria demanda que almeja o rompimento do vínculo matrimonial entre as partes. Não haveria sentido exigir, por puro formalismo, a discussão da culpa, alimentos, guarda de filhos, etc., em demanda própria, uma vez que o próprio artigo 290 do Código de Processo Civil admite a cumulação de pedidos compatíveis entre si.
Ademais, caso ocorra incompatibilidade procedimental entre os pedidos, aplicar-se-ia o Parágrafo Único do supracitado artigo, que determina seja o processo orientado pelo procedimento comum ordinário.
Por fim, cabe mencionar que entendemos não haver impedimento para a reconvenção em processos de divórcio. A lei não proíbe e os requisitos legais para sua admissão, se analisados friamente, fomentam e autorizam que o réu dela se utilize nas ações de divórcio.
Notas dos Autores:
17 - Os trechos deste texto que se referem a casos vivenciados na Vara de Família dizem respeito à experiência profissional do coautor Dr. Eduardo Gesse.
18 - DIDIER, Fredie Jr., Curso de Direito Processual Civil - Teoria geral do processo e processo de conhecimento, vol. 1. 3ª ed. Salvador: Editora Podivm: 2007. p. 385.

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Extraído de Editora Magister/doutrina
4 Bibliografia

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