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01 dezembro 2010

DIVÓRCIO, O RECRUDESCIMENTO DO REPÚDIO-1

Parte 1/4

Eduardo Gesse
Juiz de Direito Titular da 2ª Vara da Família e das Sucessões de Presidente Prudente/SP; Especialista em Direito de Família e Docente do curso de Direito das Faculdades Integradas “Antonio Eufrásio de Toledo”, de Presidente Prudente/SP.

Matheus Pereira Franco

Advogado em Presidente Prudente/SP.


RESUMO: Nosso objetivo, no presente trabalho é abordar a Emenda Constitucional nº 66 de 2010 e as consequências que dela advieram em nosso ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo no que tange às modificações do divórcio e a extinção do instituto da separação jurídica de cônjuges, seja por intermédio de processo judicial, seja por escritura pública lavrada em cartório.
Palavras-chave: Emenda Constitucional nº 66 de 2010. Divórcio. Separação de cônjuges. Divórcio e cumulação de pedidos.

1 Breve Escorço Histórico
Divórcio é a extinção do vínculo matrimonial que se opera mediante sentença judicial e/ou escritura pública.
Pode-se dizer que o divórcio nasceu logo depois que o instituto jurídico do matrimônio foi criado. O divórcio, portanto, não é uma novidade para o orbe jurídico. A humanidade, a rigor, desde sempre conviveu com esse instituto.
Pontes de Miranda, citado por muitos e por poucos entendido, dá conta de que, na Roma antiga, o divórcio já existia. Assim é que o marido poderia devolver a mulher para os pais dela e igual providência ele poderia tomar nas hipóteses de ela, após dez anos de convivência, não lhe dar filho varão. Essa espécie de divórcio existiu durante séculos no Direito Romano e punha fim aos vínculos matrimoniais, qualquer que fosse a espécie de casamento (confarreatio, coemptio ou usus).
Note-se que o divórcio acima referido era, no dizer de Pontes de Miranda, em princípio, um ato vulgar, isto é, não havia necessidade de intervenção de qualquer autoridade para que ele fosse levado a efeito.
De igual forma, o Código de Manu permitia o divórcio nas hipóteses em que, após oito anos de convivência com o marido, a mulher não engravidasse.
Os povos grego e germânico também admitiam o divórcio na espécie de repúdio livre e injustificado.
Em Roma, sobreveio o divórcio "bona gratia" que é a origem do divórcio consensual, ou seja, o primitivo divórcio fundado tão só na vontade convergente dos cônjuges.
Sobreveio, entretanto, o cristianismo que, com o passar do tempo, passou a considerar o casamento como um contratossacramento e, nada obstante os cristãos haverem convivido durante longo tempo com o divórcio, passaram a lutar contra ele e a criar dificuldades para sua realização, até que, no ocidente, fosse extinto.
Para os países que viviam sob a influência católica, só o casamento não consumado poderia ser desfeito por ato entre vivos.
A palavra divórcio para o Direito Canônico mudou de significado. Não representava mais o fim de todos os vínculos matrimoniais e sim mera separação de corpos.
Em resumo: o divórcio consistia no divórcio a vínculo e o divórcio canônico, por sua vez, consistia apenas na separação de corpos.
Com o significado e os efeitos canônicos, o divórcio foi introduzido em nosso sistema jurídico e assim foi mantido até o Código Bevilácqua, quando a expressão "divórcio" foi substituída pela "separação de corpos" e, para obviar confusões a essa modalidade de dissolução da sociedade conjugal, foi-lhe dado o nome de "desquite", cujo significado segue abaixo transcrito, in verbis 1:
"DESQUITE. Ou desquitação, cuja etimologia é incerta, é aplicado na terminologia do Direito Civil para indicar o ato pelo qual se decreta a dissolução da sociedade conjugal, pela separação de corpos e bens dos cônjuges, sem que se extinga o vínculo do contrato matrimonial. Noutra razão, o desquite distingue-se profundamente do divórcio, no conceito que é tido no Direito brasileiro, pois que este dissolvendo a sociedade conjugal, também rompe todos os vínculos jurídicos criados entre marido e mulher, pelo casamento, tornando-os livres e desimpedidos para novo matrimônio. O desquite pode ser dito um divórcio relativo, para que se diferencie do divórcio absoluto, pelo qual o casamento anterior se mostra inexistente. O desquite pode ser intentado amigavelmente ou contenciosamente, dizendo-se então amigável ou judicial."
Oportuniza dizer que o desquite permaneceu em nosso sistema jurídico até o advento da Lei n. 6.515/1977, quando a dissolução da sociedade conjugal passou a ser denominada de SEPARAÇÃO JUDICIAL, a qual, em seu artigo 2º, dispunha:
"Art. 2º A sociedade conjugal termina:
I – pela morte de um dos cônjuges;
II – pela nulidade ou anulação do casamento;
III - pela separação judicial;
IV – pelo divórcio.
Parágrafo único. O casamento válido somente se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio."
O divórcio a vínculo não era contemplado pelo ordenamento jurídico brasileiro. Não é sem razão que LAFAYETE RODRIGUES 2 conceituava o casamento como:
"...um ato solene pelo qual duas pessoas de sexo diferente se unem para sempre, sob promessa recíproca de fidelidade no amor e da mais estreita comunhão de vida."
De igual forma, VAMPRÉ 3 ressalta a indissolubilidade do matrimônio válido, afirmando que:
"Casamento ou matrimônio é o contrato pelo qual o homem e a mulher se unem para sempre, sob promessa de fidelidade no amor, de assistência recíproca e aos filhos e da mais estreita comunhão de vida."
