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03 dezembro 2010

DIVÓRCIO, O RECRUDESCIMENTO DO REPÚDIO-3

Parte 3/4


Eduardo Gesse
Juiz de Direito Titular da 2ª Vara da Família e das Sucessões de Presidente Prudente/SP; Especialista em Direito de Família e Docente do curso de Direito das Faculdades Integradas “Antonio Eufrásio de Toledo”, de Presidente Prudente/SP.

Matheus Pereira Franco
Advogado em Presidente Prudente/SP.


2.2. Divórcio e Alimentos
Os alimentos têm como fundamento o Princípio da Solidariedade Familiar, e quando envolve cônjuges, também se fundam no dever de mútua assistência resultante do matrimônio.
O legislador, por intermédio da Lei n. 6.515/1977, impunha à parte requerente da separação falência e da separação remédio (ambas escudadas em causas objetivas – ruptura fática da sociedade conjugal e doença mental, respectivamente) a obrigação de pagar alimentos ao cônjuge-requerido independentemente de culpa.
Havia, na verdade, uma presunção de culpa contra aquele que, fundado na doença mental de seu consorte ou na ruptura fática da convivência, ajuizasse ação de separação.
Essa presunção era extraída do artigo 26 da Lei do Divórcio, o qual estatuía:
"Artigo 26: No caso de divórcio resultante da separação prevista nos §§ 1º e 2º do artigo 5º, o cônjuge que teve a iniciativa da separação continuará com o dever de assistência ao outro". (Código Civil, Artigo 231, III)
Como se vê, a obrigação de prestar assistência era só do cônjuge que havia manejado a separação, o outro não tinha mais esse dever, pois sua inocência era presumida.
Essa mesma regra era estendida para as hipóteses de divórcio direto e até os dias atuais ainda tem sido aplicada, nada obstante o Código Civil não conter disposição semelhante.
Muitas vezes os operadores do direito se voltaram contra esse posicionamento, notadamente aqueles que sustentam ter sido a culpa extirpada das causas que envolvem a dissolução matrimonial, porque não caberia ao Estado imiscuir-se na privacidade dos demandantes, o que implicaria ofensa à Dignidade da Pessoa Humana.
Asseveram, ainda, que os alimentos devem ter por estribo tão só os pilares da necessidade e da possibilidade e que ninguém pode ser punido por exercer um direito.
Aqui também, embora sejam argumentos tentadores que até ganham lustro de uma pretensa evolução jurídico-social, cremos que, se interpretados restritivamente, podem conduzir a situações profundamente injustas e imorais.
Seria viável, questiona-se novamente, se obrigar uma mulher, frequentemente agredida, a pagar alimentos a seu ex-marido que se encontra impossibilitado de se automanter, porque dele se separou cansada das injustificadas agressões que lhe eram infligidas?
E mais: seria humanamente aceitável se impor ao ex-cônjuge, contaminado pelo HIV, a obrigação de alimentar seu algoz cuja doença, v.g., já o impede de trabalhar e não tem meios de se automanter?
De igual maneira, haverá, como de fato existe, reprovação social para o cônjuge adúltero. Por isso, impor-se ao traído (ou à traída) a obrigação de sustentar seu ex-consorte seria, como de fato é, atentar contra a moral média e, principalmente, contra os anseios sociais.
É sabido que as normas devem atender as expectativas dos povos a que se destinam. Logo, a regra de direito que contraria a expectativa de seu povo não pode subsistir validamente.
Poder-se-ia argumentar que o nosso ordenamento jurídico possibilita a exigência dos alimentos necessários do chamado cônjuge culpado. Isso lá é verdade, mas um erro não justifica a admissão de outro e nem sequer a ampliação daquele já existente.
Ademais, é difícil a ocorrência das hipóteses que ensejem o direito a alimentos necessários, haja vista os inúmeros obstáculos existentes que, nesse cenário, não parece ser a melhor solução a imposição da obrigação alimentar fundada apenas no binômio necessidade/possibilidade.
Tal posicionamento, além das iniquidades acima apontadas, poderia converter o casamento em uma previdência privada, cujo prêmio pago para obter o benefício seria apenas a celebração do matrimônio.
É certo que ninguém pode ser punido por exercer um direito, ou seja, aquele que maneja ação de divórcio injustificado não pode, por isso, ser punido. De igual forma não seria lícito, nem sequer recomendável, premiá-lo.
