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08 dezembro 2010

LINGUAGEM JURÍDICA


Mozart Valadares Pires
Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros-AMB


Em plena era da informação, a utilização exagerada em atos judiciais de termos jurídicos de difícil compreensão afasta o Judiciário da sociedade e constitui em perda de legitimidade. As peças processuais devem primar pela simplicidade, concisão e clareza, facilitando a transmissão do que se pretende. Uma escrita jurídica prolixa e rebuscada reflete na efetividade da prestação jurisdicional. Vale lembrar Drummond que ensina que "escrever bem é a arte de cortar palavras".

Quanto mais distante a linguagem usada em textos de sentenças, pareceres, liminares e despachos, menos compreendida é a atuação do Judiciário pelo cidadão. Para modificar essa cultura é imprescindível uma reeducação linguística nos tribunais e nas faculdades de direito. Reconhecer a necessidade de sua simplificação é o primeiro passo para a real democratização e pluralização da justiça.

Comumente se observa que as partes nem sequer entendem se tiveram ou não seus direitos reconhecidos pelo Judiciário em razão da linguagem técnica e rebuscada. Uma linguagem de difícil compreensão coloca o cidadão comum em uma posição de desconhecimento frente a situações que dizem respeito ao seu cotidiano, na medida em que o direito é basicamente a regulamentação das situações fáticas.

É importante deixar claro que também não se defende a supressão de termos técnico-jurídicos e nem tão pouco a vulgarização da linguagem. Até mesmo porque não há como proferir certos atos judiciais sem se recorrer às características e peculiaridades que lhes são inerentes. E termos técnicos, dentro de uma linguagem clara, não obstam a compreensão dos textos jurídicos.

Em pesquisa qualitativa encomendada pela Associação dos Magistrados Brasileiros ao Ibope, em 2004, foi comprovado que os cidadãos de todas as classes sociais esperam uma relação mais aberta e transparente entre o Judiciário e a sociedade, capaz de oferecer informações em linguagem clara e acessível sobre a estrutura e funcionamento da Justiça.

Partindo do pressuposto que ninguém valoriza o que não conhece e objetivando democratizar o acesso ao Poder Judiciário a AMB lançou em 2005 a Campanha pela Simplificação da Linguagem Jurídica, que tem por finalidade aproximar o judiciário da sociedade através de uma linguagem mais simples. A campanha foi uma iniciativa da AMB para a efetividade da justiça brasileira e, inicialmente, teve como foco os estudantes de direito.

Por meio de palestras com representantes da Entidade e do professor Pasquale Cipro Neto, a AMB divulgou a iniciativa por todo o País. Por ocasião da campanha, a AMB realizou dois concursos e publicou um manual chamado de O Judiciário ao alcance de todos: noções básicas de juridiquês."

Um dos concursos teve por objetivo incentivar os estudantes a tomar consciência sobre a importância do uso de um vocabulário mais simples e a AMB premiou os melhores trabalhos dos alunos de direito relacionados à simplificação da linguagem jurídica. Os estudantes premiados ganharam R$ 6 mil, R$ 4 mil e R$ 2 mil, respectivamente, além de certificados.
Outro concurso prestigiou os magistrados associados à entidade que desenvolvem no dia a dia formas de simplificar a linguagem utilizada em peças processuais, como sentenças e notificações, entre outras.

O sucesso dos concursos se refletiu nos números: recebemos 90 inscrições, 72 de estudantes de direito de faculdades de quase todos os Estados brasileiros e 18 de magistrados filiados à AMB. Nos trabalhos apresentados, foi ressaltada a importância de levar a comunidade jurídica a refletir sobre a importância de simplificar a linguagem jurídica adotada nos ritos processuais.

Com a simplificação da linguagem jurídica as peças processuais serão lidas e compreendidas de forma mais fácil pelas partes e acarretará numa maior agilidade processual e consequente concretização do princípio constitucional da "razoável duração do processo" (art. 5º, inciso LXXVIII, CF 1988).

Uma linguagem jurídica clara e simples é instrumento fundamental de acesso à Justiça e contribui efetivamente para a compreensão do funcionamento e da atuação do Poder Judiciário como um todo, até porque ninguém valoriza o que não entende.

Publicado originalmente no Jornal do Commercio de Pernambuco.

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