O mesmo ocorrendo com Pontes de Miranda 4:
"Casamento é um ato solene, pelo qual duas pessoas de sexo diferente e capazes, conforme a lei, se unem com o intuito de conviver toda a existência, legalizando por ele, a título de indissolubilidade do vínculo, as suas relações sexuais, estabelecendo para seus bens, à sua escolha ou por imposição legal, um dos regimes regulados pelo Código, e comprometendo-se a criar e educar a prole que de ambos nascer."
É certo que, após o Brasil se tornar um Estado laico, houveram inúmeras tentativas de se introduzir o divórcio a vínculo, sem êxito, todavia.
A dificuldade de se implantar o divórcio a vínculo deveu-se, em grande parte, à conta da constitucionalização do casamento e da indissolubilidade dele a partir da Constituição de 1937, que foi mantida até a Constituição de 1969 (antes da alteração introduzida pela Emenda nº 9/77).
Essas Constituições estabeleciam que o casamento indissolúvel era o único meio para a válida formação da família. Vale, neste passo, transcrever os respectivos artigos constitucionais que se referiam à instituição da família:
CF 1937: "Art. 124 – A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado. Às famílias numerosas serão atribuídas compensações na proposição dos seus encargos"
CF 1946: "Art. 163 – A família é constituída pelo casamento de vínculo indissolúvel e terá direito à proteção especial do Estado".
CF 1967: "Art. 167 – A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes Públicos. § 1º - O casamento é indissolúvel".
CF: 1969: "Art. 175. A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes Públicos. § 1º - O casamento é indissolúvel".
Entretanto, sobreveio a já mencionada Emenda Constitucional nº. 9, de 28 de junho de 1977, a qual alterou o artigo 175 da Lei Maior, dispondo:
"Art. 1º O § 1º do artigo 175 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 175 – (...)
§ 1º - O casamento somente poderá ser dissolvido nos casos expressos em lei, desde que haja prévia separação judicial por mais de três anos.
Art. 2º A separação, de que trata o § 1º do artigo 175 da Constituição, poderá ser de fato, devidamente comprovada em Juízo, e pelo prazo de cinco anos, se for anterior à data desta emenda.
Brasília, em 28 de junho de 1977."
Essa norma, de eficácia limitada, não tardou a ser regulamentada pela Lei 6.515, de 26 de dezembro de 1977. Desde então nosso sistema jurídico passou a contemplar o divórcio como meio de por fim aos vínculos matrimoniais do casamento válido (art. 2º, IV, da Lei n. 6.15/77).
Registre-se, porém, que o legislador adotou o modo dualista, escalonado ou binário para a dissolução dos vínculos matrimoniais. Em outras palavras: só seria possível se alcançar o divórcio após prévia separação judicial ou de fato.
Assim, num primeiro passo deveria se levar a efeito a dissolução judicial da sociedade conjugal e se aguardar o transcurso de um triênio para, ao depois, convertê-la (a separação judicial litigiosa ou consensual) em divórcio, ou se aguardar a ruptura fática da convivência por mais de um quinquênio e, fundado nesta, se pleitear o divórcio.
Na primeira hipótese tínhamos o divórcio indireto e, na segunda, divórcio direto, embora não fosse tão direto assim porque reclamava prévia separação de fato.
O advento da Constituição cidadã de 1988 também implicou em uma série de mudanças na disciplina da dissolução do casamento.
Uma de suas principais inovações foi não recepcionar algumas exigências contempladas na Lei 6.515/77 para a decretação do divórcio, como v.g., a necessidade de prévia ou simultânea partilha de bens (artigo 31 da Lei do Divórcio) 5.
Além disso, reduziu-se o prazo para a decretação judicial do divórcio, fosse ele na modalidade direta ou indireta. Aquele (divórcio direto) poderia ser manejado após o decurso de dois anos da separação de fato. Este (divórcio indireto) após um ano da separação judicial.
Eis o texto da antiga norma constitucional que disciplinava o divórcio:
"Art. 226, § 6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos."
Note-se que, nada obstante a clareza do texto constitucional, exigindo tão só o requisito temporal para o divórcio, travou-se muita discussão doutrinária e divergência jurisprudencial a respeito, notadamente, da possibilidade de se obter o divórcio sem partilha de bens.
Sobreveio, então, a Súmula 197 do STJ 6 fincando a possibilidade do divórcio direto ser concedido sem a partilha prévia de bens e, ao depois, o Código Civil de 2002, em consonância com a Lei Maior, em seu artigo 1.581, prescreveu que: "O divórcio pode ser concedido sem que haja partilha de bens" 7, colocando, desta maneira, um ponto final na controvérsia doutrinária e jurisprudencial que existia até então.
Enfim, desde a entrada em vigor do Código Reale, tanto o divórcio direto quanto o indireto, uma vez cumprido o requisito temporal, poderia ser decretado, independentemente de partilha de bens.
Dando seguimento à facilitação de se colocar fim aos vínculos matrimoniais, sobreveio a Lei 11.441/2007 possibilitando não só a dissolução da sociedade conjugal (pela separação), como também o divórcio administrativo, nas hipóteses em que os cônjuges não tivessem filhos incapazes e preenchessem os demais requisitos a que essa lei se refere.
Podemos concluir que desde o advento da Lei 11.441/2007 temos o seguinte quadro:

Divórcio

Divórcio  Direto  Consensual = judicial ou administrativo
 Divórcio Direto Litigioso= judicial

Divórcio Indireto consensual = judicial ou administrativo
Divórcio Indireto litigioso = judicial

É evidente que não se pode levar a efeito, por escritura pública, divórcio litigioso, devido as particularidades que lhe são inerentes.
Passaremos, agora, a analisar a Emenda Constitucional nº 66 de 14 de julho de 2010 e suas consequências. (Vide próximo capítulo).
Notas dos Autores:
1 - SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. V. I e II. 3ª Ed. Rio de Janeiro: 1991, p. 62.
2 - LAFAYETTE, Rodrigues Pereira. Direitos de Família. Ed. Russell, 1ªed. Campinas: 2003.
3 - VAMPRÉ, Manual de Direito Civil Brasileiro, vol. 1, § 98, apud SANTOS, J. M. Carvalho. Código Civil Brasileiro Interpretado. 10ª ed. Livraria Freitas Bastos S. A., 1984, v. IV, p. 11.
4 - MIRANDA, Pontes de, Direito de Família § 8, apud SANTOS, J. M. Carvalho. Código Civil Brasileiro Interpretado, 10ª ed. livraria Freitas Bastos S. A., 1984, v. IV, p. 11.
5 - Lei n.º 6.515/1977, Art. 31. “Não se decretará o divórcio se ainda não houver sentença definitiva e separação judicial, ou se esta não tiver decidido sobre a partilha dos bens”.
6 - Súmula 197 do STJ: o divórcio direto pode ser concedido sem que haja previa partilha dos bens.
7 - Art. 1.581. O divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens.

Extraído de Editora Magister/doutrina

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