Impor obrigação alimentar ao cônjuge repudiado sem dar-lhe a possibilidade de demonstrar que seu consorte não é merecedor dos alimentos por ter praticado, v.g., conduta que implique atos de indignidade seria um desrespeito ao direito a um processo justo e inegavelmente uma ofensa à dignidade da pessoa do cônjuge rejeitado.
Registre-se que não me parece que o artigo 1704 do Código Civil 14 tenha sido atingido (não recepcionado) pela Emenda Constitucional n. 66/2010.
Ele continua em vigor, a exigir tão só uma releitura em razão da extinção das separações. Por isso, deve-se entender que, qualquer do divorciados, se necessitarem e não tiverem dado causa ao fim da sociedade conjugal e aos demais vínculos do matrimônio, poderão exigir alimentos do ex-consorte.
Em resumo: havendo o pedido de alimentos, deverá ser possibilitada a discussão sobre o motivo do divórcio e, se o necessitado for o culpado, ele não terá direito aos alimentos civis, somente aos necessários.
Essa discussão se dará no próprio processo em que se pleiteia o divórcio na hipótese de cumulação de pedidos (divórcio/alimentos) ou de reconvenção por intermédio da qual se busquem alimentos civis.
A culpa, segundo Flávio Tartuce 15, é inerente do ser humano. Esse renomado doutrinador acentua que:
"É preciso se atentar para o próprio conceito de culpa, que deve ser concebida como o desrespeito a um dever preexistente, seja ele decorrente da lei, da convenção das partes, ou do senso comum. Há tempos que parte da doutrina, nacional ou estrangeira, aponta o abandono a elementos subjetivos da culpa, como a intenção de descumprimento a um dever, por imprudência, negligência ou imperícia (por todos, ver: ALPA, Guido; BESSONE, Mario. Trattado di Diritto privado. Obbligazione e contratti.torino: UTET, Ristampa, 1987, p. 210-21). Constata-se que o sistema do casamento ainda é mantido com deveres aos cônjuges, seja pela norma, ou pelo sentido coletivo que ainda persiste na sociedade brasileira (art. 1.566 do CC). Nessa linha, a culpa existente no casamento é justamente o desrespeito a um desses deveres, o que pode motivar, sim, a dissolução da união.
Sem a análise da culpa, como ficaria a questão da responsabilidade civil decorrente do casamento, gerando o dever de indenizar dos cônjuges? Caio Mário da Silva Pereira é um dos juristas, entre tantos, que afirma que a culpa constitui um conceito unitário para o Direito (Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 5ª Edição, 1994, p. 80). Sendo assim se a categoria serve para atribuir o dever de indenizar, também deve ser utilizada para dissolver a união, até por uma questão de bom senso sistemático e de economia. Somente para ilustrar, parece ilógico não se atribuir culpa a um dos cônjuges nos casos tais, também dissolve o vínculo matrimonial. Não se pode pensar que, em tais casos, haverá uma meia culpa, somente para os fins de responsabilidade civil, sem repercussões familiares.
Juridicamente a culpa é conceito que persiste e que será mantido no direito das Obrigações, no Direito contratual e na responsabilidade Civil. Deste modo, obviamente, a categoria deve ser preservada para extinguir os vínculos conjugais no Direito de Família. Entender o contrário fere o razoável e uma visão unitária do ordenamento jurídico privado. Eventuais argumentos históricos de conquistas não podem dar, ao Direito de Família, tal suposto privilégio. Aliais, fica a dúvida se afastar a culpa e conceber um modelo unitário é mesmo uma vantagem.
Por fim, a existência de um modelo dual ou binário, com e sem culpa, atende melhor aos múltiplos anseios da sociedade pós-moderna, identificada pelo pluralismo e pela hipercomplexidade."
Oportuna dizer que, mesmo sagrando-se vencedora a tese de que o artigo 1.704 não foi recepcionado pela Emenda Constitucional nº. 66, a discussão da culpa sobre os alimentos civis seria, como de fato é, viável.
É que o artigo 1.708, Parágrafo Único, dispõe:
"Art. 1.708. (...)
Parágrafo único. Com relação ao credor cessa, também, o direito a alimentos, se tiver procedimento indigno em relação ao devedor."
Ora, se o procedimento indigno constitui-se em causa para a perda do direito aos alimentos, cessando obrigação alimentar já reconhecida, com muito mais razão constitui-se causa impeditiva do nascimento da obrigação alimentar pretendida.
Assim, o filho-alimentado que atenta contra a vida do pai-alimentante perde o direito aos alimentos, em razão do ato indigno por ele perpetrado e isto é pacífico em nossa doutrina.
Pois bem, se a indignidade constitui-se em causa da extinção da obrigação alimentar derivado do parentesco, por que não o seria naqueles escudados no casamento?
O legislador não fez nenhuma distinção, não cabendo ao interprete fazê-lo.
De outra banda, o adultério, as agressões físicas que provoquem lesão corporal grave ou gravíssima, a transmissão de doença sexualmente transmissível e, de um modo geral, as graves infrações aos deveres do matrimônio não se ajustam como atos de indignidade? É evidente que sim e, por tais motivos, podem ensejar a extinção da obrigação alimentar para o cônjuge vitimado.
Como dizer, então, que não será admissível a discussão da culpa?
No divórcio, em si, efetivamente não é cabível a discussão das causas subjetivas ou objetivas que motivaram o manejo da ação. Todavia, no divórcio cumulado com alimentos poderão ser discutidas as causas subjetivas e consequentemente a culpa, o mesmo ocorrendo quando houver reconvenção que tenha por objeto pretensão alimentar para o reconvinte.
Igualmente, para as ações de alimentos ajuizados após o divórcio ou simultaneamente, porém de maneira autônoma, nas quais haverá lugar para discussão das causas subjetivas da dissolução dos vínculos matrimoniais.
2.3. O Divórcio e a Manutenção do Nome de Casado
A nossa sociedade patriarcal possibilita à mulher adotar o sobrenome do marido e essa faculdade, na verdade, era uma obrigação que se impunha à mulher. Até hoje elas se sentem na obrigação de adotar o sobrenome do consorte.
É certo que, por força do Princípio da Simetria entre os cônjuges, o marido pode, também, adotar o patronímico da mulher. Não é menos correto, entretanto, que é raro isso acontecer, porquanto, inegavelmente, ainda sofremos os reflexos e as imposições de uma sociedade patriarcal e machista. Pessoalmente, nunca vimos nas colunas sociais João Silva e Maria Souza serem chamados de casal Souza, mas sim de casal Silva.
Em nosso sentir, não há necessidade de um cônjuge adotar o sobrenome do outro. Essa faculdade só traz aborrecimentos quando utilizada; notadamente, quando se desfaz o matrimônio.
Na época em que o casamento válido era indissolúvel por ato entre vivos até se justificava tal medida, mas agora que pode ser desfeito pelo divórcio sem necessidade de se invocar qualquer causa objetiva ou subjetiva, não é razoável a manutenção dessa faculdade.
Na maioria das vezes, nos divórcios diretos ou nas separações judiciais, a mulher, quando indagada se iria manter o nome de casada ou se pretendia usar o nome de solteira, só não arremessava contra o julgador o sobrenome do marido porque ele (o sobrenome) não é um bem corpóreo de existência material.
O uso do sobrenome do ex-consorte, no mais das vezes, só acarreta transtornos, sobretudo nas famílias recompostas. O atual marido ou companheiro não suporta que sua mulher continue usando o nome do ex-marido e a mulher atual do divorciado não se conforma que a primitiva esposa de seu marido continue ostentando o sobrenome dele. Precisamos nos livrar urgentemente dos últimos grilhões da sociedade patriarcal.
Insurreição à parte, o fato é que o Código Civil permitia, a um só tempo, que os cônjuges adotassem um o sobrenome do outro e impunha ao culpado pela separação a perda do direito de usar o patronímico familiar de seu consorte, desde que isso fosse requerido.
Deveras, o artigo 1.578 do Código Civil determina:
"Art. 1.578. O cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito de usar o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente e se a alteração não acarretar:
I – evidente prejuízo para sua identificação;
II – manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida;
III – dano grave reconhecido na decisão judicial.
§ 1º o cônjuge inocente na ação de separação judicial poderá renunciar, a qualquer momento, ao direito de usar o sobrenome do outro.
§ 2º Nos demais casos caberá a opção pela conservação do nome de casado."
Ao cônjuge inocente era conferido o direito de manter ou renunciar a qualquer tempo o uso do sobrenome do outro, conforme ensina a doutrinadora MARIA HELENA DINIZ 16:
"Se inocente na ação, poderá renunciar, a qualquer momento, ao direito de usar o sobrenome do seu consorte."
Essas mesmas regras se espraiavam e atingiam o divórcio direto:
"Na hipótese de divórcio direto, poderá, se quiser, conservar o apelido de família do ex-consorte (CC, art. 1.574, § 2º), mas havendo novas núpcias deverá a ele renunciar."
Essa questão envolvendo os nomes dos cônjuges era, até pouco tempo, discutida nos moldes preestabelecidos pelo legislador. Tratava-se de entendimento pacífico.
Todavia, há alguns anos, outro entendimento passou a se desenvolver e, finalmente, a ser aceito por nossa jurisprudência, qual seja, o de que o nome integra os direitos da personalidade e, à vista disso, não há que se falar, de regra, quando da separação, em perda do nome de casado.
Esse posicionamento contempla o entendimento daqueles que defendem a extinção do exame da culpa nas dissoluções da sociedade conjugal e, agora, no divórcio.
Como é sabido, nenhum direito é absoluto. Imagine-se a pessoa que é dada à prática de estelionatos e outras fraudes: a manutenção do sobrenome de seu ex-consorte traria a este enormes prejuízos.
Não se pode equiparar, no entanto, esse "nome" que é emprestado ao nome familiar herdado dos pais. Este sim integra os direitos da personalidade, tanto que a pessoa não pode, exceto em casos excepcionais, deixar de usá-lo. O cônjuge que adota o sobrenome de seu consorte poderá, a qualquer tempo, voltar a usar o nome que usava antes do matrimônio.
O nome herdado dos pais se incorpora à personalidade de forma indelével, o sobrenome do cônjuge não. São bens absolutamente distintos. Aquele integra os direitos da personalidade. Este não.
Ademais, não é possível se abrir mão dos direitos da personalidade. Seria possível renunciar à honra, à liberdade, à vida? A resposta negativa é imperativa. Então, como considerar que o sobrenome do cônjuge incorpora os direitos da personalidade como se fora o nome familiar herdado dos pais? Isso seria, como de fato é, de todo incongruente.
Melhor, então, permitir a discussão das causas que impedem a manutenção do nome de casado ou de casada no bojo da ação de divórcio.
Seria possível, porém, tratar da abstenção do uso do sobrenome do cônjuge em ação própria, nas hipóteses em que essa (a questão) não tiver sido resolvida no divórcio ou que se verificar a prática de atos prejudiciais ao nome familiar do ex-cônjuge que emprestou seu sobrenome em momento posterior ao da decretação do divórcio.
Para aqueles que não admitem a discussão da culpa ou de atos que importem em prejuízo para o cônjuge cujo sobrenome foi adotado pelo seu ex-consorte, a solução seria, como regra geral, em havendo pedido expresso do cônjuge que cedeu o nome, que o outro fosse compelido a se abster da utilização, salvo se comprovasse alguma das exceções previstas no artigo 1.578, I a III, do Código Civil, in verbis:
"Art. 1.578. O cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito de usar o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente e se a alteração não acarretar:
I – evidente prejuízo para a sua identificação;
II – manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida;
III – dano grave reconhecido na decisão judicial.
§ 1º O cônjuge inocente na ação de separação judicial poderá renunciar, a qualquer momento, ao direito de usar o sobrenome do outro.
§ 2º Nos demais casos caberá a opção pela conservação do nome de casado."
A manutenção do nome de casado sem possibilitar ao outro discutir a culpa ou demonstrar conduta incompatível com a utilização do sobrenome, implicaria afronta aos direitos da personalidade, não daquele que adotou o sobrenome de seu consorte, mas, sim, daquele que emprestou seu nome familiar.
Notas dos Autores:
14 - Art. 1.704. Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial.
15 - TARTUCE, Flávio. Debate – A PEC do Divórcio e a Culpa: Possibilidade. Disponível em http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=579. Acesso em 29.07.2010, às 13h03min.
16 - DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 5. 24ª ed. São Paulo. Saraiva: 2009 p. 312.
Extraído de Editora Magister/doutrina


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